domingo, 6 de junho de 2010

Deus e o processo decisório

Fiquei com pena de Deus. Deve ser mesmo difícil conviver com tantos pensamentos ao mesmo tempo. São tantas as variáveis que tenho certeza que Ele de vez em quando pensa que deveria ter feio o mundo mais simples, ou os homens menos estúpidos. Só na parte de processos decisórios então, deve ser uma loucura. Veríssimo uma vez escreveu sobre isso. Imagine como Deus escolhe as pessoas que vão morrer em cada dia, milhares. Deve ser uma logística muito complexa. Ainda mais em tempos de guerra, não dá prá errar nada, senão pode ir por engano um prêmio Nobel qualquer e uma cura nunca ser descoberta. Não deve ser fácil ser Deus.

E se tomar decisões não é fácil para Ele, imagine então para nós. Estou convencido de que não existe mesmo lógica em um processo decisório de âmbito pessoal. Não dá para dizer que os processos decisórios sejam cartesianos, organizados, regulamentares. Mas que estão muito mais relacionados com esse caldo primordial que nós nos tornamos durante nossa efêmera existência, isso se pode afirmar. Acho que foi o que Freud chamou de Ego, Alterego e Superego, essas pessoinhas com vontade própria que vivem dentro da gente dando palpite, uma espécie de trio de motoristas de táxi indicando como tomar decisões sem nosso conhecimento, mas que alteram permanentemente nosso sistema de crenças e nosso papel no cotidiano. 

Pior é que por conta de fatores nebulosos na avaliação, nem sempre somos honestos em nossas decisões. Tendemos a supervalorizar nossos medos, nos protegendo como primatas recém saídos da natureza hostil (que somos!), ao passo que subestimamos o inimigo interno, aqueles problemas complexos que minimizamos porque são oriundos de pessoas próximas ou amadas. Somos perigosamente perniciosos para nós mesmos quando tomamos decisões. Sempre refletindo com base em nossos demônios, mas ignorando os fantasmas históricos de nossa relação social. Assim vamos trilhando um caminho seguro na vida, "resta saber se seremos felizes, porque infelizes por certo que não seremos, pois nos protegemos contra o sofrimento probabilístico".

Cada fase nova ou novo caminho exige esse esforço. E vamos pisando nas mesmas pedras que outros pisaram, de modo que se tornam tão lisas que não são mais verdadeiramente seguras. Mas somos bichos ainda, é parte de nossa herança natural, e não conseguimos mudar nossos medos e enfrentar caminhos alternativos. Erramos sempre do mesmo modo, não somos criativos no erro. Enquanto uma geração tem medo do futuro porque o passado passou, a outra tem medo do futuro porque ele pode não vir. Irônico e desnecessário, o futuro virá de qualquer forma. São tantas as possibilidades: posso não me aposentar se Serra for eleito e acabar com a Previdência, ainda tem o vulcão da Islândia e tantos outros escondidos, 2012, a bomba atômica que o Irã não tem. O mercado de trabalho para os formandos, o H1N1 ou outro vírus mutante nascido num mercado de animais na China. Nessas horas pensar que a vida é eterna pode ser um alívio, conversar com os mortos pode ser de grande valia, como fazia o Chico. Mas isso dá trabalho e revigora outros medos, traz responsabilidade, e a angústia de ter que acertar, afinal, é o mínimo que se espera de quem transitar em mais de um mundo. Além disso, como vamos ouvir os mortos se muitas vezes somos surdos aos pedidos de ajuda dos vivos que nos cercam, ou dos vivos que falam línguas que nem sequer sabemos o nome?

Resta seguir. Seguir com nossas decisões, nossos medos, escapando aqui e ali das pedras lisas e nos juntando em matilhas, como fazíamos quando éramos só uma criatura a mais no mundo natural, antes de decidirmos sem cerimônia que somos os escolhidos de Deus.

A vida é aqui!


* Esta postagem foi baseada em fragmentos de uma conversa por email de um texto escrito e enviado para mim pelo meu amigo Pedrinho Vieira. Ele me autorizou a usar as idéias centrais e desenvolver. Pode ser que não tenha nada a ver com o que ele quis dizer, mas a comunicação é assim. Valeu, Jovem!

7 comentários:

Anônimo disse...

Cheguei até aqui e cheguei feliz por ter finalmente te encontrado meu amigo querido! Cheguei nos trinta e tou um tanto saudosa das pessoas queridas que faziam parte da minha vida anos atrás. öbvio q tu és uma delas. Saudades de ti guri! Beijo grande, Carol Campos

Marcelo Pontes disse...

OI Carolina!
Quanto tempo! Entra em contato comigo por email. arqmarcelo2hotmail.com.
Beijo enorme prá vc!

Anônimo disse...

Lo leo luego.
Qué coño, lo leo ahora! Esto es lo importante.
Marcelo eres un fenómeno. Enhorabuena a Pedrinho por lo que le toca.
Tengo pendiente mandarte una aportación para el blog. Llegará antes de fin de año.
Debe ser difícil ser Dios. De acuerdo. Pero ser humano tampoco es fácil.
Aperta,
Luis Walter

Anônimo disse...

Showdi!!!! Gostei do vi (ou será do que li?). Com a pena (CRUZES!!!) na mão vc consegue controlar sua ansiedade intelectual que os uísques nos bares de BH não conseguem anestesiar...rs E por falar em intelecto o meu com este frio acompanha o corpo e não funciona nesta geladeira que BH resolveu se transformar, mas tão logo esquente me aguarde várias vezes por aqui. A cada texto seu corresponderá um post em reação!
p.s. não acredite no Pedro e suas receitas de macarrão. Fontes altamentes confiáveis dizem que o que vale mesmo na cozinha dele é o Mestre Cuca, que recebe sempre os amigos com seu jeitinho mineiro de ser.

Marco.

Marcelo Pontes disse...

Grande Marco!
Só de vc vir até aqui já é um elogio. Que bom que vc gostou.
Tbm gostei da "minha ansiedade intelectual" "anestesiada" pelos uísques de nossas garrafas espalhadas pelos bares de BH.
Ah...o tal macarrão com salsicha que o Pedro diz que faz, eu nunca fui obrigado a provar.

Maizé Trindade disse...

Oi, Marcelo! Que bom ler o seu texto, tão surpreendente como você! Eu nunca brinquei de ser deus, mas acho que é um exercício bastante pedagógico. Qual é o espaço de autonomia que temos para decidir sobre nossas vidas, apesar de todas as nossas determinações? Pouco, muito pouco... Mas suficiente para abrir janelas de possibilidades. Besos. Maizé

Marcelo Pontes disse...

+Zé!
Que bom vc por aqui!!!! Sabendo que vc tá me lendo aumenta a responsabilidade do que eu escrevo, mas aumenta tbm o prestígio do blog.
Beijão prá vc tbm. Tou com saudades.