quinta-feira, 24 de julho de 2014

PABLO

"Procuro uma mulher que me inspire."

Contam que foi assim que Pablo Neruda iniciou o anúncio que publicou no jornal, na semana seguinte ao desembarcar em Cartagena das Índias, disposto a cumprir um ano sabático, após a separação daquela que ele acreditava ser seu verdadeiro amor, Matilde. No dia seguinte, havia uma fila de jovens estacionadas em frente à casa simples do poeta, ansiosas pela vaga de musa.

Apesar de ser uma pequena brincadeira (Neruda jamais pensou em contratar alguma mulher que pudesse ser sua verdadeira musa), Pablo ficou em uma péssima situação, em uma cidade pequena e distante de novidades. Não houve outra solução senão entrevistar as meninas, uma a uma. Entre elas estava Isabel Castañeda.

Isabel era uma morena portentosa, com seus 22 anos, muito distante dos 56 do poeta. Nunca esteve disposta a comparecer na entrevista, mas conhecer Neruda pessoalmente tornara-se objetivamente uma obsessão coletiva em Cartagena, e sua mãe praticamente a expulsou de casa para que arriscasse a chance de se imortalizar como a inspiradora de tantos e tão formidáveis poemas.

O encontro foi no meio da tarde. Pablo recebia as moças delicadamente tomando uma xícara de chá, e uns anos depois escreveria “Muitas chávenas de chá” lembrando-se daquele mar de formosuras que desfilaram perante seus olhos naqueles dois dias. Isabela se impressionou com Pablo. Esperava um homem decadente, velho e instrospectivo como julgava que poetas dessa idade deveriam ser, mas encontrou um jovial e divertido menino, cujas marcas no rosto deixavam clara a passagem do tempo. Neruda não se interessou por ela, e por nenhuma outra. 

Na semana seguinte, com uma grande vontade de comer berinjelas (segundo ele mesmo em sua autobiografia) Neruda foi à feira. Parou numa barraca onde atendia dona Josefa, cujo nome o pai lhe dera pois tinha o sonho de ter um filho que fosse carpinteiro. Pablo não sabia escolher berinjelas e lhe pediu ajuda, ocupada descascando figos, dona Josefa pediu à filha que o atendesse. A filha era Isabela. Na luz difusa da feira, entre aromas e cores, Pablo se apaixonou. Daí iniciou-se um dos maiores romances fora da literatura de todos os tempos. Anos depois, casado há muito com Isabela, Neruda escreveria um de seus mais famosos poemas, “Cheiro de figos e berinjelas” celebrando o amor descoberto numa barraca de feira.

Tudo que você leu até aqui é mentira.

Neruda jamais foi para Cartagena das Índias (é o romance “Amor nos tempos do cólera” de Gabriel García Márquez que se passa lá), na verdade seu ano sabático foi em Santa Sofia que inspirou o filme “O carteiro e o Poeta”. Nunca esteve casado com Isabela, que nunca teve uma mãe chamada Josefa. Jamais escreveu os dois poemas citados ou uma autobiografia. Pensei nessa história de amor quando dirigia para o trabalho, e resolvi escrevê-la para demonstrar, por "a mais b", como é fácil mentir sobre qualquer coisa na rede. Até uns anos atrás, nossas mentiras eram restritas a um pequeno círculo. este texto é uma espécie de pedido de atenção para tantas falsidades que encontramos na internet. Estamos a um Google da verdade, basta procurá-la. Não acredite em tudo que vem pronto e embalado para ser degustado, conexões de alta velocidade requerem juízo de valor. Pablo há de me perdoar, mas não resisti, como ele mesmo diria, “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”. 

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PS.: Pablo era chileno, jamais tirou um ano sabático. O filme” O carteiro e o poeta” que supostamente retrata seu romance com sua terceira e última mulher, Matilde, ocorreu em Isla Negra, e não na Itália como retrata o filme. Pablo Neruda foi um dos maiores poetas do século XX, e levou sua militância política ao ponto de desistir de uma candidatura à presidência do Chile em nome de Allende. Por fim, “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás” é uma frase atribuída a Che Guevara. No fundo, nada disso pode ser verdade

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Marcelo Pontes, por Marcelo Pontes

Eu gosto de feijoada.
Feijoada com samba, gosto mais ainda.
Pode ser pagode também, feijoada com pagode.
Se beber o suficiente, nem me importo se a banda tocar brega ou sertanejo.
Deixo meu carro no bar, volto de táxi.
Gosto de futebol. Não, adoro!
Gosto de sair de casa, e de estar em casa quando o Internacional joga.
Não me importo com gastronomia, comer é uma obrigação.
Tanto faz para mim se a carne é de gado criado no Japão com música clássica.
Se a marmorização é +6, +7, +8 ou mais quanto quer que seja.
Coloco os cotovelos sobre a mesa quando como, é sem querer.
Empurro a comida para cima do garfo com a faca.
Prefiro caipirinha a espumante.
Durmo de calça de pijama de flanela e camiseta.
Caminho rápido.
Leio vários livros ao mesmo tempo.
Gosto de me vestir bem, mas erro frequentemente.
Adoro arquitetura, museu, artes plásticas, cinema, literatura, escrever.
Filme com escritor, adoro.
Não tenho paciência para teatro.
Odeio The Kardashians. Adoro Mad Men.
Voto no PT há 30 anos.
Não sou apaixonado por carro como todo brasileiro.
Prefiro Piquet ao Senna. Acho o Senna chato. Prefiro até o Émerson.
Não vou em Casa Cor.
Quando viajo a turismo caminho o dia inteiro, almoço sanduíches, compro pequenas lembranças, se chover, troco de cidade.
Sou otimista.
Acho que vai dar certo, que vai acontecer, que vai melhorar, que está melhorando, que não foi de propósito, que vai passar.
Gosto de mulheres pequenas de mãos e pés pequenos.
Prefiro mulheres altas, de mãos e pés grandes.
Adoro filosofia, psicologia comportamental, evolucionismo, Jung, Gabriel García Márquez, Andre de Botton, Vitor Hugo.
Não consigo seguir blogs, twitters e instagram de gente famosa.
Eu gosto de feijoada.
Feijoada com samba, gosto mais ainda.