domingo, 27 de junho de 2010

Domingo

Domingo é sempre domingo. Todo domingo tem algumas coisas que nenhum outro dia tem ou pode ter. Mesmo quando tem feriado na segunda, o domingo é igual. Pior, a segunda fica com cara de domingo e a gente acha ruim. Não podia ser assim, domingo não se trabalha (pelo menos a maioria das pessoas), muita gente encontra a familia, tem futebol, passeio no parque. Mas todo mundo reclama. Ainda mais depois que a Rede Globo e sua programação inviolável batizaram o dia de Domingão. Aí sim, ficou pior.

Domingo tem Fórmula Um, almoço em família, briga em família, jogo as quatro da tarde. Tem também aquela depressão do final da noite, a sensação de que nada vai mudar, e a vontade de começar a segunda de uma vez para por em ordem as coisas que jogamos para o alto na sexta. Tem a enorme fila para o cinema no shopping, e o casal de recém namorados conversando sem parar na fila de trás. Sem contar o Fantástico, com o mesmo formato há dois mil anos, trocando as pessoas mas mantendo a falta de assunto, que mesmo assim será assunto na segunda no trabalho.

Domingo em Porto Alegre tem Brique da Redenção, com as mesmas banquinhas, sempre. Tem chimarrão na sombra do Monumento ao Expedicionário, ou debaixo do sol, dependendo da estação. No Rio tem praia lotada e avenida Atlântica fechada para veículos, meia pista. Em Brasília tem shopping desde de manhã ou correr no Parque da Cidade. Em BH tem Feira Hippie na Afonso Pena. Em Nova Iorque Central Park. Em Manaus tem cervejada com churrasco. Em São Paulo, Liberdade. 

Domingo é dia de brigar com os pais, com os irmãos, com os cunhados, com a mulher, com o marido. Dia de se olhar no espelho com vergonha do sábado, fazer planos de voltar para a academia. Domingo é dia de ir na missa, rezar para ser perdoado por faltas que cometemos sem maldade. Dia de voltar de viagem, com a fila enorme do congestionamento na subida da baixada santista, ou na descida da Serra no Rio. Dia de buscar o filho na casa da mãe para comer em um restaurante de shopping. Dia de ligar para a menina do sábado e conferir se foi mesmo tudo como a gente sentiu, dia de não atender ao telefone.

Domingo é dia de não fazer nada e reclamar por isso. Dia de não ler um bom livro, de não ouvir música. É dia de tédio, mais tédio e mais tédio. É dia de esperar. Dia de não pensar. É nesse dia que o ciclo da vida cotidiana fica mais claro, a cada sete enfrentamos ele de novo, com sua mensagem que nos diz que lá vem outra vez nossa vida do dia a dia com seus pequenos e patéticos problemas. Mas é ele quem nos diz também que lá vem de volta nossa boa e divertida vida, nossos amigos parceiros e engraçados, nossas novas oportunidades, nossas pequenas conquistas, nossas novas tentativas. Imagine um mundo sem domingos, um mundo chato, linear e contínuo, sem o ciclo óbvio e necessário dos dias e nunca mais reclame.

Domingo é hoje!

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Casamento por amor

Casamento por amor é um negócio moderno. Até bem pouco tempo os caras casavam para parar de guerrear uns com os outros. Guerra era um negócio caro e que exigia uma enorme logística além de drenar mão de obra, daí que era mais barato bancar uma festa de casamento e acabar com a discussão juntando os reinos. Mas acontece que no século passado, do início para o meio (estou falando do século XX se você não entendeu a ironia) as pessoas resolveram casar por amor.

Eu também acho mais divertido, mas não posso dizer que seja mais prático. Num mundo com X bilhões de pessoas (deixei X porque não tenho certeza de quantas são e estou com preguiça de procurar no Google porque estou com um bolo no forno)... com X bilhões de pessoas no mundo é difícil acreditar que vamos acertar naquela que é a nossa. Eu tentei várias vezes, vocês sabem... Essa quantidade de gente aumenta a pressão, ainda mais para um cara como eu que acredita em um mundo único, solidário e plano. É como jogar a responsabilidade toda sobre nossas escolhas, enquanto vivíamos simplesmente as responsabilidades escolhidas por outros. Ora, um casamento por encomenda já pressupõe que nada vá dar certo, não precisa fazer força ou se dedicar, é só deixar o tempo passar e os problemas enfrentados serão todos atribuídos a isso. É como se alguém que você nunca viu na vida fosse comprar uma camisa para você, não teria obrigação nenhuma de acertar o tamanho. Mas se você for comprar a sua própria camisa, ah...daí você tem que acertar em cheio.

