terça-feira, 31 de março de 2009

Unity Temple


Em Chicago no subúrbio de Oak Park, Wright começou sua carreira solo. Entre suas tantas casinhas, está o Unity Temple, inovador para sua época. Construído em 1906 foi moldado em concreto e granito moído, o nome deveria ser Unity Church, mas Wright insisitiu que o chamassem de Temple (Templo) pois queria explorar a simplicidade formal dos templos clássicos da antiguidade, mesmo que a diferença do uso (os templos clássicos eram usados por fora e não por dentro) fosse grande, o que importava para ele era a expressividade do local de adoração. No espaço interno, nenhum dos 400 lugares para os fiéis fica distante mais do que 12 metros do púlpito! Os acessos são marcados por tetos baixos que se abrem ao chegar no centro do templo, escadas e níveis fazem o percurso natural, marcado pela iluminação. "A pequena jóia" como FLW o chamava, é decorada com madeira e grandes vitrais no teto que permeiam uma luz natural delicada e difusa.
Os espaços para os fiéis são pouco generosos, mais apertados do que o normal, trazem a sensação de proximidade, como deveria ser uma comunidade reunida ao redor de uma mesma fé, celebrando suas crenças. As cores, originais da época, retratam bem o dilema que Wright vivia entre o que deveria ser o contemporâneo naquele período e o que eram suas concepções de arquitetura inovadora. Apesar de toda a qualidade do espaço, a cartela cromática se resume às cores que podiam ser encontradas no mercado de acabamentos da época, verde-água, cinza e bege, misturados com tons de madeira e veludo encarnado. No exterior é possível entender melhor as concepções de ornamento de FLW. Na maior parte das vezes o discurso repetido é de que Wright condenava o ornamento, na verdade sua obra é profundamente ornamentada, no entanto, o ornato está aplicado na concepção estrutural. Não são elementos agregados após a edificação concluída, que Viollet-le-Duc chamou de horror vacui *- numa alusão ao pavor que os arquitetos medíocres tinham do espaço vazio -, mas o ornamento como parte do sistema compositivo da edificação. Assim, os capitéis das colunas são abundantemente entalhados no próprio concreto, a vidraçaria encaixilhada em profusão, frisos e cornijas dividindo os momentos compositivos dos panos de fachada organizam a volumetria da composição.
O Unity é um belíssimo exemplo de uma arquitetura além de seu tempo (ou além de seu Templo), do outro lado da rua uma neoromânica igreja católica divide a cena com o Templo, uma diferença abismal, não só entre crenças religiosas, mas entre crenças arquitetônicas. A Arquitetura é a religião de Wright.
* Só para não passar em branco. Horror vacui é uma expressão utilizada em vários contextos: na filosofia contemporânea descreve a incapacidade inerente ao ser humanao de ficar sem agir, nas artes plásticas caracteriza a arte islâmica e algumas correntes de Pop Art. O termo é originalmente de Aristóteles tentando explicar o vazio que cerca todas as coisas no cosmo, ou algo parecido. Viollet-le-Duc, arquiteto, utilizou a expressão no Entrevistas sobre a Arquitetura: “Se o artista é desprovido de gosto, menos disposto a corrigir sua obra... Quanto mais ele põe, mais tem necessidade de acrescentar. Cada lugar vazio parace que o atormenta com seus remorsos, eis o horror vacui” .

domingo, 29 de março de 2009

A lagartixa, o feminismo e a próxima reforma ortográfica


Na foto, mulheres reais...

Outro dia entrou uma lagartixa aqui em casa. Eu tenho pavor de lagartixa, um verdadeiro desespero. Li em algum lugar que isso é inerente às pessoas sinceras e transparentes, que associam criaturas gosmentas e que rastejam com pessoas mesquinhas, rastejantes, escondidas pelos cantos do dia a dia. Disso derivou pensar que também detesto barata, cobra e aranha. E percebi que todos quatro são femininos. Comecei a explorar o universo dos substantivos e adjetivos. Maldade, tristeza, vergonha: femininos. São femininos também os sete pecados capitais: gula, soberba, luxúria, avareza, ira, preguiça e inveja. Fiquei pensativo por uns minutos, achando no universo de cerca de 500 mil palavras da língua portuguesa aquelas femininas que têm conotação negativa. Segui pelo caminho das doenças, todas femininas: gripe, rubéola, varíola, lepra, tosse, sida. Coisas ruins em geral, verruga, careca, mancha na pele, mágoa, saudade, loucura. Tenho a sensação plena de que a língua foi escrita pelos vencedores, soberanos, poderosos homens. É lamentável. Angústia, desesperança, derrota: s.f. . Quantos anos mais serão necessários para que as mulheres e o feminino possam reverter tantas associações infelizes que somente assolam o desenvolvimento da humanidade como uma raça única, separada em gêneros apenas ao acaso. Quanto tempo vamos levar para entender melhor o significado dos poucos substantivos femininos tão significativos quanto felicidade, fortuna e paz?A luta das mulheres pela igualdade me pareceu mais justa a cada instante, tantas conquistas, tão importantes, mas falta ainda tanto. Talvez na próxima reforma ortográfica, daqui a alguns anos, possamos ver os substantivos de demérito perderem o gênero. Amigos em inglês são "friends", tristeza é "sadness", muitas palavras não tem gênero, se flexionam pelo contexto, não são masculinas ou femininas, são simplesmente palavras. A lagartixa foi embora, o feminismo veio para ficar, ainda bem.


