segunda-feira, 30 de junho de 2008

Fallingwater

O post de hoje é dedicado aos meus amigos arquitetos, aleatoriamente espalhados pelo Brasil e algumas cidades do mundo: Aline Figueiró, Paulo Ricardo Bregatto, Gabriel Gallina, Luciano Andrades, Marcelo Calegaro, Melina, Gustavo Cantuária, Márcio Viana, Carol, Rochelle, Reinaldo, Peri, Alfredo Lay, Rosa, Ghíssia, Antonio Amado, Soraluce, Massimo, Andrey Schlee, Milton, Marcelo Botelho, Andrea, Suzete Bonfim, Sylvia Ficher, Jayme Wesley, Raul Hofliger, Glorinha, Pedro Vieira (que tem um coração de arquiteto), Guga, Julia, Schumi, Eduardo, Vanessa, Eleudo, Patrícia, e ao Manel, de La Coruña, que me deu a idéia de visitar Fallingwater em sua meteórica passagem por New York e dois emails que trocamos. Fallingwater é aqui!
Quando Frank Lloyd Wright chegou em Chicago em 1817 vindo do interior da Pennsylvania, carregava somente sete dólares no bolso e nenhum lugar para morar, mas queria fazer arquitetura. Tornou-se um arquiteto respeitado e reconhecido, mas não um superstar. Aos sessenta e sete anos estava seguro de que Fallingwater seria a obra que o preservaria para sempre, tão seguro que quando Kauffman começou a questionar os planos da casa, não hesitou em enviar uma carta onde iniciava dizendo: “Você parece esquecer tudo o que eu disse sobre construir uma casa extraordinária, sob extraordinárias circunstâncias, eu sei o que estamos para fazer e me recuso a iniciar até que você possa ver o que eu vejo”. Kauffman aceitou a aposta e bancou a casa que iria entrar para a história, eleita pela AIA como a Casa Mais Importante da História da Arquitetura.

Na semana em que completei 45 anos de idade, conheci Fallingwater.

Sexta-feira, 13 de junho, início do Scary Weekend para os americanos, mas não para mim. As 9p.m. peguei um avião de New York para Washington DC. Desembarquei e aluguei um carro no próprio aeroporto, fui para o hotel reservado, pedi uma pizza pelo telefone porque o service room estava fechado, comi e dormi.

As 4:30a.m. acordei e saí de carro em direção a oeste, a partir do Distrito de Columbia, passando por Maryland e mudando de direção para Norte na Pennsylvania, através de uma floresta chamada Ohiopyle. Subi até 2670 metros acima do nível do mar por uma estrada asfaltada e estreita, sinuosa e deserta, corcoveando entre as árvores, para um lugar cortado por um rio bem estreito, conhecido por Bear Run que deságua sobre pedras acinzentadas formando uma cascata ao lado da casa mais famosa do mundo. As 8:36am de 14 de junho de 2008, entrei à esquerda em um acesso solitário, marcado por uma placa de pedra onde se lia em letras escavadas, Fallingwater.

Fallingwater é aqui!

 

Existem três tipos de tours para visitar a Casa da Cascata. O brunch tour oferece um café da manhã no terraço principal uma vez por dia as 9 da manhã de domingos, e não consegui comprar porque está vendido até o final do ano. O Regular Tour permite visita somente ao master bedroom e à sala principal, bem como o exterior, mas não permite fotografias internas. O In-depth tour precisa ser agendado com antecedência, aceita até oito pessoas, ocorre duas vezes por dia as 9ame 4:30pm e permite visitar e fotografar todos os cômodos da casa, inclusive o porão, cozinha, casa de hóspedes e banheiros. Por isto era importante chegar antes das 9am, comprei o tour um mês antes por telefone quando uma senhora muito simpática e pacienciosa me encaixou na lista ao saber que era arquiteto brasileiro. Era minha única cartada. Tudo correu bem, e ainda cheguei a tempo de tomar um café no centro de visitantes (de onde propositalmente não se consegue avistar a casa) e comer torta caseira de strawberry recém saída do forno.



