quinta-feira, 16 de julho de 2009

A sala mágica

Existem lugares no mundo que são mágicos, mas precisam ser operados por pessoas mágicas também. Na casa da minha mãe, em Ipanema, está um desses. Um quartinho pequeno, de três por três, metido em um corredor com um tapete-passadeira, definitivamente uma peça de decoração de casa de vó. Nesse quartinho nasceram coisas espetaculares confeccionadas com tecido, lã e qualquer outro material que fosse preciso. É dessas salas mágicas - que se escondem aleatoriamente pelo mundo - que alguém mágico pode atender a pedidos tão bizarros quanto "vó, preciso de uma fantasia de pizza", ou "amanhã tenho que entregar um trabalho no colégio sobre os Incas". Ninguém deixa de entregar trabalho escolar sobre tema algum do mundo tendo uma sala dessas ao seu alcance, com uma avó capaz de manuseá-la. Dessa sala saíram enxovais completos para recém nascidos abandonados em maternidades ou com mães em extrema pobreza, peças para filhos de reis, que me ensinaram que todas as pessoas são iguais e devem ser respeitadas assim. Dali saíram vestidos de noiva, glamourosos, brilhantes, bordados á mão para noivas em incontida felicidade. Saíram pijamas, blusões, gorros, bandeiras do Inter, mantas, de cores e tamanhos diversos, mas carimbados com o carinho de sempre. Não sou habilidoso em lidar com uma sala dessas, mas vou me esforçando para aprender. Junto de minha mãe aprendi tantas coisas, mas a manusear a sala sempre tive dificuldades. A manusear a sala e a cozinha, confesso. É difícil concorrer com alguém que é capaz de preparar um refeição simples, com 8 pratos, em 40 minutos; encher uma casa de vida em segundos, acender uma lareira instantâneamente. Acho que isso vem pela energia, uma energia tão forte que as crianças a adoram, e com seu olhar firme é capaz de acabar com qualquer baldo. Talvez seja essa energia que a mantém firme, depois de tantas quedas - fisicamente falando - já que o jeito agitado não permite tempo para pensar duas vezes, e a gravidade se torna inimiga ferrenha no piso molhado da cozinha e nas escadas.

Nos dias de inverno, chuvosos e frios do sul, o som da máquina de costura naquela salinha mágica era interrompido por instantes, e surgiam na frente da TV bolinhos de chuva, chocolate, café. Um bolo saído de sabe-se-lá-onde, ou uma cuca de laranja. Também tivemos as fases da torta de maçã e do peteleco, doces de pessêgo em calda, de abóbora e laranja. Considerando a quantidade de comida que minha mãe fez nesses anos em que morei com ela, eu deveria pesar uns 300 quilos. Apesar da praticidade, sempre foi minha parceira para filmes, por um tempo fomos fãs de terror, encolhida no sofá ou esticada na poltrona, procurando os óculos nos cinco primeiros minutos do filme, coisa que sempre me irritou e que - por motivos de DNA - eu repito sem perceber.

Mas nem tudo são flores. Há também uma personalidade forte, a qual o DNA outra vez me delegou um igual, mas um coração enorme e uma bondade avassaladora, que as vezes me irrita, porque sei que nunca conseguirei ser assim (e então o DNA me traiu). Minha mãe é um cochilo na frente da TV assistindo Friends, seu pé-ante-pé a noite para ver se estamos dormindo, um bife Argentino, um pote de vidro cheio de chocolates durante o jogo de futebol e o dinheiro escondido dentro da Bíblia. A amabilidade com meus amigos, a adoração pelos netos, a parceria no restaurante com meu irmão, o amor por meu pai. Não pensava em escrever outra vez sobre minha família (já estou me sentindo invadido) mas não posso deixar passar em branco esse dia, 19 de julho, Dia Internacional do Futebol, por um desses mistérios da vida, aniversário de minha mãe. Dona Lygia, eu também te amo. Feliz aniversário.

2 comentários:

Déborah Ramos disse...

Marcelo, que texto tocante! É emocionante ler o seu texto em que você expressa com uma sensibilidade tamanha detalhes de uma sala que se enche de vida. Por um momento a sua mãe como é caracterizada aqui, me fez lembrar da Mrs. Ramsay, personagem do livro To the Lighthouse(passeio ao farol) , que eu adoro. Muito bom texto.
Déborah.

Anonymous disse...

Boas lembranças daquela sala....
Até uma coleção da roupas em batik sairam dali...
Muito lindo o teu texto, tua mãe merece!!!