sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Álvaro Siza em Porto Alegre - Fundação Iberê Camargo




Álvaro Siza é considerado o mais importante arquiteto português da atualidade, com uma obra cuja principal característica são os volumes limpos e ângulos acentuados. Quando eu era Conselheiro da Câmara de Arquitetura do CreaRS, fui um dos caras que defendeu a emissão de licença para o Álvaro Siza projetar a sede da Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre. Passados muitos anos, visitei a obra. Eu estava certo.
O prédio da Fundação é realmente uma obra de arquitetura de qualidade. Por fora, é praticamente um monobloco de concreto branco, com linhas super-retas e pontes que projetam sombras sobre a própria estrutura, em um desenho que se altera permanentemente nas paredes, movido pelo sol. Engastado em uma ribanceira, aproveita o recorte da via para se encaixar e desaparecer. Internamente, um espaço grandioso e amplo, com um percurso de circulação vertical propositalmente projetado para explorar as visuais nos momentos em que não se tem contato com as obras.


Ao estilo do Guggenheim de NY, o prédio de Porto Alegre está estruturado por rampas. Mas diferente da crítica que FLW recebeu, no de Siza as rampas são somente percurso para circulação. Aí que começa o espaço fluído e interessante. O arquiteto nos convida a entrar no Museu e seguir até o último andar em um elevador para depois descer apreciando cada ala de exposição e a edificação. De largada, o grande vão central impressiona. Como é possível ser tão grande por dentro e tão pequeno visto de fora? Não é possível. O truque está na qualidade da volumetria e na proporcionalidade que o arquiteto persegue, o que faz o prédio parecer pequeno na relação com a cidade, enquanto - na verdade - é muito grande.
A mistura de madeira clara e branco é insuperável, e a própria caixa interna do elevador nos prepara para a surpresa da mudança de material logo na descida do último andar. A partir daí são surpresas e surpresas.


No percurso das rampas há um estreitamento e depois uma abertura de visuais, bem como aprendemos nos livros de Kevin Lynch. Surpresas. Inconstâncias. Qualidade. De quando em quando, no descer da rampa, uma única abertura para o exterior emoldura as melhores visuais da cidade se alongando sobre o Rio Guaíba. No teto das circulações surgem clarabóias circulares, através delas vislumbramos os detalhes construtivos mais interessantes, especialmente pensados por Siza. Há um contraponto impressionante entre o natural (representado pelas janelas voltadas para o Rio) e o construído (as clarabóias voltadas para a edificação).

Os espaços de exposição também são excelentes, praticamente iluminados por iluminação natural de forma difusa (e se estou enganado e não é luz natural, então a iluminação é ainda mais perfeita). Para arrematar, uma espécie de moldura nos deixa ver de dentro do museu um pedaço da ribanceira lá fora, muito verde e viva, contrastando fortemente com o branco luminoso do interior, numa composição que me lembrou muito o pátio do Moma em Nova Iorque (Phillip Johnson), quando se está na fila da cafeteria.











No geral, a obra mantém a assinatura de Siza, o grande volume de cor clara, imponente e encaixado, coisa que o mestre sabe fazer como ninguém, veja-se o exemplo de Santiago de Compostela (Centro Galego de Arte Contemporânea), ou a exploração da horizontalidade como na Expo98 em Lisboa, duas de suas obras mais emblemáticas.
No final, vale lembrar do interesse pelo detalhe de cada visualização, cada ponto por onde vai passar o usuário, o interesse essencial na construção equilibrada, na linha reta contracenando com a linha curva, na surpresa. Que pena que a arquitetura, na esteira da falta de fundamento, vai perdendo aos poucos aquilo que de melhor sempre tivemos, a inventividade consistente, a beleza plástica e o encantamento. Tive oportunidade de visitar a Fundação com três pessoas leigas e me encantei em perceber que elas reagiram à obra exatamente como Siza deve ter imaginado, com interjeições nos momentos certos, parando para fotografar os grandes quadros naturais recortados no concreto, se impressionando pelo vão enorme e reconhecendo, outra vez no lado de fora, a perfeição do prédio encaixado no morro. Arquitetura é assim, simples assim, feita para ver, usar, sentir, vivenciar. Porto Alegre agora é do mundo. Siza é nosso!