Os guias são atenciosos, mas não focam só na arquitetura. Senhoras e senhores de idade avançada que contam como era a vida na casa, doada pelo filho de Kaufmann para o departamento de conservação da Pennsylvania antes de morrer de modo a preservar o que ele considerava ser a melhor casa do mundo. Depois de Fallingwater a carreira tardia de Wright decolou. Capa da Time Magazine, tema de livros que pesquisaram as Prairie Houses e descobriram o arquiteto que ele sempre foi, inúmeros artigos em jornais norte-americanos. Daí seguiu-se o convite para o Guggenheim em New York, outra obra prima que ele não viu terminada quando morreu aos noventa e dois anos.

Levei dias para me atrever a escrever este post, é muito difícil descrever o que senti lá. A pressão de estar em Fallingwater, os detalhes, o conjunto, as esculturas, os móveis, o piso e o teto, as janelas e escadas, os planos e vãos, a luz, o ronronar da cascata e o verde sufocante das árvores emolduradas pelos vãos das janelas não poderiam ser descritas nem em mil imagens, que dirá em mil palavras. Tudo que vimos ano após ano sobre Fallingwater nos livros é melhor, mais adequado, mais profundo e mais impactante ao vivo.

 

A casa realmente participa da floresta e a floresta é parte da casa, mas cada um em seu espaço, interno e externo. Os espaços não se invadem, mas se comunicam, a casa atesta que é uma construção humana e a floresta permanece natural. Exatamente como está escrito em qualquer livro, o Unitarismo de Wright onde o detalhe e o todo são um só, salta aos olhos. Arquitetura é design. Arquitetura é espaço. Arquitetura é conceito.

A sala de estar é fascinante, com uma grande lareira e sofás baixos longos e aparentemente confortáveis (não se pode sentar ou tocar nos móveis, obras de arte e objetos de design), me imaginei com meus amigos trocando conversa noite adentro embalados ao gosto do vinho e ao som da cascata. Como os Kauffman devem ter sido felizes naquele lugar cheio de energia positiva! A cozinha é pequena e acolhedora, com detalhes de janelas de canto sem caixilho, acabamentos perfeitos de vidro contra vidro criando arestas muito finas, do outro lado, o vidro entra pelas paredes de pedra sem baguetes.

 



Os dormitórios têm uma escala intimista, permitem que cada um desenvolva sua individualidade, mas ao mesmo tempo se integram por passagens, varandas e visuais. A casa é coletiva, essa é a percepção. É uma casa para conviver, uma casa de descanso, de restabelecer o equilíbrio, ela mesma se equilibra com o bosque. Os espaços coletivos se sobrepõem e são convidativos. E quando o momento é pessoal, a arquitetura entra em ação e os locais de descanso enquadram as melhores visuais da floresta e possibilitam a contemplação.

Uma escada leva para lugar algum, mas fica perfeita na composição. Uma escada se desenvolve na escuridão e após um corredor com pouca luz, o dormitório do casal resplandece na luz limpa da altitude. Todos os efeitos são calculados.
  

Pelo lado de fora os planos se multiplicam, e perde-se a noção de onde interceptam o quê. A casa invade a floresta e se deixa emoldurar. O som da cascata continua, mas por incrível que pareça, o som contínuo e uniforme acalma.O rio corre devagar neste platô e escorre por debaixo das varandas e sob a ponte que dá acesso à casa. As vigas desviam seu curso para perpetuar as árvores, as pedras se empilham para criar colunas.

E na escala global Fallingwater se encaixa de uma maneira na paisagem que ela parece grande e pequena ao mesmo tempo. Dependendo do ângulo de onde se está percebe-se uma dimensão diferente. Wright sabia o que estava fazendo, e o local onde ele costumava sentar-se com o proprietário para explicar o que estava acontecendo, transformou-se no miradouro oficial da casa, de onde se tem a vista mais famosa de todas, onde sentei para uma foto, com o sorriso do tamanho de Ohiopyle.

Wright e a Casa da Cascata são legendários para nós arquitetos. Crescemos e nos formamos admirando suas obras e não entendendo sua vida pessoal turbulenta. A visita a Fallingwater foi uma emocionante viagem que me tirou do chão durante quatro deliciosas horas em que me conectei com cada pedra. No ano em que completei 45 anos de idade, fiquei frente a frente com o mito da cascata, e descobri que os arquitetos tem ainda muito o que aprender.

