sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

TOYS ARE US
Sempre gostei de brinquedos que falavam comigo. Não esses em que bastava apertar um botão para ouvir uma frase pronta, mas aqueles silenciosos que me deixavam usá-los e falar por eles. Havia os brinquedos em que tudo o que se tinha de fazer era apertar um botão, girar uma alavanca ou pressionar uma tecla para que brincassem sozinhos. Brinquedos egoístas, independentes, cuja alegria e o divertimento estava dentro deles mesmos. Nunca tive desses que achavam a presença de uma criança um fardo. Tenho a sensação de que um brinquedos assim devia suspirar em seu íntimo de plástico algo como “que chatice, lá vem aquele garoto me apertar outra vez", e depois disso, apertado o botão correto, o brinquedo saia brincando sozinho, como se o menino jamais existisse, e os olhos iam seguindo o objeto, muito mais na inércia do que na imaginação. Sempre preferi aqueles que dependiam de mim para serem felizes. No tempo em que matar índios era divertido e incentivado, minha cavalaria, comandada pelo invencível general Custer (que depois descobri que foi massacrado em Little Big Horn) caçava até o ultimo índio que rondasse o tapete oval da sala. Não satisfeita, a cavalaria chamava o exército, e os pobres índios nao tinham mais vez. Também havia os animais selvagens, que meus soldados caçavam pela selva, animais sempre rebeldes que queriam destruir o acampamento dos pobres soldados. E não havendo índios, cavalos de plástico, soldados ou pistoleiros, eram latas, tampas, potes, cones de lã. Tudo o que pudesse ser algo mais do que era, brinquedos com os quais eu imaginava, conversava e que me respondiam. Respondiam com aventura, com empolgação, com criatividade e ficção. Eram bons amigos. Hoje os brinquedos bastam em si, para a geração de pequenos gênios e espetaculares crianças prodígio, uma tela touch já é o suficiente. Basta alguns apertões na sequencia correta e muitas cores explodem na tela, aventuras, bonecos animados. Mas quem brinca é o brinquedo, não a criança. É como se alguém comesse o churrasco por vc: vc sente o cheiro, vê a textura, observa o corte perfeito, mas não mastiga nada. Espero que um dia essas crianças tenham imaginação suficiente para solucionar os problemas do mundo, pelo menos alguns, porque a minha geração, com toda nossa criatividade e expostos aos mais complexos problemas físicos e mecânicos do cotidiano, não fomos capazes. Se piorar, sempre haverá a chance de recomeçar a grande brincadeira da humanidade, basta pressionar um botão.