PS. Desculpem-me se não falei da obra de Iberê, mas sou leigo demais no assunto. Só o que sei são das séries de carretéis e bicicletas, aprendido como resultado de parte do trabalho de graduação da Aline, que sempre tem paciência em tolerar minha permanente ignorância em artes plásticas contemporâneas.

sábado, 24 de outubro de 2009

O buraco negro lá em casa

Isaac Newton formulou a Lei da Gravidade. Basicamente disse que uma coisa muito grande atrai outras coisas menores. Mas foi Einstein quem me explicou que o Universo é como um colchão macio. Se você colocar bolas pesadas em cima dele e depois largar bolinhas menores, as menores vão rolar na direção das maiores. As coisas que vemos são resultado da luz que reflete nelas e volta para nossos olhos. Um Buraco Negro é uma coisa que existe no Universo e é tão grande que atrai todas as outras coisas que existem ao seu redor, inclusive a luz, e por isso não conseguimos ver eles (mais ou menos...porque o Hubble é meio como o Google e 'tudo vê'). Lá em casa tem um Buraco Negro.
Não que isso seja um privilégio meu, toda casa que se preze tem o seu. É aquele lugar que atrai todas as coisas que não tem utilidade nenhuma, mas que sempre guardamos. Quando eu comecei a trabalhar recebíamos documentos das operações de câmbio fechadas com importadores e exportadores. De vez em quando chegava um papel que ninguém sabia o que era e colocávamos ele numa gaveta que apelidamos de 'bota fora mas não rasga'. Foi meu primeiro Buraco Negro profissional. Muitos outros vieram em seguida, mas o lá de casa continua sendo o mais bem elaborado de todos.

Nesse fenômeno da vida doméstica cotidiana é possível encontrar de tudo. Ali tem uma caneta que não escreve, incenso, cartões de visita, baralho, fio dental, contas pagas no débito automático, cartões de embarque, um extrator de grampos, uma caixa de balas de goma que comprei na ONU. Tem negativos de fotografia, duas cartelas de Neosaldina, um crachá de congresso, oitenta centavos de Euro, um cubo de acrílico com Jesus dentro (?), um rolo de filme para máquina fotográfica, agenda telefônica de bolso, mais contas pagas. Um pacote de lenços de papel inutilizados pelo cheiro do incenso, duas pilhas, fita crepe, uma máscara contra gripe, carregador de celular para carro, quatro chaves de fenda muito pequenas. Tem também sobras de algum evento como lembrancinha do primeiro aniversário de não-sei-quem, um adaptador de tomada, um pedaço de fita de presente, CD gravado e a carteira de vacinação do meu cachorro Frank. Moedas, lápis, caixinha vazia. Lindo, um pequeno universo em formação. Se Tom Hanks tivesse ficado preso na ilha do Náufrago com meu Buraco Negro, ia viver muito melhor.
Agora comecei meu projeto pessoal individual de Buraco Negro em uma pequena gavetinha de minha escrivaninha na sala. Por enquanto está apenas começando, mas antevejo que em breve terá vida própria, meu pequeno buraquinho se tornando um terrível sugador de coisas sem utilidade. Mal posso esperar. O Universo também é aqui!

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Bruce Gomlevsky é Renato Russo

"Bom, eu sou o Renato, eu escrevo as letras, eu canto. Nasci no dia 27 de março de 1960...que que eu posso falar de mim...gosto de comida tailandesa, gosto de arroz, feijão, bife, batata frita como todo mundo. Gosto de tangerina, morango, maracujá. Sou batizado pela igreja Ca´tólica Apostólica romana, não pratico, mas tento. Acredito muito na espiritualidade das pessoas. Não gosto de dentista, música de elevador, fila de espera nem de gente falsa ou sem criatividade. Gosto muito de cinema. Adoro cinema! Atualmente ando preocupado com uns boatos de que a terceira guerra mundial pode começar ...Tem gente que acha que eu sou inteligente. Tem gente que acha que eu escrevo bem. Tem gente que acha que eu sou um rebelde. Tem gente que acha que eu sou uma farsa. Não se pode agradar a todos."
Assim começa a peça Renato Russo. Daí para a frente Bruce Gomlevsky (ator da peça) começa a cantar Perfeição, do Legião Urbana (lembra? Vamos celebrar a estupidez humana...). A primeira sensação é um misto de espanto com tristeza, parece que aquele cara ali em cima é mesmo o Renato Russo! e a gente começa a se dar conta de que não pode ser porque o cara está morto, uma coisa que nem sempre se percebe quando um cara de grande expressão morre, pois o trabalho e o nome dele estão sempre presentes na mídia. Mas com o andar da peça a gente percebe as diferenças de timbre e movimentos e entende que Bruce está mesmo interpretando um personagem. E se essa era a intenção, comigo deu muito certo.