domingo, 22 de junho de 2008

Aniversário



Sexta-feira foi meu aniversário. Quando eu era criança, faltava a aula nesse dia, e quando comecei a trabalhar, faltava ao trabalho. Sempre fiz isso, ficava fazendo coisas mais divertidas ou não fazendo nada em casa. Pela primeira vez em todos esses anos não deu para faltar ao trabalho e tive que trabalhar no dia do meu aniversário. Em compensação, almoçei no A.J.Maxwell´s (57 W 48th St), considerado um dos dez melhores steaks dos mundo. A conta foi cara, muito cara, mas a proposta era experimentar um pouco da NY inacessível. Á noite peguei o trem e fui para o Greenwich Village. Jantei num italiano chamado Cafe del Mare (89 Macdougal St) onde um garçom gordinho reclamou porque coloquei queijo ralado em cima do risoto de camarões e cogumelos. Acho que por causa do nome do restaurante, pensei bastante sobre Santa Maria del Mar em Barcelona, a catedral que inspirou Le Corbusier a pesquisar uma nova luz para Ronchamp. Dali saí para um bar com música ao vivo chamado The Bitter End (149 Bleecker St), que como diz o nome (Amargo Final) fica aberto até bem tarde de madrugada. No Bitter a banda toca por cerca de uma hora e depois é substituída por outra. Isso acontece a noite toda. Ouvi várias bandas e tomei várias Budweiser, sempre lembrando de deixar sobre o balcão um dólar para cada cerveja para a bartender. Voltei de táxi para casa e o resultado foi dormir no domingo até as onze. NY é um bom lugar para comemorar o aniversário.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Robie House

Fui à Robie House, uma das Prairie Houses mais conhecidas. Lá me impressionei com o trabalho de tijolo e como Wright ordenou que as juntas verticais fossem feitas com argamassa com corante de pó de tijolo, a fim de que as linhas horizontais da casa se sobressaíssem aumentando o efeito da horizontalidade. Algumas das suas criações se repetem com maturidade na Robie, completada em 1910. Volumes avançados e espaços dentro de espaços. As cadeiras de espaldar alto ao estilo Mackintosh formam uma amurada ao redor da mesa de jantar, desníveis marcam o local de encontro ao redor da lareira, o ambiente de estar é voltado para a visual das pradarias (hoje tomadas por prédios da Universidade). Wright criou para si mesmo o logotipo do círculo e o quadrado e reproduziu essa imagem em todos seus projetos de alguma forma. Na Robie House são as jarnineiras da entrada principal. Quando se está dentro da casa é que se percebe que ela não é contemporânea. O mobiliário e a decoração são do início do século XX, quando a eletricidade recém estava chegando, os automóveis eram um luxo (Robie tinha 2!), algumas divisões internas eram feitas com cortinas, e a estética dominante eram os modelos rebuscados da França. O hall de acesso é como uma casa de vó, com retratos amarelados nas paredes, sancas de gesso em desenhos que reproduzem frisos gregos, um verde pesado nas paredes salpicado com pequenos desenhos feitos com estêncil. É proibido fotografar.






Mas, de repente, a Robie se transforma numa casa do século XX recém inaugurado e avança em conceitos espaciais e formais. Pelo lado de fora, espetacular, parece uma linha do horizonte em tijolos, uma peça rara da arquitetura histórica, um retrato sólido do talento do arquiteto da América. As esquadrias tem um ar de novidade, bem ao Art Nouveau que chegava, um protomoderno (como diria Soraluce) indiscutível. Wright sabia para onde estava indo, estava caminhando lentamente na construção de uma identidade. Naquele mágico instante em que entrei na casa, parecia que voltava ao século XIX, mas alguns degraus depois estávamos outra vez nos salões repletos de mulheres fumando, com o barulho dos novos motores na rua e o som do jazz negro avançando sobre os brancos novos ricos na região dos Grandes Lagos.

Infelizmente a Robie estava em restauro e não era permitido fotografar, mas ficaram na memória cada detalhe, cada ambiente, cada parede descascada. Dizem que as paredes não tem ouvidos e nem podem falar, mas os sussuros que os tijolos vermelhos de Wright sopraram, me fizeram entender um pouco mais de seu talento e seu espírito inovador, nas pedras vermelhas da Robie, mais uma vez pelas mãos de Wright, reencontrei o sentido da arquitetura.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

The Harlem

Essa semana uns bons amigos de Brasília vieram para New York. Marcamos um encontro na sexta à noite e jantamos juntos no Chow, um restaurante de moderna cozinha Tai, com uma ótima comida em um ambiente cheio de gente bonita no Greenwich Village. Depois caminhamos por ali e deixei eles em casa perto da Washington Place, a praça que tem o Arco do Triunfo, onde Bob Dylan começou sua carreira musical cantando em troca de moedas para as pessoas que levavam as crianças para passear. Tentei pegar um táxi para casa, mas foi impossível, a disputa estava fortíssima, era meia noite, e precisei caminhar até o metrô e pegar um trem para casa.


