A GREVE DOS GARÇONS
Os eventos
que você vai conhecer agora ocorreram em 2018.
Eram dezenove e vinte
e seis quando Aílson entrou no bar. Seus amigos já estavam lá desde as dezoito,
então ele estava atrasado mais ou menos três rodadas de chope. Mesmo sendo uma
terça-feira, ele e os colegas de trabalho achavam que o dia havia sido muito
intenso, e que mereciam uma bebida antes de voltar para casa. Aílson levantou o braço e com o indicador e o
polegar em forma de pinça, levemente afastados, fez sinal para o Pereira, o
antigo garçom de nariz proeminente, referenciando um código conhecido entre
garçons e clientes que significava dois dedos de colarinho!
Instantes depois,
Pereira veio deslizando entre as mesas, equilibrando a bandeja carregada com
seis copos de chope de colarinhos perfeitos. Fez um gingado com a cintura para
desviar de uma bolsa dependurada na cadeira, com um giro rápido dos quadris
posicionou-se paralelamente à mesa e ao lado esquerdo do cliente. Sacou da
bandeja um copo com a mão direita e pousou-o com maestria sobre a bolacha na
frente de Aílson. Com a mesma destreza retirou uma comanda do bolso, e como um
antigo escriba egípcio, marcou um sinal sobre a comanda que indicava que aquele
sujeito, a partir de agora devia onze reais ao bar. Da mesma maneira graciosa e
acrobática que apareceu, girou sobre os calcanhares e deslizou para as próximas
mesas, sempre com um sorriso no rosto.
Aílson se entreteve
com a conversa dos amigos e tomou seu chope tranquilamente, acelerando um pouco
o passo do meio para o final do copo para tentar alcançar a rapaziada. E quando
terminou o último gole, imediatamente ao largar a tulipa sobre a mesa levantou
o braço, fazendo um breve movimento com a cabeça em busca do Pereira. Mas ele
não estava lá. Do outro lado do bar uma loira também procurava um garçom. E por
alguns instantes Aílson continuou procurando qualquer outro garçom, fosse o
Amaral, o Carlinhos ou mesmo o Miguel, este muito lento e sem aptidões para a
profissão. Mas não havia nenhum deles por ali. Uma suposição percorreu sua
mente, dessas que passam pela cabeça da gente em bares, imaginou que talvez
eles estivessem lá na cozinha em um briefing preparando-se para o movimento da
noite, e lembrando-se ele mesmo do briefing da tarde de hoje na sua seção do
trabalho teve ainda mais vontade de beber.
Impaciente, Aílson
levantou-se. Girou ao redor do próprio corpo, os amigos perguntaram o que era,
imaginando que a gostosa de vermelho tinha passado outra vez para ir ao
banheiro. Mas não era isso. Então ele voltou a sentar e reclamou que não havia
porcaria de garçom nenhum no bar. Ninguém deu muita importância para a
declaração, até que o Costa resolveu tomar mais um.
Foi a vez de o Costa
levantar o braço e girar a cabeça pelo salão percebendo o que Aílson percebera
há alguns instantes atrás, que não havia porcaria de garçom nenhum. Ele queixou-se. Alberto
também reclamou. Aílson se sentiu fortalecido e decidiu representar o grupo indo
até o balcão para reclamar. No caminho entre as mesas percebeu muitas mãos
levantadas, alguns acenos para ele, que vestido com uma camisa branca e calças
pretas ficara parecido com o Pereira.
Ao chegar ao balcão do
bar perguntou para o barman onde estavam os garçons. O barman estava ocupado
lavando copos e conversando no whatsapp e respondeu que era sempre assim,
quando a gente mais precisava deles, eles desapareciam. Aílson não se
incomodou. Pediu quatro chopes e entregou a comanda ao barman que o serviu e
marcou ele mesmo os quatro pauzinhos no papel. Somados ao primeiro, significava
que agora o cliente devia cinquenta e cinco reais ao bar.
