terça-feira, 28 de abril de 2009

SOBRE A DUCHA HIGIÊNICA

Ok. Você tem idéia de quanta água sai de uma ducha higiênica? Eu nunca parei para pensar nisso, mas seria uma boa conversa de bar. Aquela água é gelada e forte, e ainda deve escorrer por cima da mão que segura a ducha. Não, não é isso que você pensou. Saí de casa na sexta pela manhã para trabalhar, à noite fui para Brasília, voltei segunda direto no trabalho outra vez. Voltei para casa à noite.
A menina que mora no apartamento 301 saiu de casa na quinta e foi visitar a família numa das centenas de cidadezinhas do interior de Minas, voltou segunda direto no trabalho e depois foi para casa somente à noite. Ela tem medo de baratas.
Quando eu cheguei na portaria o Vaninho, zelador, me atacou:
- Marcelo, deu um vazamento no apartamento 301 e pode ter um problema no seu.
Em linguagem de desastres, PODE significa HOUVE, e UM significa vários. Junte isto com a palavra vazamento e na sua cabeça tudo vai se transformar em uma pequena tragédia urbana. Depois que a moça do 301 saiu na quinta para visitar a família, a mangueira da ducha higiênica do banheiro dela estourou e a água fez jogging até segunda, correndo feliz pelo apartamento afora. Meu apartamento, afastado 100 unidades do dela, mas somente 8 centímetros de laje abaixo, carinhosamente recebeu toda a água excedente que o piso e os móveis do apartamento de cima não conseguiram segurar, praticamente uma ONU acolhendo toda aquela água refugiada.
O piso minou, a água escorreu pelas paredes, infiltrou por debaixo da tinta acrílica, fez bolhas, estourou o reboco. Continuou nessa festança e correu por dentro dos armários, deixando toda minha roupa molhada e suja com um pó branco, daqueles de massa corrida lixada. Sempre disse para os meus alunos na arquitetura que não se arriscassem com a água. Uma fêmea voluntariosa que se mete por onde quer, e sai por onde bem entende, não respeita limites e insiste até conseguir o que quer, que como a física nos ensina, é chegar ao centro da terra, impulsionada pela tal Lei da Gravidade.
O resultado foi este: colchão encharcado, lençóis, toda a roupa, documentos, TV, CD, sapatos. água dentro da geladeira e fogão, cortinas, sofá, travesseiros. Tudo o que podia ser molhado, foi. Salvei três cuecas e três pares de meia que estava trazendo de Brasília, e uma camisa social que estava dentro de um saco plástico vindo da lavanderia. Apartamento destruído, com reboco escorrendo como um bolo de glacê, piso detonado. No final acabei aqui, neste hotel executivo, escrevendo um post de cueca e camiseta, (não pense em nada sexy, pode apostar, meus pijamas estão molhados), meu apartamento sendo reformado por um pintor que está raspando as paredes, para depois passar massa corrida e pintar, entrar o cara que coloca o piso e trocar o laminado de madeira empenado. Depois vem a cama nova e as duas televisões, tudo pago pela menina do 301 que tem medo de baratas, e tampa os ralos com panos antes de viajar.
Não basta morar longe da pessoa que a gente ama, numa cidade desconhecida, longe dos amigos, sem carro e com um trabalho novo; tem que ter aventura. O dilúvio é aqui!

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Brasília, 49 anos



"De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas."
Marco Pólo, por Ítalo Calvino in As cidades invisíveis, 1972