Gostei muito da peça. Um monólogo ilustrado com músicas que retratam cada momento de sua vida. Mescla cenas superfortes e emocionantes com trechos de entrevistas cômicos ou ultraintelectuais. Tudo com base em uma profunda pesquisa faz a gente acompanhar a trajetória de Renato. Para completar, a banda Arte Profana (5 músicos que antes eram uma banda cover)preenche os melhores momentos tocando perfeitamente as músicas do Legião. A banda fica parcialmente escondida por um telão semitransparente onde imagens vão sendo projetadas durante as músicas e monólogos. Uma montagem muito legal sobre um cara que tinha uma banda que me embalou nas noites de Taj Mahal em Porto Alegre nos anos 80 e 90.

Bruce Gomlevsky é ator e já trabalhou em filmes e programas de TV brasileiros. Na vida real é um cara louro e de olhos azuis, bem diferente de Renato, mas sobre o palco, com as roupas, óculos, o cabelo pintado de preto e os gestos (veja na foto ele natural e caracterizado), acaba nos fazendo acreditar que o outro está ali. Se você tiver a oportunidade não perca, é muito bom, e olha que eu sou um cara muito chique, acostumado com a Broadway. Aqui, Bruce é Renato!

Para ver mais, visite http://www.youtube.com/watch?v=idZJ52-GP6I o audio não está tudo isso, mas vale.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Gripe suína, meningite e o buffet onde eu almoço

Vamos combinar que é mesmo nojento. Digam o que quiserem, mas comer em buffet é nojento. Estou numa daquelas fases em que tudo me dá nojo e fico tentando pensar em outra coisa quando estou na fila da comida, mas não consigo. Quando o Fantástico tinha aquele quadro do Doutor Bactéria, eu saía da sala para eu não assitir. Se visse, passava uma semana comendo quase nada e lavando as mãos histericamente o tempo todo e olhando a parte de baixo dos pratos do restaurante, copos contra a luz (aliás, jamais faça isto se você não quiser ter más impressões).

Santo Álcool Gel 70%!
Com a gripe suína foi o que me deixou um pouco mais tranquilo. No primeiro resfriado que tive durante a gripe suína, achei que estava contaminado. Mas á noite, no jornal, falaram de um surto de meningite em Brasília, e comecei a sentir o pescoço endurecer, deixando a gripe de lado. Foi até bom para mim. Com o tempo me acostumei com a idéia da gripe e como até a OMS desistiu de contar os casos, desisti de me preocupar. Eu sou assim, li que a origem da palavra hipocondríaco está relacionada com uma pessoa que tem cuidado com ela mesma, o que é um sinônimo de sabedoria. Mas confesso que buffet é uma cisma antiga.

