Nas periferias a tipologia construtiva das favelas predomina. Não só nas favelas, mas em todo o contexto urbano. Amontoados de casebres de tijolos subindo ou descendo morros, ou espalhando-se pelas áreas planas, ao redor e margeando as rodovias, acinzentados pela fuligem do progresso. Como disse Chico Buarque em Budapeste, cidades que vão se espalhando como uma doença, sem serem contidas por nada (ou coisa assim).
Cada vez que viajo fico em mais dúvida se a arquitetura como disciplina deve continuar existindo. Subtraímos de nós mesmos, pouco a pouco, o direito de ver uma cidade bela. A arquitetura deveria nos lembrar o que poderíamos ser, como me ensinou Botton, a arquitetura harmoniosa deveria representar o que perseguimos, harmonia em essência, beleza como acessório, mas tranqüilidade, equilíbrio e perfeição como finalidade. Cidades são feitas essencialmente de edificações e artérias de circulação. Como arquitetos, nossa parte deixamos para trás, a qualidade das edificações é paupérrima.
Esse descaso dos arquitetos que fazem a arquitetura média brasileira matou nossas cidades. Deveríamos ser indiciados por homicídio do belo, e a avalanche de mau gosto cria um novo ambiente urbano pior do que o espaço original, isto é inaceitável. Nas camadas mais pobres a pressão pela posse ignora o direito coletivo e vulgariza as relações sociais, e o Estado, nas esferas locais, ignorando o crescimento cancerígeno, nada faz. Estou de saco cheio, a arquitetura que estudei e impregna meu espírito é muito mais do que isto.
Não bastasse, o Tizi (meu talentoso ex aluno preocupado com os rumos da arquitetura brasileira) me conta que uma empresa chamada Indiana Mistery entrega uma idéia patética para um prefeito do interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Farroupilha: Um parque temático com uma réplica do Coliseu. Itália é igual a Coliseu: Arquitetura para analfabetos culturais. Quarenta milhões de Reais transformados em um erro estético. E não me falem que na Disney tem réplicas também, porque lá também há espaços de qualidade superior misturados com réplicas intencionais representativas adaptadas a um contexto específico. E ainda tem mais, a entrada principal será uma réplica do Arco de Constantino, coitado.
Meus olhos estão fartos do lixo urbano, e aí vem mais um. Ser arquiteto exige paciência, temo que minha paciência tenha acabado.
* Pela qualidade da computação gráfica feita no Sketchup com os recursos básicos (veja as palmeiras) dá prá imaginar qual será a qualidade do produto final. Repare também no muro da lateral direita do Arco de sei-lá-quem, porque de Constantino esse arco aí não é. Isso sem falar nas faixas de segurança que não levam prá nada. De fato, isso pode parecer bobagem, mas uma ilustração vale por mil palavras, qualquer arquiteto sabe que ela mostra até onde o projeto não foi estudado.
fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2933165.xml&template=3916.dwt&edition=14866§ion=1008
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