Brasília, 1956 - Eixo Monumental

Brasília, 2009 - Eixo Monumental

Em Brasília, tem-se a sensação de que a cidade está no fundo do mar. Quando se olha para cima se vê um céu de ensurdecedor azul profundo, pincelado por nuvens crocantes de um branco ofuscante. É uma cidade que tem linhas do horizonte. Tênues calmas aconchegantes femininas reconfortantes linhas do horizonte. Numa distância não maior do que trinta quadras, vislumbra-se a geodésica, como uma espinha dorsal, a se curvar contra o azul abobadado. Em seus largos espaços vazios, permeados por cheios planejados, floresce o espaço necessário ao pensamento. Como no amor, as idéias não florescem nos lugares oprimidos. Espalhada com suas asas estendidas, é a idéia que decola, e por isso alça vôo teimosamente na solidão do exercício singular, tal qual seus gramados que morrem e ressuscitam a cada nova estação de chuvas, reafirma-se como as esperanças de um sonho possível.
Brasília bem que poderia ser uma das cidades maravilhosas descritas por Marco Pólo para Kublain Khan se Ítalo Calvino um dia a tivesse conhecido. Como as fantásticas cidades do romance possui um nome de mulher. Tem também os atributos da insurreição da forma, da inovação e da descoberta, do experimento e a leveza — por mais simbólica que seja — de sua brancura sempre jovem.
Nascida de um esforço coletivo e improvável, num país repleto de diferenças regionais entre o litoral e o agreste, corroboradas por uma realidade social díspar, a cidade suplantou as expectativas mais negativas e aconteceu. Brasília consolida-se como o maior esforço de projeto da história da arquitetura contemporânea, baseando-se nos princípios do Racionalismo arquitetônico e recuperando conceitos dispersos do urbanismo espalhados através da história.


Brasília é a tomada de posse de um espaço agreste, é a tomada de posse de um pensamento ufanista, experimento de cidadania, “... Não pretendia competir, e na verdade, não concorro, — apenas me desvencilho de uma solução possível, que não foi procurada mas surgiu, por assim dizer, já pronta (Lúcio Costa) ...”, repleta de singularidade e simbólica, seu símbolo primeiro é a cruz: dois eixos que se cruzam em ângulo reto, alinhavando a estrutura urbana que viria a seguir, traço tão simples e tão corriqueiro, cardus e decamunus maximus do urbanismo romano, risco das fortalezas portuguesas, marca de posse, sinônimo de lugar, adição.
Depois a cidade criou vida própria, teve de suportar militares, oportunistas, playboys e lunáticos, até se reencontrar com os brasileiros outra vez. Conheceu a pobreza, a maior renda per capita do país, uma das maiores do mundo, a desigualdade das cidades satélites. Projetada para 700 mill, tem mais de 2 milhões e meio de habitantes. O sonho cresceu, e por ter sido sonhado para ter autonomia, caminhou sozinho. Mas como todo sonho, entre acertos e erros, Brasília continua me trazendo uma sensação boa. Patrimônio da Humanidade, 21 de abril de 2009, 49 anos.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Tiradentes MG

