quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Ressonância Mórfica

OK. Eu também não entendo.
Parado na sinaleira (dentro do táxi, porque não tenho carro em BH), um argentino com o rosto pintado de branco e uma roupa preta desbotada joga fogo pela boca. Não seria estranho se fosse pelo fato de ele ser argentino, mas é estranho pelo fato de ser em BH. Em um outro sinal, meninos tentam lavar o párabrisa do táxi com aquela mistura de água e sabão. Em Nova Iorque, vi um mendigo que fazia malabarismo com calotas de carro...ou será que foi no Rio?
"Eu podia estar roubando, matando. Mas estou pedindo". Ouvi isso no metrô no Rio, ou será que foi na Rodoviária em Macapá? Não lembro mais. A globalização tomou conta dos miseráveis espalhados pelo país e pelo mundo. O que me impressiona mesmo é que estas pessoas muito pobres têm pouca mobilidade geográfica. Um menino de rua em Porto Alegre vai viver lá para sempre, exceto os argentinos e bolivianos, que adoram vir para o Brasil cuspir fogo ou tocar flauta, o restante são pessoas que não se movem. Daí a pergunta, se não se conhecem, como que reproduzem exatamente as mesmas técnicas de cidade para cidade ao redor do mundo? A resposta, Ressonância Mórfica.
Mórfica vem de forma, formato. Ressonância, de ressonância mesmo. Existe uma corrente científica que acredita que formas vivas semelhantes tendem a reproduzir comportamentos semelhantes em qualquer lugar que estejam, simplesmente porque são semelhantes. A base da teoria está no desenvolvimento da raça humana, em diversos continentes ao mesmo tempo, com pouquíssimas variações, quando nossos antepassados não se conheciam. A teoria também seria a explicação para o fato de adolescentes serem insuportáveis em Bangladesch e Pirituba, Muzambinho ou Paris. Além disto, seria o motivo pelo qual as crianças de hoje são mais sabidas do que nós fomos quando éramos crianças, quanto mais um daquela forma aprende, mais fácil fica para as outras formas semelhantes aprenderem, as formas puxam o desenvolvimento coletivo numa espécie de memória coletiva. Isso explicaria também porque animais selvagens (separados em continentes diferentes) têm os mesmos hábitos de vida. Não dá para dizer que a teoria da Ressonância Mórfica não seja interessante, estudos feitos na Inglaterra mostram que as pessoas que tentam responder as palavras cruzadas de jornal no dia seguinte (sem terem visto a resposta) resolvem os enigmas até 20% mais rápido do que quem fez no dia anterior. Isto porque a memória coletiva do puzzle já estava ressonando pelo planeta.
Não sei se isso funciona assim, mas parece divertido, e explica porque os meninos de rua, mendigos e pedintes agem da mesma forma no mundo todo. è uma pena que a teoria não explique o que fazer para acabar com a pobreza no mundo todo. A ressonância é assim.



foto: olharesnoser.blogspot.com

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O mundo é Lá

Arquivo. Imprimir. Imprimir. Pronto, lá vai o texto para a impressora. Ela bufa, geme, apita, ronca.
Nada de texto.
Jamais.

Todo mundo sabe que temos informações pessoais guardadas em algum e muitos lugares. Nós guardamos fotos no Picasa; frases no Twitter; Emails com textos enormes e powerpoints no Hotmail e no Gmail; músicas retiradas da internet pelo SoulSeek; filmes pelo Emule. Quando precisamos de alguma dessas coisas, não precisamos entrar em pânico, elas sempre estão lá. Mas onde é Lá? Confesso que essa frase roubei de Tom Vanderbilt, escritor do New York Times, num encantador e espetacular artigo chamado Datatecture (algo como Dadostetura, ou os lugares que chamamos de Lá em nosso mundo de informações guardadas a distância). No dia em que alguém recebeu em sua caixa de entrada meia foto que eu mandei pelo Hotmail, fiquei algum tempo pensando em onde vão parar as coisas que temos, ou pior, aquelas que desaparecem entre o computador e a impressora, ou entre meu teclado e a caixa de entrada de outra pessoa, ou mesmo as que simplesmente salvamos clicando sobre um botão laranja (como este post). Quem já passou pela estranha experiência de perder virtualmente uma página de texto entre o computador e a impressora (ou milhares) sabe do que estou falando. Uma antiga amiga costumava dizer que o inferno deve ser um lugar onde a gente está sempre atrasado para entregar um relatório e passa o dia inteiro tentando imprimir em uma impressora conectada em rede. Descobrir onde é Lá passou a ser o meu desafio esses dias.

