domingo, 21 de setembro de 2008

OK. That is it!

É isso aí.

Depois de muitos dias de New York, chegou a hora de voltar para casa. Nesse tempo em que estive aqui aprendi muito sobre os Novaiorquinos e sobre as diferenças culturais que nos cercam. Foram dias cheios de surpresas, alguns apertos e muitas novidades. Jantei em mais de 50 restaurantes com culinária diversificada, me encantei com as novidades, me vesti como novaiorquino. Cantei Abba no Mamma Mia e descortinei a Broadway. Fiquei bêbado nos bares do Village, onde a elite musical brasileira dos anos 70 mandou ver. Conferi a impressionante obra de Wright, linda, deliciosa e sóbria. Passeei por Le Corbusier e outros. Vi os arranha-céus do art deco iluminados ao poente dos primeiros raios do verão. Comi cachorro quente na rua, sentei com um sanduíche nas praças, fiquei doente e me curei. Me reencontrei refletido pelas luzes da Times Square, revivi meus os melhores sorrisos, aos quais batizei de "Sorrisos de Nova Iorque". Chorei no Fantasma da Ópera, caminhei centenas de quilômetros, descobri as relíquias incontáveis dos incontáveis museus. Fiz amigos. Aprendi o que era possível. Vi Maddona a menos de 10 metros em um show exclusivo, fui na Disney e vi o show de fogos de artifício, molhei os pés na praia em Coney Island, almoçei com bons amigos no Harlem. Comprei no SoHo, explorei as ruelas de Chinatown, eu ajudei a criar um novo banco brasileiro no árduo mercado norte-americano. Cozinhei feijão, meditei sentado na vitrine da Starbucks vendo o mundo passar, passei frio e calor, sentei na grama do Central Park para ver os jogos de beisebol, e à noite, na grama do Bryant Park para ver cinema. Gastei centenas de dólares andando de metrô por todo o lado. Os dias foram curtos, longos, proveitosos, rápidos, empolgantes, num ritmo que só a capital do universo poderia dar. Não pense que estou exagerando, Nova Iorque é tudo em um só lugar, de tudo, muito. Não me arrependo de nada. Certamente vau voltar. Nova Iorque é aqui, mas vai dentro de mim.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Frank Lloyd Wright Home & Studio - Prairie Houses em Oak Park


No feriadão de 4 de julho, duas semanas atrás, fomos para Chicago (veja o post sobre o Millenium Park e Frank Ghery). Visitamos a Home & Studio de Frank Lloyd Wright, onde ele viveu com sua família e trabalhou por vários anos. Também visitamos a Robie House (também de FLW), o primeiro prédio nos Estados Unidos a ser registrado como patrimônio histórico sem que ninguém famoso houvesse morado nele. Graças a isto, dezenas de outras obras de arquitetura entraram para a relação de prédios preservados. Wright começou sua vida de arquiteto em Chicago morando em Oak Park. Lá desenvolveu seus primeiros trabalhos, longe dos olhos de Louis Sullivan, seu patrão na época. Quando Sullivan descobriu que Frank levava uma vida paralela em Oak Park, um subúrbio de Chicago, mandou ele embora do escritório. Sem um salário fixo, Wright teve que trabalhar duro para manter a família que só crescia. Por isto, em Oak Park é possível conhecer cerca de 25 casas suas, além do Unity Temple. É claro que fizemos isto, e gastamos o 4 de julho caminhando por esse subúrbio, catando as casinhas de Wright em meio a alamendas arborizadas e jardins sem cerca, seguindo um mapa que preparamos nas semanas anteriores.



No Home & Studio descobrimos que Wright realmente testou ali diversas soluções que aplicaria em suas casas no futuro. Na medida em que a família crescia, e os hábitos do século 19 mudavam, Wright alterava seus conceitos criando novas abordagens para antigos problemas. Ali surgiram a janela rasgada das Prairie Houses, as meias-paredes, as abas de telhado avançadas, as escadas enclausuradas. Comparando as 25 casas que vimos percebe-se mesmo que ele buscava soluções formais e incorporava essas soluções nas novas obras. Desde as primeiras casas de madeira os pequenos detalhes mostram sua assinatura prematura, mesmo ainda precisando conquistar a confiança dos clientes, teve coragem de mudar.


