domingo, 3 de julho de 2011

Lendas urbanas

Na minha infância, o mundo era assombrado por lendas urbanas. Vivíamos em um estado permanente de tensão causado por suposições não muito bem fundamentadas sobre a vida cotidiana. Se você é da geração Y, talvez não entenda como alguém pode imaginar que leite faz mal com pêssego. Basta ir no Google e resolver a questão. Mas para nós da geração X, não havia outra fonte de consulta diferente de uma enciclopédia impressa. Desse modo era fácil uma simples suposição se espalhar como um vírus, sempre embasada em fatos não documentados, pois como disse o poeta Lulu, assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade.

Talvez a pior época fosse o verão no Rio Grande do Sul. Nesse tempo ainda não tínhamos uma distribuição de frutas e verduras o ano todo como hoje em dia, então para comer melancia e uva tinha que ser verão. Nessa época do ano eu, meu irmão e meus primos estávamos sempre alertas para que nenhum de nós morresse desavisadamente por ter comido um cacho de uvas depois de uma fatia de melancia. O risco era tão grande que quando meu pai chegava com uvas vindas da parreira do meu avô, as melancias iam para o lixo.

Mas não parava por aí. Minha mãe e suas irmãs juravam que meu avô tinha colocado um pedaço de melancia dentro de um copo de coca-cola, e a melancia tinha virado pedra. Mesmo que a gente repetisse a experiência diversas vezes todos os verões, nunca conseguimos o mesmo resultado, o que me faz imaginar que talvez meu avô Valdomiro fosse uma espécie de alquimista, como o cigano de “Cem dias de solidão”. A gente também não podia cortar cabelo, nem tomar banho depois de comer porque dava congestão. Não podia apontar para estrelas que nascia verruga, especialmente as Três Marias, que muito tempo depois descobri que fazem parte do cinturão de Órion. Não podia tomar café quente no vento porque a boca ficava torta. Não podia usar Havaianas porque separava os dedos. Não podia comer bolo quente porque dava dor de barriga, e nunca entendi a diferença entre a quentura do arroz e a do bolo, mas por certo a lógica não era o forte nas lendas urbanas.

No campo dos apavoramentos sociais tínhamos o “velho do saco”, pessoas que colocavam drogas nas balas e malucos que colocavam gilete em escorregador. Ou seja, não aceite nada de estranhos, não brinque sozinho no parquinho, não se aproxime de mendigos. Hoje as lendas que rondam a internet são mais pesadas: gatos criados dentro de garrafas, roubo de órgãos em festas, amostra de perfume com éter, coisas assim. Em compensação, é muito fácil desmascarar uma lenda urbana, basta ir ao site www.quatrocantos.com.br ou mesmo no Google e está tudo lá, desmistificado.

Não sei se nossas lendas me parecem mais ingênuas agora, mas tenho certeza que foram marcantes para toda minha geração. Algumas dessas coisas se desmascararam pela entrada em nossa família de outras famílias, que traziam suas próprias lendas diferentes das nossas. Mas o fato é que hoje eu bebo iogurte de pêssego sem medo, tomo banho depois que janto, uso Havaianas. Quanto a comer uvas e melancia, bem, sou obrigado a confessar que ainda não tenho coragem. Como dizia Sancho Pança, Yo no creo em bruxas, pero que las hay, las hay!

Já discuti alguns desses temas em outra postagem, se você quiser conhecer, vai lá.
http://ideiasrecicladas2.blogspot.com/2009/10/vou-bem-obrigado.html

Um comentário:

Marco disse...

Finalmente descobri porque você dispensou a Alexandra....rs