Aílson retornou à mesa
e distribuiu os chopes. Já que não havia garçom, revezaram-se algumas vezes até
o balcão, e ao final da noite pagaram as comandas diretamente no caixa, sem
qualquer cerimônia. Ele voltou para casa de Uber, ainda pensativo no que havia
acontecido no bar naquela noite e o que havia acontecido com os garçons. Como
qualquer bêbado, teve muitas ideias incríveis e fez uma ótima teoria da
conspiração, pena estar sozinho, pois estava na medida certa da bebedeira para
fazer uma daquelas combinações de viagem que jamais vão acontecer, como
conhecer o Himalaia, ir à próxima Copa do Mundo, ou mergulhar numa ilha
incrível que alguém postou no Pinterest.
No dia seguinte o
mundo seguiu seu curso. Já eram onze e quinze da manhã e ninguém na repartição
tinha tomado um café. Qualquer um que trabalha no governo ou num banco sabe que
o gerente geral, o coordenador, os assessores e os analistas podem morrer, mas
se o tio do café não aparece, o caos está formado. O Secretário de Administração
mandou chamar a coordenadora geral de serviços para perguntar onde diabos
estavam os garçons que ele ainda não havia tomado nenhum café naquele dia. Ela
também não sabia. Mandou um subordinado até a copa, onde as copeiras,
vigilantes e o pessoal da limpeza reuniam-se ao redor de uma tela de televisão.
O subordinado perguntou o que estava acontecendo, e os terceirizados informaram
que não se falava em outra coisa na TV que não fosse a greve dos garçons. Um
frio percorreu a espinha do subordinado. Ele sabia que o mensageiro sempre
morria quando levava más notícias.
E foi assim que
começou. Todos foram apanhados de surpresa com a greve dos garçons, inclusive o
governo. Naquele mesmo dia a imprensa começou a falar na greve e em suas
consequências, no desabastecimento, no aumento da gorjeta, nos garçons piratas,
na falta de chope e na queda da produção de aves para o frango a
passarinho. Na falta de informações, ouviu especialistas que preenchiam as
lacunas falando qualquer bobagem, julgar o que ouve nos telejornais não era
exatamente o forte da população.
No terceiro dia da
greve os supermercados começaram a perceber um movimento atípico. Uma grande
afluência de consumidores da classe média começou uma migração às compras.
Carrinhos lotados e grandes filas nos caixas.
Os primeiros produtos que despareceram das prateleiras foram água
engarrafada sem gás, papel higiênico, sabão para máquina lava-louça e salmão
congelado. A mídia adorou a novidade. Preencheu suas colunas com fotos de
prateleiras vazias sob títulos catastróficos como “Greve dos garçons pode vir a
causar desabastecimento”, ou “Queda no PIB pode se dever à greve dos garçons” e
“Fritas podem estar com os dias contados”. Tudo no tempo verbal que na língua
portuguesa chamamos de Futuro do Presente Composto, ou de uma maneira mais
coloquial, palpitando sobre o que pode acontecer sem ideia nenhuma do que realmente
pode acontecer. Mas o importante era gerar notícia. Isso aumentou o medo da
população com a possível falta de alimentos e incrementou a venda nos
supermercados. Em menos de uma semana de greve o preço de uma bandeja de inox
já havia subido setecentos por cento. No Mercado Livre, uma gravata borboleta
antes anunciada por três e quarenta e nove agora já valia duzentos e cinquenta reais.
Os analistas nos canais de notícias e na internet continuaram incentivando o
caos, mas ninguém parou para analisar qual seria a provável relação entre
garçons e falta de alimentos nos supermercados.
Alguns bares e
restaurantes permaneceram atendendo, mesmo diante da enorme crise que tomava
conta do país. No início, as filas para almoçar começavam por volta das seis da
manhã. As pessoas deixaram de ir trabalhar para esperar a hora do almoço nas
filas. Algumas pediram férias para poder ficar na fila e cumprir seu horário. Mães levavam crianças de colo e
exigiam o direito preferencial, e desvendou-se um curioso mercado de uso de
idosos como marcadores de local na fila. Ainda que muitos insistissem, alguns
dos estabelecimentos fixavam cartazes dizendo que somente serviam marmitas para
levar se a marmita tivesse o selo do Inmetro.