Tomamos uma overdose de Wright, mas valeu a pena. Descobrimos seus detalhes, vivenciamos os espaços. Agora conhecemos desde a sua primeira casa e seu primeiro studio, mais 25, mais o Unity Temple e a Robie House (dos quais vou falar em outro post), além da inexplicável Fallingwater e o Guggenheim Museu em New York. Afinal, ele é o arquiteto de América. Acima de tudo, o tour pela obra de Wright nos fez entender que além de talento é preciso coragem, e que talvez isso seja a parte mais difícil na arquitetura e na vida.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Millenium Park - Chicago, Gehry e Kapoor

Chicago está localizada na beira do Lago Michigan e é cortada pelo Rio Chicago. Em 1871 a cidade pegou fogo, literalmente. Isso possibilitou que um novo tipo de arquitetura surgisse por lá a partir de 1882, eram os arranhacéus, pédios muito altos para os padrões da arquitetura residencial do período (média de 14 andares) . Mas isso é outra história. Visitei Chicago e conheci o Millenium Park. Um espaço central na cidade que atrai centenas de pessoas nos finais de semana. Lá encontrei o Jay Pritzker Pavillion de Frank Ghery, uma belíssima obra desconstrutivista com o design estrutural da Skidmore Owings & Merrill - SOM. A estrutura é muito bonita e extremamente complexa. Em frente ao pavilhão o Great Lawn (grande gramado) é coberto por barras de aço que criam uma malha e permite uma escala humana. Nestas barras ficam suspensas as caixas de som, e a acústica é perfeita. Pude constatar isto porque tive a sorte de ver uma apresentação da Filarmônica de Chicago ao entardecer, centenas de pessoas no gramado e nas cadeiras em frente ao pavilhão lotadas, um espetáculo de arquitetura e música, emoldurado pelo clássico skyline de Chicago.


Também de Frank Ghery há a BP Bridge, em forma de serpente, toda em placas metálicas e piso em madeira, conecta o Millenium ao Daley Bicentenial Plaza. Ótima de ver ao vivo, péssima para fotografar devido a suas dimensões.

No mesmo parque o Cloud Gate (nuvem-portão), uma escultura em forma de feijão totalmente cromada, com cerca de 20 metros de comprimento por 10 de altura, do artista plástico indiano-inglês Anish Kapoor. Sou fã dele, o cara é demais, tive oportunidade de intergair com seu trabalho ao vivo pela primeira vez em uma exposição em Brasília, depois em NY e agora em Chicago. A obra é muito legal e causa diversas sensações nos visitantes. Debaixo do Cloud Gate perde-se a noção do espaço, e em especial as crianças adoram correr vendo seus reflexos distorcidos.

Mais adiante The Crown Foutain, dois grandes blocos feitos de tijolos de vidro recheados com painéis eletrônicos mostram imagens de rostos de habitantes de Chicago em movimento (cerca de 1000 voluntários). Periodicamente os rostos "esguicham" água levemente aquecida sobre as pessoas (na maioria crianças), ou uma cascata despenca do topo dos grandes blocos de 15 metros de altura.

Na sequência, jardins muito bem projetados em desenho contemporâneo (que estavam fechados e só vi por fora), a extensão do Museu de Arte, o McDonald's Cycling Center (um bicicletário do McDonald's), uma ponte em construção ligando o museu e o parque (muito legal!), e muita arquitetura ao redor. O Millenium Park é aqui!

FUTILIDADES
Preços de coisas, meninas anotem aí para quando vocês vierem para Nova Iorque. O que você pode comprar com:
Us$ 100 - Vestidinho super-legal para a balada na Banana Republic (5th Ave com a 50th)
Us$ 50 - Camisa Oscar de La Renta no One Day Sale da Macy´s (34th com Broadway)
Us$ 20 - Vestido-camisa na Urban Outfiters ou na HM - vai ser o hit do verão no Brasil (5th Ave com a 42nd)
US$ 10 - Camiseta na Mistic estilo Ed Hardy (Broadway perto da Prince)
US$ 5 - Calcinha Victoria Secret para abalar (34th com a 6th ave)
US$ 1 - Gorjeta na noite, na sua próxima rodada de Martinis usando suas roupinhas novas e sua calcinha arrasadora.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Fallingwater