E imagine agora que essa busca se resume a uns poucos quilômetros quadrados para a maioria das pessoas. Tire destes quilômetros todas aquelas improbabilidades (dependendo do caso, pessoas do mesmo sexo por exemplo) e vai sobrar menos da metade. Ou seja, se encontrar, vai ter sorte assim lá no raio que o parta! No final, para mais uma simplificação, chamamos isso de destino, porque é mais fácil jogar a responsabilidade em cima de um ente metafísico e simplificar o processo tirando a culpa de cima de nós(culpa? acho que essa palavra a igreja católica inventou na Idade Média). E ainda tem a casualidade, "...a sorte é um cupido aleatório, que muitas vezes me fez sentar ao lado de mulheres das quais eu jamais sonharia me aproximar. Fico imaginando qual delas é meu grande amor, e quantas vezes já a deixei escapar sem saber... (Walter Kirn)" .

Mais uma vez estou constatando - como tantas constatações que fiz por aqui nesses dois anos - como as coisas são complexas, imprevisíveis e aleatórias, e ainda assim podem ser mágicas, encatadoras e divertidas. Cada vez que alguma coisa dá certo, somos os escolhidos; quando dá errado, os infelizes. Isso não é verdade, talvez o destino sempre nos empurre para o melhor, mesmo que a gente não entenda como ele faz isso. Por isso que eu saio e conheço pessoas. Tenho certeza de que é o destino que está me empurrado para isto.

O destino é aqui!

imagem: http://sol.sapo.pt/

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Saramago, Saramágico

Rio de Janeiro. Quatro cervejas no calçadão do Arpoador. Lapa. Rio Scenarium. Banda Farofa Carioca.
Samba.
Funk.
Samba-funk. Caipirinhas. Caminho mais longo. Caminhada no centro. Rua do Ouvidor. Bolinho de bacalhau, cerveja gelada, Chapéu Panamá. Feijoada.

Dormimos.

Barra. Cervantes. Capital Inicial.
O mundo vai acabar, e ela só quer dançar dançar dançar.
Diagonal.

Domingão. Aniversário, seleção. Leblon, Rota 66. Barulho ensurdecedor. Morena de olhos profundos. Pizzaria Guanabara. Jobi fechado. Dormir. Avião de novo.

Minha singela e estranha homenagem a Saramago - Saramágico que muitas vezes me levou nas jangadas de pedra de sua literatura contundente, sem nomes próprios, sem vírgulas, completa de imagens, sem sentido, com todo sentido do mundo.

Boa viagem !

domingo, 6 de junho de 2010

Deus e o processo decisório

Fiquei com pena de Deus. Deve ser mesmo difícil conviver com tantos pensamentos ao mesmo tempo. São tantas as variáveis que tenho certeza que Ele de vez em quando pensa que deveria ter feio o mundo mais simples, ou os homens menos estúpidos. Só na parte de processos decisórios então, deve ser uma loucura. Veríssimo uma vez escreveu sobre isso. Imagine como Deus escolhe as pessoas que vão morrer em cada dia, milhares. Deve ser uma logística muito complexa. Ainda mais em tempos de guerra, não dá prá errar nada, senão pode ir por engano um prêmio Nobel qualquer e uma cura nunca ser descoberta. Não deve ser fácil ser Deus.

E se tomar decisões não é fácil para Ele, imagine então para nós. Estou convencido de que não existe mesmo lógica em um processo decisório de âmbito pessoal. Não dá para dizer que os processos decisórios sejam cartesianos, organizados, regulamentares. Mas que estão muito mais relacionados com esse caldo primordial que nós nos tornamos durante nossa efêmera existência, isso se pode afirmar. Acho que foi o que Freud chamou de Ego, Alterego e Superego, essas pessoinhas com vontade própria que vivem dentro da gente dando palpite, uma espécie de trio de motoristas de táxi indicando como tomar decisões sem nosso conhecimento, mas que alteram permanentemente nosso sistema de crenças e nosso papel no cotidiano. 

Pior é que por conta de fatores nebulosos na avaliação, nem sempre somos honestos em nossas decisões. Tendemos a supervalorizar nossos medos, nos protegendo como primatas recém saídos da natureza hostil (que somos!), ao passo que subestimamos o inimigo interno, aqueles problemas complexos que minimizamos porque são oriundos de pessoas próximas ou amadas. Somos perigosamente perniciosos para nós mesmos quando tomamos decisões. Sempre refletindo com base em nossos demônios, mas ignorando os fantasmas históricos de nossa relação social. Assim vamos trilhando um caminho seguro na vida, "resta saber se seremos felizes, porque infelizes por certo que não seremos, pois nos protegemos contra o sofrimento probabilístico".

