sexta-feira, 8 de maio de 2015

DESPREPARADOS

Somos todos despreparados. Achamos que estamos prontos, mas é puro despreparo. Há poucos anos atrás estávamos bem preparados, mas de lá para cá, nosso preparo desapareceu.
Pense assim, há menos de dez anos você podia ter uma clara ideia sobre a sociedade, um conceito bem organizado sobre as coisas que o cercam, família, economia, política, esportes, religião. Havia uma certeza quase absoluta de suas convicções, e as dúvidas que você tinha eram respondidas no dia a dia, interagindo com seu limitado círculo social, conversando com outras pessoas, ou lendo livros físicos que tentavam explicar genericamente coisas particulares que você vivia. A linha das suas próprias convicções jamais precisava ser ultrapassada. Nessa época, nem sempre havia consenso, e por isso uma discussão sobre quem participou da semifinal de 86 não levava a uma resposta homogênea, os resultados nem sempre eram uma constante, mas a verdade era invariável. Na argumentação valiam suas lembranças versus as lembranças dos outros, na medida desproporcional de certezas e dúvidas, a verdade se construía firme e lentamente, como Einstein imaginou, em uma velocidade relativa ao seu próprio movimento.
Então chegaram a internet e as redes sociais. Como alienígenas dos filmes antigos, invadiram nosso território social sem aviso prévio. O que parecia ser uma era de igualdades se tornou o renascimento de um antigo sistema social da divisão em categorias, classes, tipos, grupos, proximidade e parentescos, e pelas mãos do turco Orkut Büyükköten nos dividimos em comunidades virtuais organizadas muito mais pelo que acreditávamos que éramos, do que pelo que realmente somos. Como sempre, nossa impaciência diante do cotidiano nos empurrou para novas fronteiras, e logo descobrimos que conviver com semelhantes era chato demais, migrando para outras redes aparentemente multireferenciais, mas igualmente segregadoras. E eis que por volta de 2007 o alien mais perigoso de todos invadiu totalmente nosso sistema social organizado difundindo o facebook de Zuckerberg e Severin. Originalmente uma ideia tola e preconceituosa, foi habilmente transformada e expandida entre pós-adolescentes da costa leste americana para se tornar global. Alavancado pela evolução das conexões em razão geométrica, nosso desespero ancestral de pertencer ao grupo e a explosão de telefones inteligentes em 2008 (não seriam as pessoas que deveriam ser inteligentes?), o facebook reorganizou as relações sociais em menos de dez anos, e criou o novo conceito da verdade não absoluta, das verdades criadas pelos interesses grupais. Aí está nosso despreparo.
Uma mentira sempre foi uma mentira. Mas contada para vinte pessoas não passava de galhofa. Uma mentira contada para centenas que recontam para centenas geralmente se transforma num crime, normalmente contra a humanidade (vide o nazismo, Iraque, Vietnã). O facebook consegue isso, consegue fazer uma mentira se transformar numa verdade, e de verdade, passar a alcunhar fatos verdadeiros como mentirosos. Nas redes sociais as postagens são partes de uma construção, fragmentos cujas lacunas são completadas pelo outro, normalmente numa dicotomia eufórico/otimista ou reacionário/ignorante, quase sempre diferente da realidade. Uma foto de uma garrafa de vinho num sábado à noite com os dizeres “sábado intimista” e seus amigos construirão a ideia de um sábado a dois, música romântica, muito sexo. A verdade? Uma solidão avassaladora, inércia de contato social e uma tremenda vontade de parecer diferente. O mundo das redes sociais é assim, tudo são verdades, mas pouca coisa é real.
Nosso filtro de realidade foi moldado por milhões de anos para coisas físicas, presenciais ou tangíveis. De repente estamos diante de um novo modo de relações que exige crítica, análise e reflexão. Somos seres imediatos, reativos e espasmódicos, não fomos ensinados pela natureza a sermos reflexivos. Daí reproduzimos sem critério, retwitamos, compartilhamos, curtimos, opinamos, em qualquer profundidade. Como disse Thomas L. Friedman, a internet é tão importante nas relações sociais nos dias de hoje que os modems deveriam vir com um aviso: Este equipamento não emite juízo de valor, você precisa pensar por si próprio. Definitivamente, não estamos preparados.