O post de hoje é dedicado aos meus amigos arquitetos, aleatoriamente espalhados pelo Brasil e algumas cidades do mundo: Aline Figueiró, Paulo Ricardo Bregatto, Gabriel Gallina, Luciano Andrades, Marcelo Calegaro, Melina, Gustavo Cantuária, Márcio Viana, Carol, Rochelle, Reinaldo, Peri, Alfredo Lay, Rosa, Ghíssia, Antonio Amado, Soraluce, Massimo, Andrey Schlee, Milton, Marcelo Botelho, Andrea, Suzete Bonfim, Sylvia Ficher, Jayme Wesley, Raul Hofliger, Glorinha, Pedro Vieira (que tem um coração de arquiteto), Guga, Julia, Schumi, Eduardo, Vanessa, Eleudo, Patrícia, e ao Manel, de La Coruña, que me deu a idéia de visitar Fallingwater em sua meteórica passagem por New York e dois emails que trocamos. Fallingwater é aqui!
Quando Frank Lloyd Wright chegou em Chicago em 1817 vindo do interior da Pennsylvania, carregava somente sete dólares no bolso e nenhum lugar para morar, mas queria fazer arquitetura. Tornou-se um arquiteto respeitado e reconhecido, mas não um superstar. Aos sessenta e sete anos estava seguro de que Fallingwater seria a obra que o preservaria para sempre, tão seguro que quando Kauffman começou a questionar os planos da casa, não hesitou em enviar uma carta onde iniciava dizendo: “Você parece esquecer tudo o que eu disse sobre construir uma casa extraordinária, sob extraordinárias circunstâncias, eu sei o que estamos para fazer e me recuso a iniciar até que você possa ver o que eu vejo”. Kauffman aceitou a aposta e bancou a casa que iria entrar para a história, eleita pela AIA como a Casa Mais Importante da História da Arquitetura.

Na semana em que completei 45 anos de idade, conheci Fallingwater.

Sexta-feira, 13 de junho, início do Scary Weekend para os americanos, mas não para mim. As 9p.m. peguei um avião de New York para Washington DC. Desembarquei e aluguei um carro no próprio aeroporto, fui para o hotel reservado, pedi uma pizza pelo telefone porque o service room estava fechado, comi e dormi.

As 4:30a.m. acordei e saí de carro em direção a oeste, a partir do Distrito de Columbia, passando por Maryland e mudando de direção para Norte na Pennsylvania, através de uma floresta chamada Ohiopyle. Subi até 2670 metros acima do nível do mar por uma estrada asfaltada e estreita, sinuosa e deserta, corcoveando entre as árvores, para um lugar cortado por um rio bem estreito, conhecido por Bear Run que deságua sobre pedras acinzentadas formando uma cascata ao lado da casa mais famosa do mundo. As 8:36am de 14 de junho de 2008, entrei à esquerda em um acesso solitário, marcado por uma placa de pedra onde se lia em letras escavadas, Fallingwater.

Fallingwater é aqui!

 

Existem três tipos de tours para visitar a Casa da Cascata. O brunch tour oferece um café da manhã no terraço principal uma vez por dia as 9 da manhã de domingos, e não consegui comprar porque está vendido até o final do ano. O Regular Tour permite visita somente ao master bedroom e à sala principal, bem como o exterior, mas não permite fotografias internas. O In-depth tour precisa ser agendado com antecedência, aceita até oito pessoas, ocorre duas vezes por dia as 9ame 4:30pm e permite visitar e fotografar todos os cômodos da casa, inclusive o porão, cozinha, casa de hóspedes e banheiros. Por isto era importante chegar antes das 9am, comprei o tour um mês antes por telefone quando uma senhora muito simpática e pacienciosa me encaixou na lista ao saber que era arquiteto brasileiro. Era minha única cartada. Tudo correu bem, e ainda cheguei a tempo de tomar um café no centro de visitantes (de onde propositalmente não se consegue avistar a casa) e comer torta caseira de strawberry recém saída do forno.



Os guias são atenciosos, mas não focam só na arquitetura. Senhoras e senhores de idade avançada que contam como era a vida na casa, doada pelo filho de Kaufmann para o departamento de conservação da Pennsylvania antes de morrer de modo a preservar o que ele considerava ser a melhor casa do mundo. Depois de Fallingwater a carreira tardia de Wright decolou. Capa da Time Magazine, tema de livros que pesquisaram as Prairie Houses e descobriram o arquiteto que ele sempre foi, inúmeros artigos em jornais norte-americanos. Daí seguiu-se o convite para o Guggenheim em New York, outra obra prima que ele não viu terminada quando morreu aos noventa e dois anos.

