segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Você já sabe que em qualquer lugar
Eu tô pensando em você
Por mais distante que eu pareça estar
Eu tô pensando em você
Há tanta coisa fora do lugar
Que eu tento arrumar por você
Só pra poder te mostrar que ao seu lado é meu lugar
E que não há mais ninguém

Zero:Onze
Postado diretamente de Boa Vista - Roraima

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Comentário a respito de Eric

Quando leio um artigo em um blog qualquer relatando uma entrevista com Eric Hobsbawm, feita há dois anos, fico em silêncio por uns minutos pensando em como continuo incompetente para entender o mundo. Penso em quantas coisas estão além do meu entendimento, me sinto um analfabeto em economia, sociologia, política internacional e movimentos sociais. O cara era mesmo uma sumidade. Falava de coisas complicadas, de um modo complicado, mas que tornava tudo simples. O ABC da geopolítica e o uso da tradição histórica para entender o futuro estava no seu DNA, parece que não fazia esforço algum para explicar para pessoas simples como eu como os países estavam se redesenhando, como o mundo se redesenhou após a recessão dos anos 30 reorganizado em torno das direitas, como as esquerdas emergiram, quais seriam nossos próximos passos.

Na faculdade li livros que ele escreveu para tentar entender como as populações se desenvolvem, não é só uma questão econômica, é também social, das periferias e do movimento da especulação imobiliária. Por isso líamos Hobsbawm na arquitetura. Toda vez que alguém no mundo que decide precisava de uma opinião sobre como as coisas estavam evoluindo ou para onde iam, precisava comprovar uma ideia, ou queria mudar um paradigma político, chamava o nome do bom e velho Hobsbawm. Ao final, fiquei ali parado assim pensando... Mas cometi a infeliz ideia de seguir lendo e ir para os comentários de burronaltas, e foi aí que me deparei com o absurdo fenômeno que estamos vivendo.
Algumas pessoas leram o artigo e julgaram que Hobsbawm estivesse (vivo) defendendo ideologicamente o presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores. Mesmo que no artigo ele fale em política internacional, na união de Brasil e Argentina no cone Sul para fortalecer a América Latina, na perda da hegemonia do FMI pelo pagamento da dívida por países emergentes, na fase dura das relações diplomáticas nas mãos de Thatcher e Reagan, mesmo assim. Algum despreparado ignorante social só conseguiu entender e se fixar na frase sobre o ex presidente Lula.

Quero só relembrar quem é esse personagem. Hobsbawm foi um dos maiores pensadores da economia e movimentos políticos do século XX, descreveu a história do século XX como ninguém, em associações entre movimentos sociais e políticos, econômicos e de desenvolvimento de uma forma inovadora e esclarecedora. Sempre foi obcecado com a ideia de que entender a história poderia nos levar a planejar e predizer o futuro, analisando o passado, previu situações que se concretizaram no correr da história, sendo a mais famosa a crise de etnias e religiões na região de Israel, escreveu mais de 30 livros. Presidentes do mundo todo iam até Londres para conversarem com ele sobre como a crise ou os movimentos políticos afetariam ou afetarão seus países. E quando leio os comentários da matéria...um cara diz que ele é esclerosado, o outro (que não sabe que limpeza se escreve com z) diz que ele tem Alzheimer (e claro, erra na ortografia), e um terceiro diz que ele foi pago pelo Lula.
Meu Deus!
Que inferno é esse de internet que tenho que aguentar com tanta gente despreparada, ignorante e desrespeitosa? Pobre Eric. Ser assim xingado por um punhado de incompetentes pretenciosos que não tem nem ideia de quem ele foi. Mas esse é o reflexo do povo do país em que vivemos. O povo que tem opinião formada sobre tudo, mas só lê o cabeçalho; que se "politiza" pelo facebook; acha engraçado vaiar a presidenta de seu próprio país diante do mundo num jogo de futebol; que faz manifestações e depois esquece o motivo, que abandona a militância porque perdeu a graça; que vota sem se informar e depois reclama do governo; que esquece em quem votou; que acha que sonegar não é crime (afinal o dinheiro não é usado em nada mesmo, como se calçamento, luz, grama cortada, meio-fio e tudo o mais brotasse da terra). Povo que vota voto de protesto e elege oTiririca, que compra uma revista semanal que mente, e um jornal que elege como o melhor deputado federal do ano de 2012 um ex-BBB e ... Tiririca, o segundo melhor! Sou obrigado a aceitar que precisamos melhorar muito a educação. Vocês tem razão.