quarta-feira, 25 de março de 2009

MEU PAI

Dia 25 de março é aniversário do meu pai. Ed, Edmundo, Careca, Véio. Setenta e seis anos de batalha, sucesso pessoal e árduos desafios foi o que marcou sua vida até aqui. Do meu pai herdei a falta de cabelos na cabeça, mas em compensação herdei também a inteligência e a intuição inigualáveis. Com ele aprendi que sentar na Arquibancada Geral do Beira-rio é melhor do que nas cadeiras, e dali assistimos muitas vitórias do nosso glorioso Internacional. Tanto assim que até acabamos por reformar os vestiários em uma obra nos tempos do Parreira. Também aprendi contabilidade, sistemas bancários e matemática para passar no concurso do Banco o que, por sua vez, me permitiu fazer muitas outras coisas, inclusive trabalhar com arquitetura a vida toda. Foi ele quem me explicou que uma regra de três resolve qualquer problema matemático, e me ensinou uma técnica chamada de Falsa-posição, onde criamos um cenário ideal e depois o adaptamos até a realidade chegando a resultados surpreendentes. Meu pai também é responsável por me ensinar a tratar as mulheres com carinho, acho que por isso até hoje ele leva uma xícara de café da manhã para minha mãe na cama, todos os dias, por mais de 50 anos. Falar nele sem falar nela é impossível. Mãe, você fica para outro post. Pintamos muitos metros quadrados de muros juntos, colocamos muitos azulejos. Quando resolvi sair de Porto Alegre e ir para Manaus meu pai foi o primeiro a dizer "vá", mas não queria se livrar de mim, queria que eu fosse feliz. Quando fiquei doente em Uberaba, foi seu rosto que vi ao acordar da cirurgia. Quando fiquei sem casa na primeira separação, foi para a casa dele que voltei. Ele me ensinou a ficar em silêncio no início e falar depois, uso isto até hoje e sempre funcionou. Nas decisões difíceis, foi para ele que liguei, nas próximas, ligarei outra vez. O tempo vai passando e meu pai continua sendo meu ídolo, meu amigo, meu modelo e meu norte, não sei se isto é normal, mas é assim que sinto e me sinto bem com isso. Cada vez que penso sobre o assunto tenho a certeza de que estou no caminho certo seguindo seus passos e - se der sorte um dia - posso ter esperança de ser para alguém pelo menos um pouco do que ele é para mim. Pai, eu te amo, feliz aniversário.

domingo, 22 de março de 2009

MÁXIMA PADRONIZAÇÃO

Cerca de 27% da população humana têm menos de 15 anos. Depois disso, dificilmente seu pé aumenta de tamanho. Para uma população estimada em 7 bilhões em 2012, o número de adultos será de aproximadamente 4 bilhões e 900 milhões. Imagine agora que os tamanhos de sapatos estão padronizados em praticamente 9 números masculinos e 9 femininos. Isso significa que diferente de qualquer outra coisa na face da terra, sapatos (que não têm a qualidade de esticar quando se põe no pé, diferente de camisetas ou meias) representam o máximo de padronização que já atingimos em termos de produção. Me dei conta disto hoje, experimentando sapatos em uma loja. Não importa sua altura, seu peso, sua idade adulta, sua cor, religião, preferências pessoais, se você for um Número 40, todos os Número 40 vão servir no seu pé, alguns um pouco apertados, pegando um ossinho aqui outro ali, mas vão servir. Calçadistas unidos, jamais foram vencidos!

sexta-feira, 20 de março de 2009

Quase Dengue


Tudo começou com quatro dias e uma noite em Brasília. Jantar na casa de amigos, Outback com amigos, Café Cancun, Piscina com chimarrão, pizza domingo, cansaço total. Na terça, em BH, aquela chuva que saiu no Jornal Nacional e eu voltando do supermercado com sacolas, a pé. Encharcado. Banho meio quente, cama, gripe.

Começou na terça, uma dor de cabeça terrível que não passava com nada, dor nas costas, nas pernas, garganta, febre. Achei que era uma gripe igual às outras 265 que tenho por ano. Mas o pessoal me assustou tanto que fui na emergência, na quinta, depois de uma reunião com o Chefe de Gabinete do Governador, onde todo mundo de gravata e eu suando como uma chaleira de água fervendo (que vergonha tola).

Emergências (ou Pronto Socorros) são todas iguais, horas esperando, gente para lá e para cá, e a sensação de que ninguém tem certeza absoluta de nada. Duas horas e meia, exame de sangue, dois remédios para dor de cabeça, uma advogada falando no celular o tempo todo (até eu pedir para ela ir para a recepção e deixar a gente ficar doente em paz) e mais gente de branco para lá e para cá. Fiquei pensando em consertar isto, mas vai ser em outro post.