Levei dias para me atrever a escrever este post, é muito difícil descrever o que senti lá. A pressão de estar em Fallingwater, os detalhes, o conjunto, as esculturas, os móveis, o piso e o teto, as janelas e escadas, os planos e vãos, a luz, o ronronar da cascata e o verde sufocante das árvores emolduradas pelos vãos das janelas não poderiam ser descritas nem em mil imagens, que dirá em mil palavras. Tudo que vimos ano após ano sobre Fallingwater nos livros é melhor, mais adequado, mais profundo e mais impactante ao vivo.

 

A casa realmente participa da floresta e a floresta é parte da casa, mas cada um em seu espaço, interno e externo. Os espaços não se invadem, mas se comunicam, a casa atesta que é uma construção humana e a floresta permanece natural. Exatamente como está escrito em qualquer livro, o Unitarismo de Wright onde o detalhe e o todo são um só, salta aos olhos. Arquitetura é design. Arquitetura é espaço. Arquitetura é conceito.

A sala de estar é fascinante, com uma grande lareira e sofás baixos longos e aparentemente confortáveis (não se pode sentar ou tocar nos móveis, obras de arte e objetos de design), me imaginei com meus amigos trocando conversa noite adentro embalados ao gosto do vinho e ao som da cascata. Como os Kauffman devem ter sido felizes naquele lugar cheio de energia positiva! A cozinha é pequena e acolhedora, com detalhes de janelas de canto sem caixilho, acabamentos perfeitos de vidro contra vidro criando arestas muito finas, do outro lado, o vidro entra pelas paredes de pedra sem baguetes.

 



Os dormitórios têm uma escala intimista, permitem que cada um desenvolva sua individualidade, mas ao mesmo tempo se integram por passagens, varandas e visuais. A casa é coletiva, essa é a percepção. É uma casa para conviver, uma casa de descanso, de restabelecer o equilíbrio, ela mesma se equilibra com o bosque. Os espaços coletivos se sobrepõem e são convidativos. E quando o momento é pessoal, a arquitetura entra em ação e os locais de descanso enquadram as melhores visuais da floresta e possibilitam a contemplação.

Uma escada leva para lugar algum, mas fica perfeita na composição. Uma escada se desenvolve na escuridão e após um corredor com pouca luz, o dormitório do casal resplandece na luz limpa da altitude. Todos os efeitos são calculados.
  

Pelo lado de fora os planos se multiplicam, e perde-se a noção de onde interceptam o quê. A casa invade a floresta e se deixa emoldurar. O som da cascata continua, mas por incrível que pareça, o som contínuo e uniforme acalma.O rio corre devagar neste platô e escorre por debaixo das varandas e sob a ponte que dá acesso à casa. As vigas desviam seu curso para perpetuar as árvores, as pedras se empilham para criar colunas.

E na escala global Fallingwater se encaixa de uma maneira na paisagem que ela parece grande e pequena ao mesmo tempo. Dependendo do ângulo de onde se está percebe-se uma dimensão diferente. Wright sabia o que estava fazendo, e o local onde ele costumava sentar-se com o proprietário para explicar o que estava acontecendo, transformou-se no miradouro oficial da casa, de onde se tem a vista mais famosa de todas, onde sentei para uma foto, com o sorriso do tamanho de Ohiopyle.

Wright e a Casa da Cascata são legendários para nós arquitetos. Crescemos e nos formamos admirando suas obras e não entendendo sua vida pessoal turbulenta. A visita a Fallingwater foi uma emocionante viagem que me tirou do chão durante quatro deliciosas horas em que me conectei com cada pedra. No ano em que completei 45 anos de idade, fiquei frente a frente com o mito da cascata, e descobri que os arquitetos tem ainda muito o que aprender.