O Rafael e a Lu vieram com a Aline de Brasília, dormimos no meu apartamento, alugamos um carro e descemos para Tiradentes, 190 km de BH. Lá estava ela, a cidade pequena, histórica e aconchegante, repleta de turistas de diversos estados lindeiros e alguns turistas estrangeiros perdidos entre as maravilhas do Barroco. Emoldurada pela Serra de São José, um maciço belíssimo e muito alto, a cidadezinha colonial se espalha em poucas quadras como patrimônio tombado pelo Iphan em 1938. Tiradentes recebeu este nome logo após a Proclamação da República, em homenagem ao alferes Tiradentes da Inconfidência Mineira (1789), herói brasileiro com o nome inscrito no Livro dos Heróis do Panteão da República (na praça dos Três Poderes, em Brasília, projeto do Niemeyer).
Tiradentes tem algumas das igrejas barrocas peculiares do Brasil (próximo post...). Fundada em 1702, foi o local no país que mais teve ouro de superfície. Isto atraiu muitas pessoas para a região e com as pessoas, numa combinação inseparável, as igrejas. Os prédios religiosos são poucos, mas fogem do luxo ostensivo do Barroco europeu (reinventado no Barroco de Salvador), e escapam do improvisado e espetacular Barroco brasileiro de Ouro Preto. São especiais ao seu modo. Projetadas sob condições precárias, executadas com a mão-de-obra inexperiente da colônia, longe dos vigilantes olhos conservadores da Metrópole, desenvolveram uma leviandade toda sua. A simetria não é tão simétrica, os movimentos dos panos de fachada não são tão dinâmicos, as colunas não são tão ricas, a talha não é tão profusa. Mas é esta rusticidade que dá o encanto e nos transporta no tempo, junto ao casario nas ruas estreitas e o calçamento pé-de-moleque, na escuridão da noite, mal iluminados por lampiões artificiais, vamos convivendo com a atmosfera mágica e rude de um Brasil colônia, um país em formação. Repisando pedras pisadas por nossos ancestrais, refazendo seus caminhos, outras roupas, outras línguas, somos todos parte de uma só construção.
Tiradentes é uma testemunha das dificuldades de viver no passado diante da intolerância e incerteza do mundo natural, da simplicidade e da ignorância, mas especialmente (para mim) da luta árdua de colonizar o desconhecido. De lutar contra o natural, de perseguir a beleza sem concessões, de adaptar-se ao inesperado, de transformar o mundo hostil ao seu redor em um mundo conhecido e suportável. Em Tiradentes sinto-me parte disso tudo. Como se todo o esforço para criar aqui um país tivesse sido recompensado. Talvez não importem os percalços, o Brasil nasceu, tropeçou mas está aqui. Nessas horas, em lugares que foram nossa história, sinto uma sensação gostosa de herdeiro de uma herança de luta, vontade e conquista, que me traz outra sensação, arcar com uma contrapartida de cidadão, parte de uma história que construíram para mim e que tenho de ajudar a construir para quem vier. O passado está em Tiradentes, talvez o futuro também esteja.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Faxineira, fascinante

Nei Lisboa escreveu uma música que diz que as faxineiras são fascinantes. Como podem ser assim, num instante tão perfeitas, noutro instante tão ruins?. Nunca vi pessoalmente minha faxineira (ou devo dizer, como algumas pessoas social-ironicamente dizem, "secretária"?).
Depois que aluguei o apartamento em BH, conversei com o porteiro e ele me indicou uma pessoa que semanalmente faz limpeza aqui em casa. Como nunca nos encontramos, deixo recados para ela em cima da mesa, ao lado dos reais que representam o valor do trabalho (ou o valor que ela atribui ao trabalho, que para mim é um trabalho quase de valor incalculável). Costumo deixar algumas orientações também, do tipo: "favor limpar a panela que está na geladeira", mas com uma vontade louca de acrescentar:"antes que ela comece a caminhar pela casa" ou "antes que ela coma o iogurte". Não escrevo isto, sempre tenho a aristocrática e odiosa sensação de que meu senso de humor está além do entendimento de garçons, porteiros e faxineiras (nem acredito que escrevi isto). Mas ter uma "secretária" que tem suas próprias concepções de decoração talvez seja o carma para um arquiteto como eu sou. Toda semana os enfeites horrorosos que guardei nos armários quando cheguei no apartamento alugado voltam à tona. Retomam seus lugares. Esse prédio foi um apart-hotel antes de ter as unidades vendidas e alugadas aleatóriamente para pessoas de passagem como eu. Assim, a arrumadeira, agora minha faxineira, obviamente sabe qual é o lugar de cada coisa, e como eu troco as coisas de lugar, ela insiste em que a ordem deve permanecer a mesma, ignorando que eu sou o novo dono, ou temporariamente o dono do lugar. Assim, um vaso triangular e hediondo retorna para a mesa da sala toda quarta-feira, meu cavaquinho é enfurnado no armário, um conjunto de baianinhas retorna do além-fundo do armário e toma de assalto o espaço ao lado da TV, onde meu Wii é retirado e substituído por dois pinguins feitos de cabaça (cuia para os gaúchos). Minhas roupas sujas são cuidadosamente dobradas e misturadas com as limpas, ignorando a ordem em que as deixei, se estão fora do armário, é porque estão sujas. Minha lógica arcaica não funciona com ela. Na cozinha é o mesmo. Nojento como sou, separei alguma louça que uso cotidianamente. É incrível como um homem só é capaz de se alimentar relativamente bem com um garfo, uma faca, um copo e um prato raso. Ela insite em devolver ao armário tudo que uso e me obrigar a lavar tudo outa vez antes de usar na próxima refeição. Em compensação, chego em casa com o apartamento limpo, organizado (não à minha maneira, mas, enfim, organizado), com aquele ar de casa nova, o mesmo ar que sentimos depois de um banho e uma roupa confortável, aconchegante e meu. Nesse instante perdôo minha secretária por seus deslizes, até que passe a tarde inteira procurando uma palheta, que estava dentro da gaveta, e a gaveta, dentro do congelador.

