sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Seleção natural e a vaga de estacionamento

A seleção natural acabou. Com o advento da medicina, o processo de seleção natural da espécie humana teve um abrupto final. Não escolhemos mais nossos parceiros entre os sobreviventes, os mais fortes, mas entre todo e qualquer um da raça humana. Não só os fortes sobrevivem, mas todos. Durante milhares de anos, nossas escolhas foram condicionadas ao universo restrito dos vencedores na luta cotidiana da sobrevivência. Dotados de observação acima do normal para qualquer espécie, desenvolvemos um cérebro capaz de criar cognições em diferentes cenários. talvez este seja um dos principais problemas que nos afetam como espécie: por uma questão de sobrevivência, nosso cérebro se desenvolveu em um período onde era necessário resposta imediata contra qualquer ameaça. Mas o mundo mudou.

Hoje temos tempo para pensar e dar respostas adequadas e adaptadas em um novo contexto muito menos agressivo. Ninguém morre devido a uma reação errônea, exceto em uma circunstancia anormal de violência, que, convenhamos, não deve s usada como parâmetro de comportamento em nenhuma avaliação racional. Num mundo hostil e agressivo, uma descarga de adrenalina quando confrontados com um risco iminente não era só necessária, mas vital. A agressividade oriunda dessa resposta química de um cérebro adolescente representou para nossos ancestrais a possibilidade de manter sobre a Terra seus descendentes. Mas hoje em dia, quando somos confrontados em uma reunião de trabalho ou no transito, nosso cérebro primitivo ainda entrega as mesmas respostas químicas que entregava ha milhares de anos atrás. Nosso coração dispara, o campo visual diminui, aumenta a oxigenação, e uma reação agressiva aflora, num contexto totalmente diferente das savanas africanas onde viveram os humanos primordiais.

É obvio que ninguém precisa de uma descarga de adrenalina porque seu colega de trabalho apontou alguns problemas no projeto que você está apresentando. Mas ela vem mesmo assim. Apesar de nossa evolução em termos de relações sociais e relações com a natureza, ainda temos a química do desespero e da insegurança a pulsar em nossas veias. A má noticia é que, com a estagnação da seleção natural, nosso cérebro deve permanecer irracional. Sei que você esta pensando que isso não é verdade, mas já reparou no desespero que toma conta das ruas quando uma tempestade de verão se aproxima? Todos sabemos que trata-se de um evento natural de condensação de água em estado gasoso, que tornara a ser liquida e, pelo peso, vai cair. Água não tem cheiro, não mancha, não tem gosto (acho que aprendi isso na escola), mas mesmo assim nosso cérebro primata nos coloca em desespero. Você já deve ter passado pela experiência de fazer compras em um supermercado quando estava com fome. Nesse momento somos totalmente animais, deixamos a racionalidade de lado e colocamos no carrinho tudo que seja possível, mesmo com uma pequena aura racional insistindo que isso esta acontecendo por causa da fome momentânea. Não adianta, seu cérebro de pós macaco quer comer, é a hora de caçar, quanto mais, melhor. Sem falar no mau humor que nos acomete quando estamos com fome, e, acredite, sou especialista nisso. A mensagem que seu cérebro envia ao corpo subnutrido é "vai lá, derruba, mata e come...ataca!". Em nosso período de formação como espécie, durante o processo evolutivo interrompido, era impossível ser racional e ter fome ao mesmo tempo. Maslow provou que a segurança vem após a sobrevivência em sua famosa pirâmide. Coisas de seu cérebro de macaco.

Se em um futuro completamente distante seremos capazes de domar as descargas de adrenalina e as reações infantis de nosso cérebro estagnado, isso será a melhor possibilidade de sobrevivência da raça humana. No entanto, a perder nossa agressividade e competitividade naturais do cérebro primata, provavelmente perderemos as demais alegrias que esse defeito natural nos causa. A sensação da vitória, a conquista, o prazer. É possível que um processo de seleção baseado em condições econômicas e não mais em condições naturais esteja em andamento, mas como todo ser participante de um processo histórico, temos muita dificuldade em enxergar isto. Talvez em um futuro qualquer, daqui a milhões de anos, nosso cérebro tenha finalmente encontrado o caminho da tolerância, do amor fraternal, do entendimento racional, do debate socrático. Ate lá, quando alguém roubar sua vaga no estacionamento do supermercado, desça da sua arvore e quebre a cara dele. Afinal, seu cérebro gosta das coisas como se fazia antigamente.