Meia foto.No nosso novo mundo de virtualidades, Dali seria infantil.

Aprendi num livro que Virtual é o que não está presente, assim, concluí que Lá é um lugar virtual. Lá também é um lugar desconhecido, infinitamente distante, mas paradoxalmente acessível de qualquer lugar. Longe de tudo e permanentemente próximo. Lá eu posso esconder tudo, mas corro o risco de que tudo se torne público, ou posso publicar tudo e jamais ter algo visto por todos. Posso ser conhecido por qualquer um que eu não conheça, ou uma celebridade anônima. Seja onde for Lá, Lá tem que existir, porque no final das contas sempre há uma outra realidade independente por detrás do mundo real, Platão já sabia disso, e por isso acreditava no Mundo das Idéias. Em uma análise superficial, talvez o problema esteja entre o Lá e o Cá, o caminho que liga esses mundos esteja ainda em construção, e tantas mensagens se percam nessa via esburacada, ou fiquem enredadas sem saída na Larga Rede Mundial (World Wide Web).
A Terra era redonda, nos ensinou Galileu. Thomas Friedman escreveu "O mundo é plano", sobre um mundo linear, globalizado e previsível, mas agora começo a suspeitar que "O mundo é Lá".
foto: New York Times

domingo, 9 de agosto de 2009

Highline Park - Manhattan

Em Manhattan as pessoas cultivam uma espécie de "ode ao ócio". Ficar sem ter o que fazer na cidade mais agitada do mundo é praticamente um luxo. Não ter o que fazer, uma dádiva. Poder ficar sentado olhando para o vazio ou para o céu, ler um livro ou simplesmente caminhar com um amigo na velocidade que se quer sem ser atropelado por indianos, chineses, brasileiros, portoriquenhos, judeus hassídicos, católicos ortodoxos, cubanos, sikhs, jamaicanos ou qualquer outra pessoa ou coisa, praticamente uma benção. Por outro lado, um dos desafios do governo da cidade é manter espaços públicos compatíveis com a necessidade dos cidadãos e ao mesmo tempo revitalizar a cidade para cada nova onda de turistas movimentarem a ainda maior economia do mundo. Pensando nisso, surgiu o Highline Park.

Highline significa "linha elevada", uma antiga linha de trem desativada situada aos arredores do Meatpacking District onde ficavam (e ficam) os armazéns de atacadistas de carne. O Meat vem sendo revitalizado, com a nova loja da Apple, muitos bares e restaurantes, e a fuga das empresas de moda do SoHo em busca de aluguéis mais baixos em prédios praticamente destruídos (que já começam a valer milhões de dólares). No Meatpacking acontece a cena final do longa Sex & The City de 2008.

O Highline é uma amostra espetacular de urbanismo contemporâneo de qualidade, recuperando áreas degradadas e reintegrando-as ao uso coletivo, uma aula. As linhas de ferro suspensas foram mantidas e a vegetação, embora tenha sido totalmente projetada para o espaço, dá a sensação de que estamos em meio a um mato crescido entre os trilhos. Em alguns espaços é como se a vegetação estivesse invadindo a área de piso, composta por peças prémoldadas em concreto. As peças do mobiliário urbano mantém a mesma linguagem de desconstrução das áreas de piso, como se o piso tivesse se elevado e criado bancos, bebedouros e luminárias. Nas curvas da Highline surgem espaços para descanso, contemplação, leitura ou simplesmente para visualizar. Uma arquibancada de madeira com uma tela de vidro emoldura a 10st avenue, e todos se sentam surpresos vivenciando a metrópole se movimentar, como se estivessemos em frente a uma tela de cinema, percebendo os movimentos cotidianos de uma perspectiva alternativa. Estonteante, simples e divertido. A antiga linha havia sido demolida em determinados locais dando lugar a edifícios, agora, os edifícios são demolidos e reestruturados para que a linha passe através deles, um exemplo magnífico da capacidade de abrir mão da propriedade individual em benefício do coletivo. O Highline Park é a mais nova atração novaiorquina, urbanismo e paisagismo em perfeita sintonia com a recuperação de áreas degradadas. A arquitetura é assim!












sábado, 8 de agosto de 2009

O Brasil é aqui!