Hoje na fila do lugar onde eu almoço quase todos os dias, uma menina espremendo espinhas no braço do namorado. Tenha a Santa Paciência! Já li que isto é uma aflição feminina por não ter pênis e precisar arrancar partes dos homens para compensar, mas não vou aprofundar este tema para não desestabilizar antigas amizades. Mas tirar espinha na fila do buffet? Outra começou a passar a mão no cabelo comprido que ela lava com xampu sei-lá-o-quê, e os cabelos quebradiços dissolvidos deviam estar se espalhando pelas saladas. Um cara três pessoas na minha frente tinha caspa. Deus que me perdõe. Mas faz duzentos anos que existe Denorex e o cara tem caspa... e vai almoçar no mesmo lugar que eu. A partir daí vi de tudo, era como se estivesse em um trem fantasma de buffet, uma montanha russa de nojeiras imperceptíveis na falta de atenção do dia a dia. Até um cara coçando o saco por dentro do bolso da calça de tergal eu vi. Primeiro: coçar o saco por dentro da calça todo mundo vê, e só quem coça acha que está enganando todo mundo. Segundo: depois ele ia pegar a colher do arroz com aquela mesma mão. Além disto tudo, ainda tem as pessoas falando por cima da comida, e aquelas que se debruçam para se servir do prato lá de trás. Sem contar o que acontece na cozinha, longe dos olhos, longe do coração. Acho que eu precisava compartilhar esta postagem como uma terapia de grupo. Amanhã tem mais, deliciosas refeições em comunidade. Que venham as bactérias!

sábado, 3 de outubro de 2009

Vou bem, obrigado.

Quando eu era criança lá em Porto Alegre, a gente chamava bergamota de vergamota. Quem falava bergamota era gente metida. Também chamava Fusca de Fuca, e depois de um certo tempo, falar Fuca virou coisa de mendigo e favelado. Não podia comer melancia com uva, melancia com coca-cola e nem pêssego com leite. Considerando que melancia e uva tinham a colheita na mesma época, a gente tinha que escolher. Cada vez que meu pai chegava na casa de praia com uma bacia de uvas colhidas na parreira do meu avô era um Deus nos acuda...aquele cuidado extra para não morrer, com o perigo de misturar uma fatia de melancia gelada (colocada para boiar no tanque desde de manhã ) e um cacho de uva. Sem falar em manga, que na época só quem tinha experimentado era quem ia para o nordeste, de avião. Avião, aliás, era uma barbaridade. Uma passagem custava muito caro, e eu mesmo só fui andar de avião com 24 anos. No avião serviam uma refeição de verdade, e tinha gente que adorava voar a trabalho para comer no avião. Hoje eles atiram na gente quatro biscoitos recheados, um copo de guaraná e duas balas Sete Belo. Quando a gente tinha que fazer um trabalho escolar (que se chamava de "fazer o tema") precisava de uma enciclopédia. Barsa, Mirador, Conhecer ou Delta-Larrousse custavam carísssimo e eram sonho de consumo. Quem não tinha enciclopédia em casa precisava ir na biblioteca do colégio (que hoje chamam de "escola") e consultar lá. Copiava os textos em folhas de papel almaço pautadas...pense bem. Se a criatura errava uma palavra tinha que riscar por cima e escrever de novo (o que era abominado pelos professores), ou tentar apagar com uma borracha Mercur metade vermelha e metade azul, depois de cuidadosamente molhar com a língua um pedaço da parte azul (para apagar caneta). Quando o papel não furava por conta do atrito, tudo certo. Depois ainda tinha que tirar xerox (que hoje chamam "fotocópia") de uma foto da enciclopédia, recortar, colorir (que hoje chamam "pintar")com lápis de cor ou hidrocor (que hoje chamam "canetinha") e colar com cola Tenaz, nem tinha cola em bastão ainda. Aprendíamos que o Brasil era um país do Terceiro Mundo, "deitado eternamente em berço esplêndido". Hoje o Brasil é a maior economia da América Latina, uma das 10 maiores do mundo, suas dívidas com o FMI podem ser pagas pelas suas reservas, tem uma das mais respeitadas forças de paz do mundo, é sustentável em termos de petróleo e tem as maiores reservas naturais de floresta e água do planeta. Nos últimos 8 anos resgatou mais de 30 milhões de pessoas que viviam abaixo da linha da pobreza e alavancou 21 milhões de pessoas pobres para ingressar na classe média, intermediou conflitous na América do Sul, Central e no Oriente Médio. Além de tudo, os jogos olímpicos de 2016, uma espécie de pacto social para a reconstrução do futuro do Rio de Janeiro. Meu Presidente vai bem, obrigado. O Brasil é aqui!

Foto: esportes.terra.com.br/galerias/0,,OI109157-EI1137-FI1332988,00.html