Sábado cada um foi para seu lado (eu e meus amigos) . Fui na Ponte do Brooklyn, uma impressionante estrutura sustentada por cabos com a extensão de mais de 1600 metros. É possível atravessar a Brooklyn Bridge a pé ou de bicicleta de maneira absolutamente segura. A ponte, de 1883, teve sua estrutura recuperada durante a gestão do famoso prefeito novaiorquino Rudolph Giulliani, aquele do Tolerância Zero. Lá de cima pode-se ter boas visuais de Chinatown e do Skyline de NY. Também avistei o Píer 17, e depois desci lá para visitar. Um conjunto urbano do início do século XX, ao lado do Rio Hudson, que mantém as características portuárias, mas foi totalmente restaurado com restaurantes, lojas, espaço de espetáculos e museu.


Domingo marquei de encontrar esses amigos no Harlem para o brunch. O local escolhido foi o Sylvia´s - Queen of South Food, um restaurante tradicional com gospel brunch, ou seja, almoço cedo ou café da manhã tarde, com música gospel ao vivo. O lugar não é muito grande, mas a comida, The Talked About Barbecue Ribs (o falado churrasco de costelinhas com molho barbecue) é muito boa. O som também era legal, uma mistura de gospel americano, soul e Rythm and Blues.


Depois do almoço, uma volta pelo Harlem. Quando Bill Clinton deixou a presidência dos EUA instalou seu escritório em uma área do Harlem para ajudar a revitalizar a região, que já foi uma das mais ricas da cidade e é uma das mais antigas zonas residenciais. A coisa deu certo, o Harlem é um lugar muito tranquilo e movimentado, obviamente não foi só por isto, mas foi uma demonstração de confiança. Mesmo estando nos anos 2000, ainda se sente um pouco a pressão da segregação que ocorreu ali e resultou em manifestações nos anos 40 e violentos conflitos raciais nos anos 60 e 70. Preconceito é um bicho selvagem que vive dentro das pessoas e se alimenta da dignidade dos outros. De resto, o Harlem tem uma arquitetura espetacular para quem curte o ecletismo, totalmente vitoriana, com casas de tijolos marrons e vermelhos, com senhoras bem arrumadas e grandes chapéus indo para a Igreja.



Passamos pelo Lenox Lounge, uma casa noturna de grandes personalidades do Blues e do Jazz, que existe desde 1939 (também é conhecido como Zebra Room) com sua guitarra pendurada na vitrine. Depois pelo Apollo Theater, onde existe até hoje a free wednesday (quarta livre) para amadores se apresentarem e descobridores de talento tentarem ficar milionários. Alguns dos nomes que foram descobertos nessa quarta livre incluem Jackson Five, Marvin Gaye e James Brown, se você não ouviu falar deles, deve ter desembarcado de Marte faz pouco tempo. O Apollo é uma instituição do Harlem. Na esquina da Lennox Avenue, rebatizada de Malcom X Boulevard, o edifício que tomou o lugar da livraria onde Malcom X iniciou suas manifestações por igualdade. Na esquina da Malcom X com a Martin Luther King Jr, não resistimos e tiramos uma foto.



No meio da tarde voltei para casa, o Harlem é legal, dali surgiram movimentos que mexeram com a sociedade e com a cultura, além do conceito de direitos humanos e liberdade a partir do final dos anos 30, novos ritmos que influenciaram a música de diferentes maneiras. Caminhando nas ruas do Harlem, me senti um intruso curioso em um espaço que foi conquistado com muita luta e sofrimento. Pior do que isto, me senti desconfortável em pensar que um dia essas mesmas pessoas foram obrigadas a se refugiarem ali, separadas de outras pessoas pela quantidade de melanina na pele. O Harlem tem uma energia muito forte, mas é um gueto que não precisava ter acontecido. Preconceito é mesmo uma coisa estúpida.