Mas também sei dar opinião, leio muito para dar opinião, e se qualquer um pode, também posso. A minha opinião é que a educação tem que começar em casa, em pais presentes; mais diálogo, menos novela; mais análise, menos copia e cola; mais leitura, menos compartilhar. Menos cada um com seus problemas, mais respeito pelo outro; menos mulher pelada, mais livros; menos âncora de telejornal dando opinião, mais direito de resposta. Essa mania hedionda dos brasileiros (muitos, a maioria, infelizmente) de serem irreverentes e não respeitarem as regras, de furar fila para dobrar no semáforo, de fazer dedo de silicone para bater ponto e não precisar dar plantão em hospital, de comprar maconha e reclamar de traficantes, de baixar música sem pagar direitos autorais, de fumar escondido onde é proibido fumar. Isso cansa.

E então, depois que leio um depoimento brilhante de um dos caras mais inteligentes do mundo, um ícone do século XX, algum imbecil qualquer usa a seção de comentários e diz que o filósofo, economista, antropólogo, historiador (que já morreu!) está caduco. Por favor, pára o mundo que eu quero descer!
Hobsbawm, esteja onde estiver, em nome do povo brasileiro, peço desculpas.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

São 15h55min.
Crianças não costumam nascer a tarde, mas afinal, era eu.
Desconsiderando as voltas da Terra, e pensando de modo simplista, acabo de fazer 50 anos de idade. Não posso dizer que não usei bem esse tempo, mas também devo considerar que poderia ter usado melhor. Não sei tocar piano, não tive um filho, Não plantei uma arvore, não fiz a volta ao mundo. Mas fiz outras coisas bem legais, e "provei tantas frutas, que te deixariam tonto". Botei o pé no mundo, desapareci por uns dias, toquei numa banda improvisada, conheci todas as capitais do Brasil. Li muitos livros, muitos mesmo. Senti saudade. Descobri que amigos vão e voltam, mas que inimigos ficam para sempre, e então, com todas as perspectivas a meu favor, descobri que ainda não sei perdoar. Fiz campanha política, escrevi meu próprio blog. tive mais de 50 mil acessos num post sobre o Big Brother, descobri que muita gente me lê, aumentei a responsabilidade… Morei em várias cidades, comi comidas estranhas, mas nada nojento. Perdi tudo, recuperei tudo outra vez, perdi tudo de novo, recuperei tudo outra vez. Desisti de comprar um apartamento, fiquei muito doente, me curei. Vi as pessoas que eu amo caírem e se levantarem; vi as pessoas que eu amo conquistarem seus sonhos; vi as pessoas que eu amo dizerem coisas lindas pra mim, quando eu nem sequer esperava. Dirigi em autoestradas nos EUA, fiz feijão com arroz em Nova Iorque, chorei ao ver alguém que não conhecia cantando. Nunca aprendi a tocar piano. Mas aprendi a tocar os teclados de letras, bem ao meu jeito, na ordem certa, compassada, expressando o que eu sinto. Em 50 anos, escolhi os musicais como minha forma preferida de arte, junto com meu grande amor à arquitetura, sem deixar para trás a literatura e as artes plásticas. Tudo bem, em 50 anos não decidi ainda qual das artes mais me encanta, mas sei que não é a poesia. Conheci menos lugares do que pretendia, mas conheci lugares que nem sonhava. Na minha cidade natal conheci todos os becos, adotei outra cidade como cidade natal, e pelas ruas estreitas do velho mundo "vi tanta moça bonita, tanta rua esquisita, tanta nuança de parede, nas ruas por onde andei, e vi uma rua encantada, que nem em sonhos sonhei". Desembarquei em Manaus em um dia quente de verão vestindo camisa estampada e de mangas compridas com colarinho fechado ao estilo dos anos 90, fui recebido por um estranho que se tornaria meu amigo por toda a vida, atravessei a selva, andei de barco, aluguei um táxi para viajar pelo Acre e Rondônia…atravessei os dois estados por uma estrada estranha cercada de floresta, de táxi! Quase caí de um telhado em Roraima, almocei a bordo de um restaurante que flutuava no maior rio do mundo, dormi em uma acampamento de mineiradores no Amapá, passei a noite acordado. Conheci uma cantora sertaneja quando perdi minhas malas na Bahia, viajamos dois dias de ônibus para descobrir que o caminho era outro. Mergulhei clandestinamente sem licença, caí de um barco, votei 20 anos no mesmo candidato e quando ele se elegeu chorei de alegria sob fogos de artifício enrolado em minha bandeira vermelha. Me senti grande. Atravessei Portugal de carro, visitei o túmulo de Santiago, falei em várias línguas, me perdi no caminho de uma cidade chamada Jaquirana. A verdade? Me perdi inúmeras vezes no Rio Grande do Sul, em Minas e Goiás, fiquei mais de uma hora perdido de carro em BH, nunca me localizei muito bem. Enjoei nas estradas de terra, correndo ralli no Paraná. Mesmo sendo passageiro, empurrei um táxi estragado em Fortaleza. Reformei um prédio histórico em Belém, depois outro, muito maior. Acompanhei o meu time do coração do outro lado do mundo, conheci o deserto da Arábia, li as Mil e Uma Noites, cheguei em Atlanta após o furacão, andei de camelo e vi o pôr-do-sol no deserto. Me senti pequeno. Escrevi para uma revista, escrevi para um jornal, escrevi três livros, perdi um inteiro, não publiquei. Aprendi a dormir tarde e acordar cedo, a ver um filme mais de uma vez,a perceber quando meu corpo precisa descansar, e quando preciso comer mais verduras. Aprendi a ouvir antes de falar quando os ambientes eram hostis ou competitivos, aprendi a respeitar quem sabe mais do que eu, aprendi a querer ser igual a quem sabe mais do que eu. Sofri por amor, me curei; sofri de novo, me curei; sofri de novo, me curei; sofri de novo, me curei, numa exponencial infinita que agora sei que jamais acabará, porque também descobri que o amor não acaba e que tem muitas formas. Entendi que qualquer forma de amar vale a pena. Entendi que brigar as vezes é a única opção, mas nunca a melhor. No fim das contas, fazendo um balanço, descobri que fazer 50 anos de idade não é o fim do mundo, nem o começo, nem a metade, é só mais um número, preferia que ele fosse menor, mas como disse Paulo Autran, para viver mais a gente tem que envelhecer, então, que venha o resto, mas devagar, por favor.