domingo, 22 de junho de 2008

Aniversário



Sexta-feira foi meu aniversário. Quando eu era criança, faltava a aula nesse dia, e quando comecei a trabalhar, faltava ao trabalho. Sempre fiz isso, ficava fazendo coisas mais divertidas ou não fazendo nada em casa. Pela primeira vez em todos esses anos não deu para faltar ao trabalho e tive que trabalhar no dia do meu aniversário. Em compensação, almoçei no A.J.Maxwell´s (57 W 48th St), considerado um dos dez melhores steaks dos mundo. A conta foi cara, muito cara, mas a proposta era experimentar um pouco da NY inacessível. Á noite peguei o trem e fui para o Greenwich Village. Jantei num italiano chamado Cafe del Mare (89 Macdougal St) onde um garçom gordinho reclamou porque coloquei queijo ralado em cima do risoto de camarões e cogumelos. Acho que por causa do nome do restaurante, pensei bastante sobre Santa Maria del Mar em Barcelona, a catedral que inspirou Le Corbusier a pesquisar uma nova luz para Ronchamp. Dali saí para um bar com música ao vivo chamado The Bitter End (149 Bleecker St), que como diz o nome (Amargo Final) fica aberto até bem tarde de madrugada. No Bitter a banda toca por cerca de uma hora e depois é substituída por outra. Isso acontece a noite toda. Ouvi várias bandas e tomei várias Budweiser, sempre lembrando de deixar sobre o balcão um dólar para cada cerveja para a bartender. Voltei de táxi para casa e o resultado foi dormir no domingo até as onze. NY é um bom lugar para comemorar o aniversário.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Robie House

Fui à Robie House, uma das Prairie Houses mais conhecidas. Lá me impressionei com o trabalho de tijolo e como Wright ordenou que as juntas verticais fossem feitas com argamassa com corante de pó de tijolo, a fim de que as linhas horizontais da casa se sobressaíssem aumentando o efeito da horizontalidade. Algumas das suas criações se repetem com maturidade na Robie, completada em 1910. Volumes avançados e espaços dentro de espaços. As cadeiras de espaldar alto ao estilo Mackintosh formam uma amurada ao redor da mesa de jantar, desníveis marcam o local de encontro ao redor da lareira, o ambiente de estar é voltado para a visual das pradarias (hoje tomadas por prédios da Universidade). Wright criou para si mesmo o logotipo do círculo e o quadrado e reproduziu essa imagem em todos seus projetos de alguma forma. Na Robie House são as jarnineiras da entrada principal. Quando se está dentro da casa é que se percebe que ela não é contemporânea. O mobiliário e a decoração são do início do século XX, quando a eletricidade recém estava chegando, os automóveis eram um luxo (Robie tinha 2!), algumas divisões internas eram feitas com cortinas, e a estética dominante eram os modelos rebuscados da França. O hall de acesso é como uma casa de vó, com retratos amarelados nas paredes, sancas de gesso em desenhos que reproduzem frisos gregos, um verde pesado nas paredes salpicado com pequenos desenhos feitos com estêncil. É proibido fotografar.






Mas, de repente, a Robie se transforma numa casa do século XX recém inaugurado e avança em conceitos espaciais e formais. Pelo lado de fora, espetacular, parece uma linha do horizonte em tijolos, uma peça rara da arquitetura histórica, um retrato sólido do talento do arquiteto da América. As esquadrias tem um ar de novidade, bem ao Art Nouveau que chegava, um protomoderno (como diria Soraluce) indiscutível. Wright sabia para onde estava indo, estava caminhando lentamente na construção de uma identidade. Naquele mágico instante em que entrei na casa, parecia que voltava ao século XIX, mas alguns degraus depois estávamos outra vez nos salões repletos de mulheres fumando, com o barulho dos novos motores na rua e o som do jazz negro avançando sobre os brancos novos ricos na região dos Grandes Lagos.

Infelizmente a Robie estava em restauro e não era permitido fotografar, mas ficaram na memória cada detalhe, cada ambiente, cada parede descascada. Dizem que as paredes não tem ouvidos e nem podem falar, mas os sussuros que os tijolos vermelhos de Wright sopraram, me fizeram entender um pouco mais de seu talento e seu espírito inovador, nas pedras vermelhas da Robie, mais uma vez pelas mãos de Wright, reencontrei o sentido da arquitetura.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

The Harlem

Essa semana uns bons amigos de Brasília vieram para New York. Marcamos um encontro na sexta à noite e jantamos juntos no Chow, um restaurante de moderna cozinha Tai, com uma ótima comida em um ambiente cheio de gente bonita no Greenwich Village. Depois caminhamos por ali e deixei eles em casa perto da Washington Place, a praça que tem o Arco do Triunfo, onde Bob Dylan começou sua carreira musical cantando em troca de moedas para as pessoas que levavam as crianças para passear. Tentei pegar um táxi para casa, mas foi impossível, a disputa estava fortíssima, era meia noite, e precisei caminhar até o metrô e pegar um trem para casa.