Cada fase nova ou novo caminho exige esse esforço. E vamos pisando nas mesmas pedras que outros pisaram, de modo que se tornam tão lisas que não são mais verdadeiramente seguras. Mas somos bichos ainda, é parte de nossa herança natural, e não conseguimos mudar nossos medos e enfrentar caminhos alternativos. Erramos sempre do mesmo modo, não somos criativos no erro. Enquanto uma geração tem medo do futuro porque o passado passou, a outra tem medo do futuro porque ele pode não vir. Irônico e desnecessário, o futuro virá de qualquer forma. São tantas as possibilidades: posso não me aposentar se Serra for eleito e acabar com a Previdência, ainda tem o vulcão da Islândia e tantos outros escondidos, 2012, a bomba atômica que o Irã não tem. O mercado de trabalho para os formandos, o H1N1 ou outro vírus mutante nascido num mercado de animais na China. Nessas horas pensar que a vida é eterna pode ser um alívio, conversar com os mortos pode ser de grande valia, como fazia o Chico. Mas isso dá trabalho e revigora outros medos, traz responsabilidade, e a angústia de ter que acertar, afinal, é o mínimo que se espera de quem transitar em mais de um mundo. Além disso, como vamos ouvir os mortos se muitas vezes somos surdos aos pedidos de ajuda dos vivos que nos cercam, ou dos vivos que falam línguas que nem sequer sabemos o nome?

Resta seguir. Seguir com nossas decisões, nossos medos, escapando aqui e ali das pedras lisas e nos juntando em matilhas, como fazíamos quando éramos só uma criatura a mais no mundo natural, antes de decidirmos sem cerimônia que somos os escolhidos de Deus.

A vida é aqui!


* Esta postagem foi baseada em fragmentos de uma conversa por email de um texto escrito e enviado para mim pelo meu amigo Pedrinho Vieira. Ele me autorizou a usar as idéias centrais e desenvolver. Pode ser que não tenha nada a ver com o que ele quis dizer, mas a comunicação é assim. Valeu, Jovem!

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Inspiração, Papai Noel e Rilke

Inspiração é um negócio complexo.

Sempre falei para os meus alunos que inspiração não é nada mágico. Você não tem que acender um charuto cubano, ou tomar uma dose de tequila, ou acender uma vela roxa para criar. Nada disso, sempre disse que inspiração é um conjunto tão profundo de conhecimento que em determinado momento transborda e se materializa numa obra. É como aquela última gota que transborda um copo, ou aquela mãozinha salvadora para empurrar o carro que faz com que os Newtons da inércia sejam finalmente vencidos por 01 Newton a mais. Inspiração é um conhecimento profundo que não consegue mais ficar calado.

Pois eu também nunca acreditei em crises de inspiração. Sempre achei que isso era frescura, bobagem, coisa de quem tem dinheiro e não tem talento, ou tem os dois em excesso. Como vocês sabem, sou um cara assim pragmático algumas vezes, cheio de opiniões. Deve ser de família. Acho que meu próximo emprego vai ser de taxista no Rio, daí vou poder exercitar ter opinião em tudo, e o que é melhor, sempre vou ter razão. Mas o ponto não é este. O ponto é que ando mesmo sem inspiração.

Quando a gente acredita demais numa coisa (e no meu caso essa coisa era que crise de inspiração não existe) e de repente ela parece não ser completamente verdadeira é um pouco estranho. Pensando assim começo a entender os problemas da humanidade, afinal, todos nós fomos enganados pelo Bom Velhinho (não, não é o cara que vendeu o carro para você, é o Papai Noel). Deve ser horrível você ter seis anos e de repente descobrir que todo mundo sabe uma coisa que só você não sabia. Tenho certeza que é isso que nos faz ciumentos, rancorosos, gananciosos, mentirosos no futuro. Nosso modelo é esse:
- Ei, pirralho babaca! Papai Noel não existe! Hahahahahahahahaha!
É um choque de realidade absurdo, dentro de um mundo de faz de conta, pessoas coloridas na Tv, animais que falam e a Xuxa, surge um cara que fala para você que tudo que te falaram era mentira. Como assim?

Comecei este texto só para ver se conseguia escrever sem um assunto, mas parece que estou andando em círculos, ou que bebi demais. Rainer Maria Rilke (que foi o secretário de Rodin por dois anos)  uma vez disse para um cara no livro "Cartas a um jovem poeta" que ele devia escrever sobre a sua própria vida. Não devia escrever sobre o amor porque o amor é muito complexo, e porque outras pessoas já escreveram melhor do que ele porque eram mais velhas (estranho?). E disse que ele deveria escrever sobre sua própria vida, porque depois quando lesse se achasse o que escreveu chato, devia mudar de vida. Sempre achei esta idéia espetacular, mas um pouco cruel. Bem ao estilo do Papai Noel, dá medo mas é bom.