domingo, 21 de abril de 2013

SUPÉRFLUOS


Para mim, as coisas no mundo estão divididas em grandes categorias: as necessárias, as supérfluas, e as coisas que são tão desnecessárias que nem sequer são supérfluas. Nem vou precisar começar com alguma coisa absolutamente surrealista como papel higiênico perfumado, porque seria até uma covardia avaliar a necessidade de perfume pensando na função do papel. Também vou ignorar os clássicos capacetes para paraquedista, como se fizesse alguma diferença proteger a cabeça no caso do paraquedas falhar, e vou passar longe do aviso padrão da aviação ... "Em caso de pouso na água, seu assento é flutuante...". Sempre tenho a sensação de que a seqüência dessa frase seria ..." O que não vai adiantar absolutamente nada porque vamos todos ser despedaçados no impacto a 400 km por hora". Anúncios de aviao são pérolas raras que vou deixar para outro post.

Talvez você não tenha reparado, mas nas mangas de todos os ternos existem quatro botões. Não são três, nao são cinco, são quatro. Aqueles botões não podem ser abotoados e nem mesmo desabotoados. Eles são botões sem-teto, homeless, nao tem uma casa e nem prendem nada. Absolutamente desnecessários. A moda é uma enciclopédia de supérfluos.

Repare no controle remoto do seu DVD ou BlueRay, você vai ver que ele tem números, mas agora responda rapidamente: qual a última vez em que você lembra de ter usado essas teclas numéricas? Se a resposta foi "teclas? que teclas?", fique tranquilo, você é humano. Desodorante é um supérfluo desnecessário, mas obrigatório no convívio social, praticamente todos os cosméticos são uma invenção para ganhar dinheiro em cima das vaidades humanas, o que não significa que deixando de usá-los você será mais feliz. Enfeites para casa são o ápice do supérfluo, ainda que a arte decore a vida, mas de longe perdem para o tal papel higiênico perfumado. Pior, no mercado você encontra rolos de papel higiênico com desenhos em baixo relevo. Os de padrão floral são os mais racionais, se é que há algo de racional nisso, e os mais bizarros incluem singelos coelhinhos pulando felizes enquanto você se limpa com eles.