sábado, 4 de abril de 2009

NADA VAI NOS SEPARAR


A primeira vez que vi uma TV a cores foi o desenho Alice no País das Maravilhas na casa do meu tio Walter. Em 1975, no fim do ano, compramos uma TV colorida pra assistir a final histórica do campeonato brasileiro entre Internacional e Cruzeiro. Vi Figueroa subir num rasgo de luz filtrada pelo túnel da arquibancada superior e cabeçear para o gol tornando o Inter no primeiro clube gaúcho campeão brasileiro. Depois vi ao vivo muitas outras coisas. Sentado no concreto da Geral e depois da Social, vi Falcão e Escurinho tabelando do grande círculo até a pequena área do Atlético MG para nos tornamos bi-campeões na semana seguinte com um gol de falta de Valdomiro contra o Coríntians. Em 1979 não vi nenhuma derrota e fomos campeões invictos do campeonato brasileiro. Falcão, Dunga, Lúcio, Carpeggiani, Dario Maravilha, U-Fabiano, Sóbis, Claudiomiro, Clemer, que fez uma defesa impossível na final do mundial num chute de Déco, tantos outros. E por aí vai. Quando eu era criança chegava em casa depois dos jogos e tinha que tomar banho, na hora do gol, eu, mirrado e pequeno, era abraçado por todo mundo, e lá ia dez ou quinze metros para longe do meu pai e meu irmão na comemoração, sendo jogado de braço em braço. Não mudou muito depois que cresci, ainda chego em casa com um cheiro de suor e gente, porque comemoro o gol com qualquer um que esteja ao meu lado. Futebol tem dessas coisas, e quando é o Inter então...Na hora do gol são 7, 15, 30 ou 40 mil vozes gritando juntas. Quando o Inter foi campeão da Libertadores, fui uma única voz no quarto de 3 x 3 em Brasília. Depois na varanda. E no campeonato mundial, contra o invencível Barcelona (ou devo dizer vencível?) minha mulher saiu de casa para não ter culpa se a gente perdesse, e gritei sozinho outra vez. Narrei com o Galvão Bueno: Vai Gabiru, vai Gabiru! E ele foi. Chorei muito. Eu tinha uma passagem para Curitiba na segunda-feira, ainda em êxtase corri ao aeroporto para trocar o trecho para Porto Alegre e participar da comemoração, mas estava tão emocionado que errei de companhia aérea. A paixão cega. Não há paixão maior do que a paixão do futebol, um amor estúpido mas orgulhoso, um amor sem distância, um amor para a vida toda. Hoje o Inter faz 100 anos, e não há como dizer como gosto de ser colorado. Como diz o refrão entoado da arquibancada, ecoando pelo caldeirão do Beira-rio, fervendo em vermelho e branco em nossos corações alvirubros, "vamô, vamô colorado, nada vai nos separar!". O Beira-rio é aqui!
Este post é dedicado ao Careca, Rogerio meu mano e Gabriel (três gerações coloradas), ao Schumi e sua família vermelha e branca, Gabriel Gallina, Bregatto (e espero que o Pedro), Luciano (colorado e não sabe), Luke e Pato (colorados da antiga), Vini, Déa e Luiz Antonio (Colorados no Rio), Geral e Gadea (Colorados no comando), e a quem quiser que leia que tenha um coração vermelho e branco. Digam o que quiserem, ser colorado é que é bom.