- O resultado do exame de sangue deu negativo, mas pode ser positivo, se o senhor tiver contraído dengue há pouco tempo.

- Como assim? é sim, ou não?

Ou seja, o resultado é "parece que não, temos que esperar mais uns dias para ver se o senhor melhora"...tem cabimento?

Aí que descobri como não sei nada da Dengue. Ela assola o país faz tempo, e eu tão desinformado. Sei o nome do mosquito, que ele não voa à noite, que vive em água parada e limpa, para colocar areia nos vasos, furar pneus, e tudo o mais. Mas não sabia direito os sintomas, os tipos e os riscos efetivos. Busquei no Google o site do professor Dráuzio Varella (drauziovarella.ig.com.br) e lá estava tudo explicadinho. Vá lá, e da próxima vez que for picado por um mosquito, anote o horário, se for um Aedes, isso pode ser útil na hora de fazer o exame de sangue.

segunda-feira, 9 de março de 2009

RIO DE JANEIRO - II



Fala comunidade!
Saímos fantasiados de Bandeirantes, com fantasias de 6 quilos, praticamente um edredon sobre os ombros, botas de cano alto, mangas compridas e calça balonê cor-de-rosa. Nas mãos carregávamos as ombreiras, enormes e cheias de plumas, com um bacamarte de plástico atravessado nas costas. Vinte e oito graus, 11 da noite de segunda-feira de Carnaval. Em sacos de lixo pretos, os chapéus de bandeirante, gigantes e desconfortáveis. Caminhamos até o metrô. Chegamos encharcados. No carro, turistas da Suíça cantaram o refrão da verde e rosa e tiraram fotos com a gente. Na concentração o calor insuportável e cerveja, água e qualquer coisa gelada e molhada para driblar o mormaço. Entramos na passarela do samba aos 34 minutos de desfile, saímos aos 70. Seiscentos e cinquenta metros em 36 minutos, quase 1 quilometro por hora. No meio do desfile, o Rafael começa a surtar e descobrimos um amigo na arquibancada, que nos fotografa em plena atividade. Era o Leandro. O negro mais branco que eu já conheci, me faz lembrar do Enimem, que quando recebeu seu quinquilhionésimo Grammy (Categoria Melhor Hip Hop feito por Artista Branco!) agradeceu: "Fico triste por todo o ano vocês me lembrarem de que ainda sou branco".
Acabamos exaustos. Sentados e acabados, colocamos fora as fantasias, caçamos um táxi numa fila incompreensível para quem não é carioca. Vamos para a casa do Vini e da Déa onde um caldo de feijão e Coca-Cola gelada reestabeleceram forças. Assistimos o sol nascer e iluminar o Cristo, a favela Dona Marta e o Cemitério São João Batista da varanda no 18º andar. Depois vamos para casa. Na hora, achei que não desfilaria nunca mais, mas no outro dia já combinava na praia em qual setor vou sair ano que vem. Nao há, nem pode haver. Como Magueira nao há. O samba vem de lá, alegria também, morena faceira, só Mangueira tem.

Foto do Leandro na arquibancada da Sapucaí (eu e o Rafael fora do compasso da Mangueira)

domingo, 1 de março de 2009

RIO DE JANEIRO - I

Em 1968, (durante a ditadura militar que arrasou o Brasil) Gilberto Gil e Caetano Veloso foram presos após o Natal vítimas do AI5. Liberados só depois do Carnaval, na quarta-feira de Cinzas, Gil viu o Rio de Janeiro ainda enfeitado com motivos carnavalescos e escreveu: "O Rio de Janeiro continua lindo".
O tempo passou, e Gil ainda tem razão. O Rio de sambas e batucadas, dos malandros e mulatas, de requebros febris, da desigualdade social, dos meninos de rua dormindo espatifados na calçada como frutas caídas aos pés da sociedade organizada. O Rio das favelas e senhoras repuxadas de Copacabana, da mistura democrática da praia, do cheiro de urina e gás, do biscoito Globo e do Mate Leão. Das AR15 e do Bope. Do metro quadrado mais caro do mundo, e da vista da favela do Vidigal acendendo o morro Dois Irmãos. Do caos da Maré, do conforto de Botafogo, dos famosos na Barra, dos congestionamentos da Linha Amarela. Do Túnel Rebouças - escolhido para separar as classes -, e do Cristo de braços abertos - escolhido para reunir as classes. Toda vez, o Rio me fascina. Saio de lá com a sensação estranha de que deveria ficar, coisa que sinto por pouquíssimos lugares. Talvez sejam os bares da praia, ou os bares longe da praia, de onde se pode sentir o cheiro do mar. Ou os bares da Lapa, ressonando e fervilhando o samba, e o Rap, o Funk, o House e todos os ritmos numa mistura ardente e pecaminosa. Talvez seja porque lá, como no samba da Mangueira, me sinto povo, raça, missigenação; crioulo, caboclo, retrato mestiço de fato. No Rio de Janeiro, me sinto brasileiro, graças a Deus!