O ar condicionado do seu carro, especialmente se você mora no Rio Grande do Sul de temperaturas extremas, é um supérfluo indispensável. Você pode viver sem ele, mas vai viver congelado ou suado. Por outro lado, um telefone celular é supérfluo, mas necessário. Experimente sair de casa sem o seu e sinta a sensação de vazio que toma conta de sua alma. Mas, acredite, se você nao tiver um telefone celular, vai continuar respirando normalmente, mantenha a calma e lembre do tempo em que sua vida social estava atrelada a um aparelho plugado na tomada da parede. Sem celular você pode até perder um ou outro convite para festa, mas ainda assim vai sobreviver.

domingo, 31 de março de 2013

AH...O AMOR














Deviam ensinar sobre o Amor na escola. O Amor deveria ser um assunto tratado com a mesma seriedade de química ou física, matemática, biologia ou português. E nas faculdades também deveria ser obrigatório; Amor I, Amor II e outros Amores, até o final do curso. Ser feliz sem amor é quase tão difícil quanto ser infeliz amando. O Amor é uma força poderosa, tanto quanto qualquer lei da física, capaz de movimentar nossa vida e alterar nosso destino, assim como uma força aplicada sobre um corpo em movimento pode alterar sua trajetória, o amor aplicado em nossas vidas pode mudar o curso de nosso destino. Nós, os humanos, somos feitos pelo amor e fomos feitos para amar.

Amar dói, cansa, incomoda, desgasta. Amar cura, reabilita, conforta, relaxa.

O amor só se reconhece dentro dele mesmo, compartilhado, construído entre duas pessoas, não há amor no infortúnio, na descrença, na desgraça. Por outro lado, é amando que recuperamos todos nossos benefícios humanos, capacidade única que nos distancia das demais criaturas animais que habitam o planeta. É essencialmente uma habilidade humana, um desígnio criado por nós para aplacar a solidão que só o conhecimento propicia. Todos queremos a sorte de um amor tranquilo, ser o pão e a comida do outro que amamos, como diria Cazuza, um veneno antimonotonia na vida cotidiana e suas sutis armadilhas de desencanto.

Amar é um assunto fácil, mas não é simples. Requer tentativa e erro, não tem fórmulas, não é linear, não é mensurável, e quando nos entregamos ao amor equivocado, envolve centenas de outros sentimentos, alinhavados pelo aprendizado de se reerguer. O amor errado crucifica e desencanta, mas somente um novo amor recupera o amor destroçado, como uma auto-genese, o amor se refaz em outro, e se refazendo, nos reconstrói. Quando menos se espera, o amor nos redescobre, e nos reconforta, e nos reencanta, e somos nós mesmos outra vez, melhores, mais fortes, mais hábeis para a arte inexplicável do repartir-se. Quando nos entregamos ao amor verdadeiro, com a pessoa verdadeiramente amada, então o amor se transborda. Ultrapassa o limite do entendimento e se converte numa dádiva que nos traz de volta o medo de morrer. Não existe pessoa mais feliz no mundo do que aquela que teme o fim da vida porque ama.

O amor liberta, dá asas, permite entender a vida pelos olhos do outro, ser feliz com o outro, viver plenamente. Amar é um verbo intransitivo que requer complemento. Amar é bom, é demais, amar demais, é melhor.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

VEM ME BUSCAR !



Me desculpem, mas é carnaval!

O carnaval tem essa capacidade indescritível de me fazer feliz, uma afinidade ao ritmo que meus amigos diriam ser resultado de uma descendência africana que na verdade não tenho na família, declaração inegável por meus olhos verdes e pele clara, uma clássica miscigenacao brasileira entre portugueses, alemães e italianos. Basta um bater de tambor para me abandonarem os motivos de lamentação e perder o controle de minhas pernas deixando que me levem. Diga-se de passagem, não são boas pernas para o som dos tambores, mas sigo pelos conselhos do Dalai Lama, "dance como se ninguém estivesse olhando", mais vale um péssimo sambista feliz do que um excelente dançarino cabisbaixo.

Sei que em parte os tambores mexem com minha alma em honra à minha filiação orgulhosa do matador de dragões, santo católico, orixá da umbanda, guerreiro, meu Pai Ogum. Meus tambores internos batem por ele. Pois quando você ler este texto, estarei no Rio de Janeiro, que nem preciso dizer, continua lindo. Entendo que estamos vivendo um momento difícil, onde a compreensão passa longe da razão, e a emoção não dá espaço para a vida recomeçar. Existem sentimentos que o tempo aplaca, mas não apaga. Para o resto, há a música, e para o que for amor não correspondido, existe o carnaval.

A festa do coração partido vai tomar as ruas do Rio, vai espalhar espuma e confete pelas calçadas. Vai encantar gringos de todas as nações, vai ecoar pelos morros pacificados, e o som dos inúmeros blocos vai se perder no mar. Vamos acordar cansados, mas decididos. Vamos comer pouco, beber muito, e nem vamos precisar dirigir. Nossos pés cansados vão desvendar o asfalto na Cidade Maravilhosa. O Cristo vai fechar os olhos, desviar o olhar para o oceano, depois, na quarta-feira, como bom pai, nos olhar de frente e perdoar nossos pecados adolescentes cometidos em uma festa mundana.