Sábado cada um foi para seu lado (eu e meus amigos) . Fui na Ponte do Brooklyn, uma impressionante estrutura sustentada por cabos com a extensão de mais de 1600 metros. É possível atravessar a Brooklyn Bridge a pé ou de bicicleta de maneira absolutamente segura. A ponte, de 1883, teve sua estrutura recuperada durante a gestão do famoso prefeito novaiorquino Rudolph Giulliani, aquele do Tolerância Zero. Lá de cima pode-se ter boas visuais de Chinatown e do Skyline de NY. Também avistei o Píer 17, e depois desci lá para visitar. Um conjunto urbano do início do século XX, ao lado do Rio Hudson, que mantém as características portuárias, mas foi totalmente restaurado com restaurantes, lojas, espaço de espetáculos e museu.


Domingo marquei de encontrar esses amigos no Harlem para o brunch. O local escolhido foi o Sylvia´s - Queen of South Food, um restaurante tradicional com gospel brunch, ou seja, almoço cedo ou café da manhã tarde, com música gospel ao vivo. O lugar não é muito grande, mas a comida, The Talked About Barbecue Ribs (o falado churrasco de costelinhas com molho barbecue) é muito boa. O som também era legal, uma mistura de gospel americano, soul e Rythm and Blues.


Depois do almoço, uma volta pelo Harlem. Quando Bill Clinton deixou a presidência dos EUA instalou seu escritório em uma área do Harlem para ajudar a revitalizar a região, que já foi uma das mais ricas da cidade e é uma das mais antigas zonas residenciais. A coisa deu certo, o Harlem é um lugar muito tranquilo e movimentado, obviamente não foi só por isto, mas foi uma demonstração de confiança. Mesmo estando nos anos 2000, ainda se sente um pouco a pressão da segregação que ocorreu ali e resultou em manifestações nos anos 40 e violentos conflitos raciais nos anos 60 e 70. Preconceito é um bicho selvagem que vive dentro das pessoas e se alimenta da dignidade dos outros. De resto, o Harlem tem uma arquitetura espetacular para quem curte o ecletismo, totalmente vitoriana, com casas de tijolos marrons e vermelhos, com senhoras bem arrumadas e grandes chapéus indo para a Igreja.



Passamos pelo Lenox Lounge, uma casa noturna de grandes personalidades do Blues e do Jazz, que existe desde 1939 (também é conhecido como Zebra Room) com sua guitarra pendurada na vitrine. Depois pelo Apollo Theater, onde existe até hoje a free wednesday (quarta livre) para amadores se apresentarem e descobridores de talento tentarem ficar milionários. Alguns dos nomes que foram descobertos nessa quarta livre incluem Jackson Five, Marvin Gaye e James Brown, se você não ouviu falar deles, deve ter desembarcado de Marte faz pouco tempo. O Apollo é uma instituição do Harlem. Na esquina da Lennox Avenue, rebatizada de Malcom X Boulevard, o edifício que tomou o lugar da livraria onde Malcom X iniciou suas manifestações por igualdade. Na esquina da Malcom X com a Martin Luther King Jr, não resistimos e tiramos uma foto.



No meio da tarde voltei para casa, o Harlem é legal, dali surgiram movimentos que mexeram com a sociedade e com a cultura, além do conceito de direitos humanos e liberdade a partir do final dos anos 30, novos ritmos que influenciaram a música de diferentes maneiras. Caminhando nas ruas do Harlem, me senti um intruso curioso em um espaço que foi conquistado com muita luta e sofrimento. Pior do que isto, me senti desconfortável em pensar que um dia essas mesmas pessoas foram obrigadas a se refugiarem ali, separadas de outras pessoas pela quantidade de melanina na pele. O Harlem tem uma energia muito forte, mas é um gueto que não precisava ter acontecido. Preconceito é mesmo uma coisa estúpida.

* Esta postagem é de 04 de maio de 2008