terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Parabéns pra você!

Em 1907 Picasso pintou Les demoiselles d'Avignon, o que seria um de seus mais famosos trabalhos em óleo sobre tela. Recém saído da Fase Azul e ainda no que os especialistas (como a Lili) chamam de protocubismo, o quadro hoje está exposto no MoMA em Nova Iorque. Fora isso, além do nascimento do arquiteto Osvaldo Bratke (pai do Carlos) que nos deixou em 1997, também nasceu Katherine Hepburn com seus inesquecíveis Uma rua chamada pecado (Um bonde chamado desejo, no original) e Adivinhe quem vem para jantar, com Sidney Poitier. Infelizmente outra maravilha feminina chamada Audrey Hepburn não era sua filha, mas seria um feito memorável se fosse verdade. Tirando isto, 1907 foi um ano chato.
Em 1907 o cinema era uma criança nascida em 1895 e proliferada em feiras e circos. Os automóveis da Ford eram do tipo calhambeque, aqueles de revista do Pato Donald, e Henry Ford somente popularizaria a linha de produção para seu famoso Ford T no ano seguinte. O presidente do Brasil (confesso que nessa tive que apelar para o Google) era Afonso Pena. Ou seja, 1907 foi um ano sem graça.
Quantos gênios seria necessário que nascessem em cada ano para que a gente pudesse dizer que foi um ano especial? Ontem não tive tempo de escrever sobre o dia de hoje (terça-feira, 15 de dezembro de 2009) e como ele é especial para nós arquitetos brasileiros, aniversário de Oscar Niemeyer, nascido em 15 de dezembro de 1907, cento e dois anos! Quando a gente coloca o nome dele no Google, lá vou eu de novo, tem mais de um milhão de citações. Quando coloco meu nome, Marcelo Seferin Pontes, são 96 citações...Acho que isso deve ter algum motivo. Quando dou palestras de arquitetura, costumo dizer que os arquitetos nunca se aposentam, em geral trabalham a vida inteira e morrem trabalhando, neste caso, trabalham a vida inteira e continuam vivendo e trabalhando e produzindo e deslumbrando. Casualmente no dia de hoje tive a oportunidade de conhecer sua mais recente construção no Brasil, a Cidade Administrativa do Governo do Estado de Minas Gerais, em Belo Horizonte, ainda em obras e com previsão de inauguração da primeira etapa para 15 de janeiro. Impressionante.
O bloco do Palácio do Governo da Cidade Administrativa tem o maior vão livre do mundo. Se você não é arquiteto ou se é e não sabe o que é vão livre, é o espaço coberto sem pilares. O prédio é uma caixa de vidro toda suspensa por tirantes. A obra, calculada por Sussekind, é de arrepiar. Estava com o Bruno, um amigo arquiteto, e ficamos pensando no desafio de Brasília, centenas de vezes maior do que este. Como avaliar as milhares de sensações que Oscar teve durante a construção de suas centenas de prédios? Como avaliar a vida de um homem que nasceu antes do comunismo se tornar um regime de governo, quando existiam no Brasil cerca de 5 times de futebol, que viu duas guerras mundiais. É difícil entender como alguém consegue varar um século e ainda entender o mundo. Pense assim: quando Oscar nasceu não havia nem idéia do refrigerador doméstico, o rádio estava engatinhando, cruzar o oceano era uma aventura, Santos Dumont havia feito um único vôo em Paris no ano anterior, a arquitetura copiava os estilos do Renascimento e da Idade Média. Hoje nós temos televisões que gravam programas e com as quais você pode interagir para escolher os programas, computadores estão ligados por todo o mundo, cruzar o oceano é cotidiano, e a arquitetura de Oscar varreu o mundo, transformando-o num dos mais importantes arquitetos da história mundial.


Acho que parte de minha imensa consideração por Oscar venha dessa inacreditável capacidade de se adaptar sem perder sua genética criativa, cada traço é uma expressão completa de sua assinatura arquitetônica, um DNA reconhecível, mas diferente. Uma numerosa família com semelhanças, mas diferente. É como se cada prédio fosse uma surpresa de alguma coisa conhecida, um velho amigo que retorna modificado, ou um antigo amor redescoberto em uma festa. A arquitetura de Oscar me faz ficar calmo, abate minhas frustrações e tranquiliza minha inquieta alma de arquiteto que mora em um coração atribulado pela ameaça da mediocridade do dia a dia, da preguiça cultural e das pessoas sem talento ou desejo. Além de parabéns pra você, queria também dizer obrigado. Oscar é dez, ou melhor, é 102!