sábado, 3 de julho de 2010

Homo Invisibilis

No MSN tem uma opção onde a gente pode ficar Invisível. Pelas mãos de H.G.Wells ser invisível já rendeu muitas coisas boas na literatura quando um físico se tornou um vilão terrível numa pacata cidade do interior. No seriado de TV (lembra do loirinho com cabelo de Príncipe Valente?) o doutor Daniel Westin se mete em grandes aventuras ficando invisível ao retirar sua pele sintética e sumir no vazio. Depois foi a vez do cinema, um criminoso que aceita participar de uma experiência e implanta uma glândula artificial em seu corpo que o deixa invisível quando o nível de adrenalina sobe...lembram? O cara quase surta. Finalmente em Quarteto Fantástico Susan Storm também tem a habilidade da invisibilidade, pensando no corpaço da Jessica Alba fico imaginando que seria uma tragédia uma mulher dessas ficar invisível.

Na vida real também ficamos invisíveis. Qualquer um de nós experimentou a sensação desconfortável de não existir. Em minha opinião somos todos invisíveis em determinados lugares. As salas de espera de Emergências em hospitais são o principal agente da invisibilidade e em esperas de consultórios isso pode se agravar. Chegamos dez minutos antes do horário marcado de comum acordo entre médico e paciente (talvez por isso o nome seja paciente...), preenchemos a ficha, não pedimos desconto ou fiado. Nos sentamos e a invisibilidade chega. Como era de se esperar, pacientemente esperamos nosso estado de visibilidade voltar ao normal. O médico abre e fecha a porta, mas nunca é a nossa vez. E em determinado atmo de tempo (isso existe?) recuperamos nossa visibilidade e perguntamos quando será nossa vez - ou se vai demorar muito - e logo estamos invisíveis de novo, esperando pelo médico que se atrasou porque a menina gostosa com amostras grátis do laboratório entrou na nossa frente.

Também ficamos invisíveis em restaurantes. Mas aí não é uma habilidade só nossa, os garçons tem seus poderes extraordinários também. Com seu incrível olhar de raio-x eles ultrapassam nossas mãos erguidas, guardanapos agitados, seus ouvidos ignoram nossas palavras de "mestre", "parceiro", "sangue bom", e a invisibilidade toma conta de cada corpo na mesa. Na praça do garçom mau humorado somos nada. Ocupamos um espaço nas cadeiras, mas não podemos ser vistos. A conta não vem nunca, tocada por nós, transformou-se também em invisível. Como se fossemos uma espécie de Rei Midas da imaterialidade, nosso toque tudo faz desaparecer, não estamos mais ali para o garçom que vai e vem hábil entre as mesas com seu olhar selecionador.

Já fui invisível na noite vestido com minha melhor roupa, em bares, boates, no trabalho. Desapareci como todos no ponto de ônibus, na fila do banco, sendo ultrapassado por algum mal educado na fila de qualquer coisa. Me desmaterializei numa reunião onde ninguém me ouvia falar, ou na sala de aula com algum professor desinteressado na faculdade que ignorava nossa presença de alunos.

Mas de tudo, o que mais me assuta é a invisibilidade social. Caminhamos pelas ruas das grandes cidades olhando para o vazio. Passamos por esfomeados, desiludidos, desamparados, mas não vemos nada. A miséria humana se tornou invisível aos nossos olhos. Não temos mais coração frágil para crianças abandonadas, ou velhos sem teto, mendigos imundos, meninas perdidas. Os invisíveis sociais não demandam nada. São simplesmente olhos que nos seguem da sombra da transparência urbana, pedindo quase nada, equilibrados no fio da navalha entre a sociedade e o vazio do mundo material. Até quando vamos continuar fingindo que eles não existem não sei, mas tenho certeza que a luta pela erradicação da pobreza e miséria precisam continuar neste país. Avançamos bastante, mas ainda há muito a fazer. Nós brasileiros fomos invisíveis aos governos que se passaram e finalmente agora vamos recuperando nossa materialidade aos poucos.

Como H.G.Wells ou Susan Storm ou o Doutor Daniel Westin, talvez um dia a invisibilidade possa ser controlada. Melhor se juntos a tornarmos desnecessária. No final das contas, espero que eu não me torne invisível com esta postagem no mar infindável de textos da internet.

3 comentários:

Anônimo disse...

Marcelo, os quarentões, cinquentões etc. também se tornam invisíveis às moças que, por sua vez, enxergam cada vez pior. Uns tornados transparentes e tantas outras ficando cada vez piores da vista. RonaMota

Anônimo disse...

Marcelo, sabe a invisibilidade que eu já começo a experimentar? A da idade. Pessoas mais velhas tornam-se invisíveis. A romancista francesa Benoîte Groult ("Um toque na estrela"), relata: "E disso que vamos morrer: de uma enorme indiferença." +zé

milton reis disse...

sempre muito bom marcelo. adoro 'te' ler.
estás morando onde?