* Esta postagem é de 04 de maio de 2008

terça-feira, 10 de junho de 2008

O Telectroscope

Há alguns anos atrás o artista plástico Paul St George encontrou no sótão da casa de sua avó um conjunto de plantas que explicavam um curioso mecanismo datado do final do século XIX. Tratava-se do Telectroscope, um gigantesco tubo submarino capaz de trasmitir imagens entre Londres e Nova Iorque por meio de uma complexa trama de espelhos. Segundo Paul, seu bisavô, o engenheiro Alexander Stanhope St George teria inventado o mecanismo e gastou toda sua fortuna tentando colocá-lo em prática. Depois de sua morte em estado de insanidade, a criação foi perdida para sempre. Somente após quase um século esquecido em meio a memórias de família abandonadas, as plantas originais foram reencontradas por Paul que iniciou sua empreitada para trazer à vida o sonho do bisavô.


Esta é a história de fundo para a montagem do artista plástico Paul ST George que visitei sob a Brooklyn Bridge em um sábado muito quente. A instalação é uma viagem. Segundo Paul, antigas tubulações que serviam de abrigo para cabos de transmissão por telégrafo abandonadas foram arrendadas para que o telescópio pudesse ser criado nos dias de hoje. O Telectroscope, instalado simultaneamente sob a Ponte do Brooklyn em Brooklyn Heights e sob a Ponte de Londres na Inglaterra, permite que pessoas nas duas cidades possam se ver simultaneamente em tempo real e compartilhar a experiência ao mesmo tempo. O material promocional da instalação é uma espécie de cartaz antigo, cujo slogan é "Quem você vai encontrar do outro lado?"


Mesmo que a fábula contemporânea criada pelo artista plástico seja improvável, o Telectroscope é uma atração divertida, e as pessoas parecem entrar na brincadeira. A gente para em frente ao grande tubo de mais de dois metros de diâmetro e espia para o outro lado. Do lado de lá, em Londres, as pessoas espiam a gente… Não é farsa não, tem gente lá mesmo. As reações variam de pessoa para pessoa e eu, particularmente, achei muito legal. A galera abana ou fica só olhando, como se as pessoas do outro lado estivessem na Lua. O que acontece bastante é que os caras marcam encontro com familiares ou amigos distantes e ficam se falando por telefone celular e se vendo de corpo inteiro. Mesmo numa época em que a transmissão de imagem e som é tão comum através da internet, o Telectroscope encanta pela ingenuidade. Vi uma menina segurando uma placa onde estava escrito Siôn, I love you, parada em frente ao tubo sem dizer uma palavra, enquanto uma lágrima escorria pelo rosto. Do outro lado um cara chamado Siôn segurava outra placa e respondia com o mesmo olhar apaixonado, Me too (eu também). Vi um cara de Londres escrever na placa que estava fazendo aniversário, e várias pessoas do lado de cá escreveram Happy Birthday, o cara ficou superfeliz e saiu pulando lá em Londres. Plaquinhas escrito Miss You (sinto sua falta) tornaram-se comuns na paisagem do píer em Brooklyn Heights em frente à gigantesca lente e o tubo dourado com design clássico do final dos século XIX, mais parecendo uma peça retirada de algum livro de Julio Verne. Criativo e ingênuo, a proposta do Telectroscope não se importa em ser somente uma promessa falsa que traz uma realidade aparente, ela cativa e diverte simplesmente por colocar pessoas diante de pessoas esquecendo que existe um oceano entre nós.
Acreditar é assim!

domingo, 8 de junho de 2008

Boston

Aluguei um carro, um Chrysler 300, um GPS e pegauei a estrada em direção a Boston. Bom, na verdade não foi bem assim...o carro era automático e eu nunca tinha dirigido um desses, fazer o que? O KA é 1998, nem existia isso naquele tempo. Mas me acostumei rápido e depois que descobri que em um carro automático a perna esquerda não faz nada, foi moleza. A estrada é uma free way de velocidade moderada, 55 milhas por hora (cerca de 90 km/h) e para um carro que atinge 260, foi moleza. O GPS me salvou e concluí que é impossível viajar de carro nos Estados Unidos sem ter um.

