terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Diaristas

Alguém me mandou uma mensagem de final de ano em que falava de uma tal Dona Francisca, diarista que gostava de abraçar as pessoas. Parece que a dona Francisca tinha uma tese de que um abraço por dia é o mínimo para sobreviver, três energizam e quatro fazem a pessoa prosperar. Além de achar folclórico, também achei intrigante como algumas pessoas que trabalham para a gente vivem de forma otimista em um mundo paralelo que toca o nosso em alguns momentos por semana, as vezes por dias, as vezes por anos, mas que jamais se mistura de maneira permanente.

Quando eu era criança minha família tinha uma espécie de diarista de plantão. Ela praticamente trabalhava na casa de todos os irmãos da minha mãe, primos, tios, fazendo um importante trabalho de divulgar os problemas de uns para os outros, gerar fofocas e assunto. Era uma negra gorda, enorme, que teve tantos filhos e em circusntâncias tão adversas que chegou a perder a conta de quantos morreram. Dizem que quando nós éramos crianças ela nos levava à cavalo nas costas, e que começou a frequentar a família quando minha mãe e minhas tias também eram adolescentes. Dela só lembro o sorriso largo e o jeito despreocupado rindo por detrás de uma tábua de passar roupas.

Depois tivemos outra lá em casa. Se chamava Dora. Dora quebrava tudo. Era muito bruta, adorava homens e sempre estava envolvida em algum relacionamento errado. Além disso, por uns tempos resolveu ser testemunha de Jeová e parou de cortar os cabelos, mas parou também de usar desodorante, o que dificultava muito ficar perto dela.

Na entresafra de pessoas que faziam o serviço da casa, eu e meu irmão tínhamos que ajudar minha mãe nas coisas cotidianas como limpar o banheiro, passar o aspirador de pó, secar a louça. Passamos por uma doida que gostava de sentar na soleira da porta para fumar e contar piadas, até outra que estava levando na bolsa a raquete de tênis do meu pai.

Eu, de maneira independente, não tive muitas aventuras com contratações. Tirando Dona Nerci, um clone feminino do Mr. Magoo que levou para casa um pé de maconha de um amigo meu porque estava precisando de cuidados, quase nada de interessante aconteceu em termos de diarista. Recentemente teve a Glorinha, que até engraxava meus sapatos, mas que depois passou a limpar meu apartamenteo em vinte minutos, e a Alexandra, que me xingava dizendo que a casa estava muito bagunçada todo dia em que vinha trabalhar. Cheguei ao ponto de acordar mais cedo para arrumar a casa antes dela bater na porta.

Hoje de manhã a Vera, que agora limpa aqui em casa, chegou as sete e meia. Eu estava dormindo e dormindo continuei enquanto ela animadamente cantava limpando a cozinha. Fiquei pensando no que faz uma pessoa que tem quase vinte anos a mais do que eu ter tanta boa vontade, ao me ver, um cara folgado, acordar todo dia as oito e meia para ir trabalhar. Provavelmente ela acordou as cinco, saiu de casa as seis, trocou de ônibus e chegou aqui as sete e meia. Vai trabalhar o dia todo e ganhar cinquenta reais no final. Entre outras idéias, fico realmente pensando que é o trabalho que enobrece a alma.