Depois que aluguei o apartamento em BH, conversei com o porteiro e ele me indicou uma pessoa que semanalmente faz limpeza aqui em casa. Como nunca nos encontramos, deixo recados para ela em cima da mesa, ao lado dos reais que representam o valor do trabalho (ou o valor que ela atribui ao trabalho, que para mim é um trabalho quase de valor incalculável). Costumo deixar algumas orientações também, do tipo: "favor limpar a panela que está na geladeira", mas com uma vontade louca de acrescentar:"antes que ela comece a caminhar pela casa" ou "antes que ela coma o iogurte". Não escrevo isto, sempre tenho a aristocrática e odiosa sensação de que meu senso de humor está além do entendimento de garçons, porteiros e faxineiras (nem acredito que escrevi isto). Mas ter uma "secretária" que tem suas próprias concepções de decoração talvez seja o carma para um arquiteto como eu sou. Toda semana os enfeites horrorosos que guardei nos armários quando cheguei no apartamento alugado voltam à tona. Retomam seus lugares. Esse prédio foi um apart-hotel antes de ter as unidades vendidas e alugadas aleatóriamente para pessoas de passagem como eu. Assim, a arrumadeira, agora minha faxineira, obviamente sabe qual é o lugar de cada coisa, e como eu troco as coisas de lugar, ela insiste em que a ordem deve permanecer a mesma, ignorando que eu sou o novo dono, ou temporariamente o dono do lugar. Assim, um vaso triangular e hediondo retorna para a mesa da sala toda quarta-feira, meu cavaquinho é enfurnado no armário, um conjunto de baianinhas retorna do além-fundo do armário e toma de assalto o espaço ao lado da TV, onde meu Wii é retirado e substituído por dois pinguins feitos de cabaça (cuia para os gaúchos). Minhas roupas sujas são cuidadosamente dobradas e misturadas com as limpas, ignorando a ordem em que as deixei, se estão fora do armário, é porque estão sujas. Minha lógica arcaica não funciona com ela. Na cozinha é o mesmo. Nojento como sou, separei alguma louça que uso cotidianamente. É incrível como um homem só é capaz de se alimentar relativamente bem com um garfo, uma faca, um copo e um prato raso. Ela insite em devolver ao armário tudo que uso e me obrigar a lavar tudo outa vez antes de usar na próxima refeição. Em compensação, chego em casa com o apartamento limpo, organizado (não à minha maneira, mas, enfim, organizado), com aquele ar de casa nova, o mesmo ar que sentimos depois de um banho e uma roupa confortável, aconchegante e meu. Nesse instante perdôo minha secretária por seus deslizes, até que passe a tarde inteira procurando uma palheta, que estava dentro da gaveta, e a gaveta, dentro do congelador.
Um comentário:
Marcelo só vc mesmo.
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