Isso ocasionou um
enorme problema para o Inmetro, pois não havia uma norma para marmitas. Uma
emenda parlamentar foi votada às pressas no Congresso e instituída uma comissão
para executar a norma em tempo recorde. Cada partido indicou dois
parlamentares, e o orçamento da União foi alterado para comportar este novo
custo. À noite, um dos idealizadores da comissão apareceu num jornal nacional de
grande abrangência territorial exibindo um sorriso triunfante no rosto
afirmando que a ideia era sua. A norma ficou pronta em menos de setenta e duas
horas, e custou cerca de nove milhões aos cofres públicos, mas isso não era
relevante, segundo informava o governo em seu bom e velho gerúndio, o
importante era que a questão das marmitas estaria sendo resolvida.
Ninguém teve paciência
de ler as duzentas e trinta e três páginas da Norma das Marmitas, na verdade,
ninguém conseguiu passar das vinte e cinco primeiras páginas onde somente eram
“definidos os conceitos utilizados nesta Norma”.
Não estando a questão
das marmitas bem resolvida, a população apelou para a criatividade, e
criatividade neste país significava pirataria. Em alguns dias as marmitas
alternativas já circulavam ostentando um selo do Inmetro em holograma, mas que
na verdade eram fabricadas no acesso três do Morro do Alemão no Rio de Janeiro.
A Polícia Federal iniciou uma investigação para apurar os envolvidos, mas nunca
conseguiu vencer uma hipótese de que teria sido um ex-presidente comunista quem
havia desenhado o selo para as marmitas. A tese foi criada por uma revista de
grande circulação nacional sem prova nenhuma, e suportada por procuradores e um
juiz federal do sul do Brasil, mas depois de algum tempo, quando foi provado e
comprovado que nada disso era verdade, ninguém mais lembrava como o assunto
começou e a revista se calou.
Quando a crise parecia
não ter fim, os comissários e comissárias de bordo, avaliando a similaridade
entre o seu trabalho e o de garçons, optaram por declarar apoio irrestrito à
greve e decretar também eles sua greve por tempo indeterminado. Assim, ao final
da primeira quinzena a sociedade já enfrentava um de seus maiores desafios
desde a superação da goleada de sete a um sofrida da Alemanha.
Com os aeroportos
fechados o governo entrou em colapso. Como era junho, os parlamentares não
poderiam ir até suas bases participar das festas juninas e nem seus netos
podiam ir para a Disney. Sessões de emergência foram convocadas, e uma dispensa
de licitação foi aprovada por quase unanimidade do parlamento autorizando a
contratação de jatinhos particulares diante da iminente crise institucional do
país justamente em pleno mês de junho e véspera da Copa do Mundo. Falta de
comida nos supermercados, ninguém tomando caipirinha numa mesa de bar, zero
pastéis de carne e queijo, nenhum kibe, tudo isso era suportável, mas deixar de
participar das festas juninas era muito sacrifício para os nobres
representantes do povo.
Na terceira semana
diminuiu a oferta de estabelecimentos que podiam atender sem garçons. Mesmo as
lanchonetes tipo pé-sujo, que nunca tiveram garçons, agora aumentavam o preço do ovo em conserva em trezentos por cento por culpa da crise. Naqueles locais
que ainda atendiam, formavam-se filas quilométricas que duravam dias e dias.
Mas com o aumento da tensão e o insuflamento do pânico pela mídia especializada
(sim, agora havia uma mídia especializada em greves de garçons) os ânimos foram
se acirrando, e a Força Nacional teve de ser convocada para conter a onda de
violência que se alastrava nos bufês de quilo. Pessoas agredidas com vinagrete
nos olhos, colher de pau na orelha e queimaduras de costeletas ao molho
barbecue chegavam constantemente aos hospitais da rede pública. Muitos
estabelecimentos fixaram cartazes onde se lia “O estabelecimento reserva-se o direito de cobrar a comida desperdiçada em brigas
pessoais”.
Para ajudar a conter a
onda de violência uma nova norma foi baixada pela vigilância sanitária
proibindo nos bufês cenouras inteiras, comida quente e o uso de facas em bares
e restaurantes. A população, em especial a classe média, correu para os
supermercados e atacadões para comprar as últimas facas antes da proibição, e
mesmo que a proibição fosse somente em bares e restaurantes, uma colher que
antes custava dois reais passou a ser vendida no mercado informal por até
duzentos reais.