Vou ler este post amanhã, daí decido se preciso mudar de vida. Mas para quem não tinha assunto no início, acho que eu fui bem longe.

Ideías Recicladas é aqui!

terça-feira, 1 de junho de 2010

Coliseu? Essa não!

Me dói ter que dizer isso, mas estou convencido de que as cidades brasileiras não têm mais saída. A arquitetura está morta. A globalização atingiu a arquitetura da pior maneira possível, nos trouxe os exemplos falidos dos países mais ricos, mas não trouxe a idéia essencial da beleza e da adaptabilidade. Sempre viajei muito a trabalho ou por minha conta e constato que as cidades seguiram um curso que não pode ser mudado. Invariavelmente nossas cidades são feias. O amontoado de construções improvisadas, os vazios urbanos, a infraestrutura deficiente e aparente, o mau gosto na escolha de cores e revestimentos – representados pelo gosto mais barato – sempre, frutos de um repertório limitado. As cidades foram padronizadas no pior. Não há mais uma arquitetura significativa ou representativa encaixada no contexto, somente pequenas colagens reproduzidas nas classes mais pobres, e pior, nas classes mais altas, que teoricamente teriam mais acesso a diferentes fontes culturais, um descaso pela beleza ou uma incapacidade alarmante para distinguir o que tem qualidade do que é simplesmente lixo. Nossa arquitetura parece ter voltado ao estado primordial, construímos a essência do abrigo, pedra sobre pedra, não importa a beleza ou a qualidade, somente abrigar.

Nas periferias a tipologia construtiva das favelas predomina. Não só nas favelas, mas em todo o contexto urbano. Amontoados de casebres de tijolos subindo ou descendo morros, ou espalhando-se pelas áreas planas, ao redor e margeando as rodovias, acinzentados pela fuligem do progresso. Como disse Chico Buarque em Budapeste, cidades que vão se espalhando como uma doença, sem serem contidas por nada (ou coisa assim).

Cada vez que viajo fico em mais dúvida se a arquitetura como disciplina deve continuar existindo. Subtraímos de nós mesmos, pouco a pouco, o direito de ver uma cidade bela. A arquitetura deveria nos lembrar o que poderíamos ser, como me ensinou Botton, a arquitetura harmoniosa deveria representar o que perseguimos, harmonia em essência, beleza como acessório, mas tranqüilidade, equilíbrio e perfeição como finalidade. Cidades são feitas essencialmente de edificações e artérias de circulação. Como arquitetos, nossa parte deixamos para trás, a qualidade das edificações é paupérrima.

Esse descaso dos arquitetos que fazem a arquitetura média brasileira matou nossas cidades. Deveríamos ser indiciados por homicídio do belo, e a avalanche de mau gosto cria um novo ambiente urbano pior do que o espaço original, isto é inaceitável. Nas camadas mais pobres a pressão pela posse ignora o direito coletivo e vulgariza as relações sociais, e o Estado, nas esferas locais, ignorando o crescimento cancerígeno, nada faz. Estou de saco cheio, a arquitetura que estudei e impregna meu espírito é muito mais do que isto.

Não bastasse, o Tizi (meu talentoso ex aluno preocupado com os rumos da arquitetura brasileira) me conta que uma empresa chamada Indiana Mistery entrega uma idéia patética para um prefeito do interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Farroupilha: Um parque temático com uma réplica do Coliseu. Itália é igual a Coliseu: Arquitetura para analfabetos culturais. Quarenta milhões de Reais transformados em um erro estético. E não me falem que na Disney tem réplicas também, porque lá também há espaços de qualidade superior misturados com réplicas intencionais representativas adaptadas a um contexto específico. E ainda tem mais, a entrada principal será uma réplica do Arco de Constantino, coitado.

Meus olhos estão fartos do lixo urbano, e aí vem mais um. Ser arquiteto exige paciência, temo que minha paciência tenha acabado.

* Pela qualidade da computação gráfica feita no Sketchup com os recursos básicos (veja as palmeiras) dá prá imaginar qual será a qualidade do produto final. Repare também no muro da lateral direita do Arco de sei-lá-quem, porque de Constantino esse arco aí não é. Isso sem falar nas faixas de segurança que não levam prá nada. De fato, isso pode parecer bobagem, mas uma ilustração vale por mil palavras, qualquer arquiteto sabe que ela mostra até onde o projeto não foi estudado.
fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2933165.xml&template=3916.dwt&edition=14866§ion=1008