Mis "viejos" amigos Antonio y Manel, y mis "nuevos" amigos Angeles, Quique, Walter, Santiago y Santiago, Luigi, Antonia: el Brasil está ahí! Nos quedamos pronto!


No dia em que completei muitos anos de idade, tive uma festa hispano-brasileira. Meus bons amigos brasileiros Rafa e Lu; mais a Aline, o Antonio Amado e o Manel (de La Coruña) estavam comigo tomando umas caipirinhas na noite do dia 20 de junho. Amado e Manel trouxeram na bagagem outros sete novos amigos da Espanha, professores, arquitetos como eu, que me fazem acreditar ainda mais que a distância e as diferenças culturais são mero acaso, barreiras muito frágeis que podem ser vencidas com a facilidade de um sorriso cordial. Na festa com direito a "parabéns a você" bilíngue (uma rodada de cumpleaños felices num coral de espanhóis) nos conhecemos e entendemos como se fossemos antigos amigos, e tive mesmo a sensação de que um dia nossos territórios não estiveram separados pelo mar, assim como nossas crenças de uma arquitetura social, bela e justa compartilhavam o mesmo espaço. Nos dias seguintes passeamos por Brasília, nessa encantadora cidade planejada, vivenciando espaços e discutindo idéias de arquitetura e da vida, do modo como sempre achei que deveria ser a arquitetura: uma sifonia visual sobre uma pauta intencional, tocada pela vida cotidiana.
Visitamos as obras de Oscar, implantadas no enorme jardim urbano de Lúcio, e foi divertido ver arquitetos de uma formação cultural tão distinta da minha vivenciarem as mesmas sensações que sempre tenho diante das surpresas causadas pelo patrimônio brasileiro. A escala da catedral e sua luz; o espaço fluído do novo museu, com suas pequenas surpresas e as sombras da rampa externa projetadas na cúpula; a brancura da Praça dos Três Poderes; a escuridão do Memorial JK, com sua luz vermelha incandescente, a sombra aconchegante das superquadras, as visuais infinitas onde quase se percebe a geodésica onde chão e céu se encontram. Foi legal perceber o espanto nos artifícios arquitetônicos de Oscar, forçando as perspectivas mais bonitas, derretendo elementos rígidos em curvas sedutoras, trocando cores e aplicando tecidos brilhantes onde deveria haver mármore, granito ou concreto, como na Sala de Jantar do Palácio Itamaraty.

Da varanda do meu apartamento vi um urbanista incorporar o sentido da circulação planejada da cidade; em frente ao Congresso em busca do melhor enquadramento para a fotografia perfeita, um arquiteto deitado na grama. "Espalhados! espalhados!". Numa grande mesa redonda à beira do lago Paranoá, 11 arquitetos trocavam idéias, enquanto Antonio rabiscava imagens de todos nós nas toalhas de papel do bar, ouvimos Manel cantar bossa-nova num sotaque brasileiro inusitado, acompanhando o músico local. Compartilhamos a energia de Angeles, a suavidade de Antonia, a cordialidade de Luis, a instrospecção dos Santiagos. A felicidade é simples. Efêmera, mas simples. Como a arquitetura - que preenche os espaços em branco de minha vida -, os momentos entre amigos são o que preenche as lacunas do que chamamos de cotidiano, um papel infindável onde esboçamos imprecisamente o que desejamos ser. Rir, beber, cantar, dançar, compartilhar. Viver, trabalhar, habitar, recrear. Não há nada melhor do que isto, pena que seja tão difícil perceber o que está ao nosso redor o tempo todo, como a excelência da arquitetura de Brasília ou a espontaneidade e o poder de encantar do povo brasileiro. O Brasil é aqui, graças a Deus!