Nas ruas a violência
aumentava. Muitas lojas começaram a ser saqueadas e o exército foi convocado a
patrulhar as ruas centrais de algumas capitais. Os analistas de internet e os
especialistas de coisa nenhuma das redes sociais se calaram diante do fato,
porque ninguém, nem mesmo o escritor mais criativo, era capaz de conseguir
inventar qualquer ligação entre um chope que demora para ser servido e o roubo
de uma smartv de 65 polegadas na véspera da Copa do Mundo.
Quem não se deu por
vencida foi a classe média. Afinal, ela havia se acostumado com seus privilégios
e não queria abrir mão disso de jeito nenhum. Não seria meia dúzia de garçons que
só tinham ensino médio que iriam acabar com todas as conquistas que ela tivera
com o próprio esforço, sem ajuda de ninguém e sem depender de esmola nenhuma do
governo. Garçons piratas começaram a inflacionar o mercado de festinhas de aniversário de
crianças e jantares do Rotary. Um garçom mediano podia ser contratado a mil
reais por quatro horas. Enquanto um garçom com luvas brancas e vestimenta
completa valia cerca de três mil, o mesmo
garçom se tivesse cabelo grisalho podia cobrar até cinco mil. Em pouco
tempo sites especializados em eventos publicavam dicas de como contratar o
melhor garçom no mercado alternativo, ou como saber se sua festa bombou
considerando o desempenho dos garçons. No Facebook, socialites se exibiam em
selfies abraçadas em garçons, as vezes mais de um, quanto mais garçons na foto,
maior a popularidade. Na análise política sempre qualificada da classe média
ascendente, todo o problema estava nesse mimimi de direitos trabalhistas, nessa
bolsa esmola que fazia as pessoas pobres deixarem de trabalhar e naquele
ex-presidente comunista que, graças a Deus, e em nome da família, estava preso.
Melhor mesmo só se os militares interviessem para acabar de uma vez por todas
com esta pouca vergonha. Bom mesmo foi sessenta e oito.
Na mídia a discussão
se ampliava. Agora outros especialistas em coisa nenhuma começavam a debater a
formação do preço da gorjeta. As correntes principais consideravam se o governo
devia intervir ou não no preço da gorjeta, e se valia a pena privatizar os
bares e restaurantes. E quando alguém parou para pensar e argumentou que bares
e restaurantes já eram privatizados, levou uma grande vaia cibernética seguida
de uma série de comentários que sugeriam sua ida para Cuba.
O debate ressoou nas
redes sociais, e em algum momento houve uma forte polarização entre quem era a
favor da gorjeta e quem era contra. Os grupos tornaram-se antagônicos, e
grandes bolhas de ideias se formaram. Os diferentes não conviviam mais uns com os
outros tornando impossível o diálogo, e a sensação de qualquer um dos lados era
de que o outro lado não existia ou representava uma minoria mentalmente
incapaz. As fazendas de postagens eletrônicas da Rússia e Coreia viram o Brasil
como um grande cliente e os trolls se multiplicaram. Pequenos movimentos
reacionários aproveitaram o cenário de confusão e ignorância coletiva para se
autopromoverem. O Movimento Garçons Livres – MGL, surgiu do nada trazendo um
menino mal desmamado como representante oficial do povo, autodesignado por ele
mesmo (sic). Organizaram-se passeatas contra o governo e um balão gigante de
borracha imitando um chope foi inflado em plena Avenida Paulista em São Paulo.
E então o governo
decidiu que bastava! Preparou uma grande negociação e fez uma oferta
irresistível aos garçons. Os garçons aceitaram a proposta e a mídia comemorou.
Fim da greve! Só que não. No seu afã de resolver o problema o governo conversou
com pessoas que não representavam os garçons em greve. Uma nova crise
institucional se instalou. As filas em restaurantes eram cada vez maiores. Alguns
prefeitos decretaram estado de calamidade pública, um instrumento
constitucional que permite não pagar o salário a professores, médicos e ao
pessoal da saúde, além de considerar justo o calote das prefeituras nas dívidas
federais.
