quarta-feira, 8 de julho de 2009

Tiradentes II - Igrejas

A região do ouro em Minas Gerais tem um quê de arquitetura. Tiradentes, São João del Rei e Ouro Preto, acompanhadas de Mariana, Sabará e muitas (e menos conhecidas) outras, representam uma parcela do criativo Barroco mineiro do Ciclo do Ouro. Aqui o Barroco originado da Europa se misturou com a precariedade colonial e a liberdade tropical para criar uma arquitetura expressiva e única, somente encontrada no Brasil. Os traços da corrente original são identificáveis, mas também é fácil ver a inventividade e a disparidade ao modelo da Metrópole em cada detalhe, seja numa fruta. Para quem curte arquitetura do passado, e acredita que aprendemos a fazer melhor com isso, vão algumas dessas que encontrei em Tiradentes, 6000 mil habitantes, 307 anos e muita história.
Iniciada em 1710 (e finalizada 42 anos depois), A Igreja da Matriz de Santo Antônio é a segunda do país em quantidade de ouro na ornamentação interna, quase meia tonelada. Com projeto da portada de Aleijadinho (em 1810, sobre o projeto original), o interior rico e decorado impressiona quando consideramos a rusticidade do restante da vila e nos reportamos ao passado. Um enorme órgão de origem portuguesa pende sobre a cabeça dos fiéis. Não são permitidas fotos no interior da igreja (por isso as fotos do interior estão um pouco desfocadas), e no exterior a posição estratégica da implantação lembra bem o urbanismo colonial português com a localização no topo da colina mais alta.




Tradicionalmente as igrejas consagradas a Nossa Senhora do Rosário são chamadas de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, hoje fora do contexto, o título se refere ao fato de que quem construía essas igrejas eram os escravos convertidos, normalmente trabalhando à noite, depois de um dia inteiro em outras atividades. A igreja dos escravos de Tiradentes é de 1708, aparentemente com uma torre sineira agregada posteriormente, tem uma simplicidade aconchegante, em um recuo urbano muito acolhedor. Tem o traçado básico da Igreja colonial primordial brasileira, onde as diagonais da fachada marcam o posicionamento das quinas das janelas e a altura da porta, teoria da arquitetura na prática e ao vivo. Muito branco e beleza rustica, simplicidade que me lembra um Deus mais humano. É minha preferida.

No casarão que abriga o Museu Padre Toledo (figura importante na Inconfidência) mobiliário e peças da época nos arrastam para o país adolescente, ávido por se libertar da mãe opressora, mas ainda não preparado para os desafios da maioridade. Confesso que senti algo de nacionalismo naquela casa, onde o Padre se reuniu pela primeira vez com o grupo que mais tarde se denominaria Inconfidentes Mineiros, durante um batizado. Sei que os motivos foram econômicos, como em todas as revoluções - o alto custo dos impostos, a cobrança radical dos débitos atrasados (a Derrama) motivou sobremaneira ao levante que não teve o êxito almejado, justamente no mesmo ano da Revolução Francesa (1789).












Ainda há muitas outras atrações, casarões muito antigos, capelinhas que se abrem na Semana Santa com os passos da via crucis, uma Casa de Câmara totalmente independente da Cadeia, um avanço no Brasil desta época. Pombas de barro nos telhados (lembrando o Divino Espírito Santo) e pombas de verdade mostrando de onde vem a idéia. Passeios de charrete (nosso cavalo se chamava Cazuza), e o segundo maior pólo gastronômico de Minas, 5 restaurantes estrelados da Quatro Rodas, oferecendo comida mineira e contemporânea. Comi um bacalhau espetacular no Santo Ofício com vinho português, um filé de primeira no estrelado Tragaluz com vinho chileno, e comida tradicional no Confidências Mineiras com canelinha (cachaça com canela). Tudo num clima de passado, em casarões muito bem adaptados, com a melhor companhia do mundo, à luz de velas e cercado de prováveis fantasmas que por sorte não vi, mas que certamente habitam as ruas silenciosas de Tiradentes. O Brasil foi aqui!

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