Agora somos o que quisermos, uma mistura de Vadinho e Camisa Listrada, árabes, bruxas, bailarinas. Drag queens, colombinas, hippies extraterrestres, ritmistas desencontrados. Mágicos, noivas, virgens. Somos uma legião espalhafatosa numa batalha de quatro dias, nunca somos derrotados, sempre há um de nós ainda em pé, como na música "somos um bando, um bando, um bando e muitos outros", e mesmo que você nao faça parte de nossa trupe, ainda assim lhe perdoamos.

Chegou a hora, vem carnaval, vem nos buscar!



domingo, 20 de janeiro de 2013

O BBB E O MURO ELETRÔNICO DAS LAMENTAÇÕES

Depois que o BBB recomeçou, tenho recebido diversas mensagens diárias em meu Facebook de gente falando mal do programa, foram essas mensagens que me fizeram pensar nesse assunto. Fiquei por um tempo imaginando o motivo que leva alguém a criar uma campanha desse tipo, porque, certamente, existem muitas outras coisas que essa mesma pessoa não tolera no seu dia a dia e contra as quais não milita. Se você pensar friamente, quinze minutos de BBB por dia durante 90 dias são pouco mais de 22 horas de programa, ou seja, cinco edições do Domingão do Faustão, ou dois domingos de Gugu Liberato e Silvio Santos, ou dez dias de um programa sensacionalista comandado pelo Ratinho ou Datena, convenhamos, não tão melhores assim que o BBB.

Depois, pensei nas coisas pelas quais milito e estaria disposto a ir às últimas consequências, são poucas: democracia, tolerância e igualdade. Por outro lado, há muitas coisas com as quais não me identifico, mas contra as quais não faço nada. E essa lista, essa sim, é maior. Não tolero música sertaneja, e agora mesmo estou ouvindo uma rádio que não toca esse tipo de música, está tocando Bob Dylan, não preciso dizer mais nada. Só escrevi contra os sertanejos uma vez copiando alguém, "Tomara que o Sertanejo Universitário se forme logo e arrange emprego fora do Brasil". Não gosto de ver televisão, prefiro um livro, nem precisa ser bom, uma hora qualquer de livro é melhor do que qualquer uma hora de programação na TV aberta. Livros são como pessoas, sempre há algo que se pode aproveitar. Não gosto de gente que fura a fila, conversa durante o filme no cinema ou atende o celular falando alto em ambientes públicos, mas não faria uma campanha contra essas pessoas no Facebook.

Também não gosto de fundamentalistas, pessoas que querem me convencer que seu Deus é melhor que o Deus do outro, ou me convencer que o meu Deus é pior do que o Deus do outro, ou mesmo que Deus não existe. Me deixem em paz com meus amigos imaginários! Não gosto de fotos de cachorro abandonado no meu Facebook, nem de "quantas curtidas merece esse campeão" mostrando velhos moribundos, pacientes terminais, crianças estraçalhadas, próteses e coisas assim. Acredito que até no sofrimento devemos respeitar a dignidade humana, e, como diz meu pai, deixar que cada um lamba suas próprias feridas. Mas isso é o que eu penso, você pode pensar diferente. A liberdade individual, apesar de intangível, deve ser preservada, todos sabemos que não é nas semelhanças que evoluímos, mas pelas diferenças que nos tornamos melhores.

O Facebook se transformou num Muro Eletrônico das Lamentações, nas suas fendas virtuais as pessoas depositam, como papéis dobrados eletronicamente, todas as suas crenças, sofrimentos, compartilham seus medos, riem solidariamente, exercitam a intolerância, expõem suas verdades. Inclusive eu. A nova relação entre pessoas inclui agora um espaço cibernético onde tudo é permitido. Uma bricolagem da cultura pop misturada com convicções fervorosas, que atesta que nunca em toda a história da humanidade nos manifestamos tanto publicamente sobre as diversas matérias que compõem a vida humana. E o BBB não está fora dessa, um micro-universo das relações interpessoais reproduzido em tempo real, uma fórmula mágica que vem colhendo resultados há treze anos, um bando de pós-adolescentes trancafiados em uma casa, hormônios efervescentes, tramas, sussurros, amores, desilusão, brigas, liderança, comportamento de grupo. Nada diferente de uma repartição pública ou uma empresa privada, o zoológico humano, afinal.