Com o fracasso das negociações
do governo os pré-candidatos à presidência começaram a se manifestar em apoio à
greve. Um senador mimado filho de uma tradicional família brasileira também
pensou em se manifestar, mas suas ideias viraram pó. Surgiram grupos de whatsapp
em apoio e em repúdio à greve, e num domingo de manhã, entre famílias,
ciclistas e crianças que passeavam em Ipanema, uma moça apareceu totalmente
nua, com o corpo pintado com as cores da bandeira do país, sambando em
sandálias de salto alto e pedindo a volta da moralidade.
O governo voltou à
carga. Decidiu conversar com os manifestantes outra vez e agora resolveu ir até
o reduto da manifestação. Mas na hora de entrar para a reunião só havia dez
lugares e haviam muitos líderes do movimento, então o governo decidiu que só
entrariam sete. Na reunião, além de todo o estafe do presidente estavam também
as pessoas selecionadas pelos assessores: cinco sindicalistas representantes
dos grevistas, um vendedor de algodão doce que tinha vendido quase nada, e dona
Célia, que estava por ali de passagem e segurava um cartaz pedindo a
intervenção militar conforme lhe pediu um rapaz muito simpático que queria uma foto de impacto para o jornal.
Ao final da reunião o
governo divulgou os três pontos da discussão: aumento de 50% no valor da
gorjeta (que ele prometia que em hipótese alguma seria repassado aos
consumidores) e aumento de 10% no preço do algodão doce. O terceiro ponto da
discussão era proibir o vizinho da dona Célia de tocar funk ostentação até
altas horas da noite, assunto que chamava muito a atenção dela ultimamente.
Como era de se
esperar, a negociação não triunfou, e passados cinquenta e cinco dias de greve
o presidente finalmente ficou sabendo que havia uma paralisação. Foi no mesmo
dia em que descobriu que tinha o maior índice de rejeição da história da
política. Os assessores sugeriram que o exército fosse chamado para acabar com
a greve. Aborrecido, o presidente determinou que a greve fosse encerrada pelo
exército imediatamente, mas levou mais dois dias para ele entender que a greve
não era do exército, mas que o exército seria chamado para acabar com a greve.
O assunto foi parar no supremo tribunal federal, que pelo currículo de seus
integrantes estava mais para diminuto tribunal federal. Mas os sujeitos
vestidos de Batman não conseguiram chegar a um consenso. Uma hora estavam de um
lado, outra hora estavam do outro. E o supremo foi apelidado de musgo, porque
sempre ficava em cima do muro.
Passados três meses do
início da greve dos garçons o país estava metido em uma guerra civil sem
precedentes. Mas um dia, numa declaração emocionada no youtube, o Pereira, aquele
garçom de origem humilde, pediu o retorno de todos os colegas ao trabalho. Ele
estava com saudade de deslizar graciosamente entre as mesas com sua bandeja de
chopes, de ser chamado de parceiro, amigo, companheiro, sangue bom, camarada,
capitão. Queria estar de novo entre as risadas altas, as discussões de futebol,
os bêbados chatos e as gostosas de vermelho. Não aguentava mais ficar em casa
olhando o Facebook e assistindo um jornal nacional numa rede de televisão de
grande abrangência territorial. A internet foi solidária com o Pereira, e milhares
de vídeos de apoio chegavam a cada minuto. A expressão "Somos todos
Pereira" viralizou na internet, e uma rede de rádio fez um programa
especial de reportagem sobre esse sujeito originado do povo. Carros apareceram
na rua com pintura nos vidros dizendo "Pereira Vive". Nos camelôs de
todo o país camisas com a foto de Pereira eram vendidas por vinte reais.
Pereira foi cotado como possível candidato à presidência para unir o país e foi
capa de uma revista. Todos estavam emocionados. A gorjeta agora era de 50% e obviamente quem pagava a conta era o povo, mas o povo estava feliz outra vez! E
assim, com a massa dominada, tal qual começou sem motivo, a greve, sem motivo, terminou.
Os eventos narrados
aqui ocorreram em 2018.
2 comentários:
Excelente. Parabéns.
Gostei imensamente, amigo.
Muito bom como sempre Marcelo.
Abraço!
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