Chrysler 300 -Praça de I.M.Pei em frente à Christian Science Church
Fui sem reserva de hotel e o GPS me salvou outra vez porque tem uma lista de hoteis por cidade, além de postos de gasolina, estacionamento, atrações turísticas, hospitais, farmácias e restaurantes.  "GPS, não saia de casa sem ele". Visitei o Fenway Park a casa do Boston Red Sox, campeão mundial de baisebol ano passado, bem no dia do jogo, mas não comprei ingresso porque não tinha tempo, uma partida tem a duração de quatro a cinco horas e durante a temporada um time joga mais de 120 partidas. Boston é também a terra do Celtics, campeões da NBA Liga Nacional de Basquete e do Patriots de Futebol Americano, vice-campeão da temporada passada. Em Boston estão a Harvard University que já formou 40 prêmios Nobel e 7 presidentes norte-americanos, e o Massachusetts Institute of Technology - MIT.


Porta de Entrada de Harvard - Fenway Park, a casa do Boston Red Sox
Cheguei por um subúrbio e me impressionei com a quantidade de casas com a bandeira norte-americana hasteada, significando que ali tem alguém servindo nas forças armadas, e pela primeira vez me dei conta de que o país em que estou vivendo estes meses está em guerra. New York nem percebe, mas os subúrbios e as cidades pequenas sabem bem.

No sábado à noite na loja do hotel (Sheraton) fiquei vadiando na internet e resolvvi pesquisar para ver que obras famosas estavam lá além de uma praça belíssima do I.M.Pei, do dormitório Baker House do Alvar Aalto além do anexo da biblioteca pública do Philip Johnson. A biblioteca pública de Boston é a segunda no mundo que abriu para o público e está na tese do meu doutorado. Surprise! Le Corbusier, Saarinen e Gropius! Marquei um super roteiro no GPS (!) e acordei bem cedo domingo depois de jantar numa taverna chamada Whiskey´s e de fazer umas fotos pela noite.

Prédio comercial e Anexo da Biblioteca Pública - Philip JohnsonOs prédios do Saarinen, uma capela e um centro de eventos no MIT são bem interessantes. O Baker House do Aalto fica prejudicado nesta época porque as árvores estão com folhas, mas fiz fotos inusitadas da parte dos fundos, da casa do gerente do dormitório e das visuais que nunca vimos em livros para mostrar para nossos alunos. O espaço de convivência é extraordinário e quase nunca explorado na literatura. Visitei o MIT Architecture, um prédio eclético, com um grande átrio, e não resisti a caminhar pelas salas de aula. Fui invadido de uma imensa melancolia das oportunidades perdidas nas más administrações das escolas por onde passei lecionando.
MIT Architecture - Baker House Aalto - Centro de Eventos Saarinen
Gropius é um barato. O Graduate Center, antigos dormitórios dos alunos graduandos, atual dormitório da mundialmente reconhecida Harvard School of Law, são singelos e elegantes. Simples, planos que se interseccionam, espaços de convivência para os alunos, passarelas com colunas muito esbeltas. Grande vãos simétricos, prédios de até 4 pavimentos. Uma aula de arquitetura elegante desperdiçada com alunos do Direito. Em alguns momentos tive a sensação de que estava em Brasília, nas quadras 400,e foi bom saber que a arquitetura se baseia e se refaz na história dela mesma, renovando-se, recriando-se, surpreendendo...como sempre disse. Não sei sobre vocês, mas eu estava certo.


Depois fui ver a obra de Le Corbusier;
E para falar a verdade, Le Corbusier é demais.

O prédio é perfeito. Está encaixado no entorno, tem escala e todos os pontos cruciais do que ele pensava...terraço jardim, pilotis, brises, e o passeio arquitetural...ah...o passeio arquitetural. desculpe se você não é arquiteto, mas temos que falar disso. O Corbu (como aquele "mala" da Ulbra chama ele...) fez um percurso perfeito. Passando de uma rua para outra pelo meio do prédio através de uma rampa é possível perceber os melhores ângulos, as decisões mais trabalhadas, as convicções mais expressas. Cada passo é uma surpresa, cada surpresa uma nova história, bem como o Bregatto costuma dizer na aula 03 de PA-1. O Carpenter Center (isso mesmo, um centro de carpintaria de Harvard feito pelo arquiteto mais famoso do mundo) é uma aula de arquitetura, um acerto concreto. Não resistimos à foto de Modulor com a câmera equilibrada em cima de um muro.



Boston foi genial, uma lição de arquitetura em diversas visões: I.M. Pei e um espaço público lúdico; Saarinen e suas coberturas curvas; Aalto e os materiais telúricos; Philip Johnson e a releitura do passado; Gropius e seus planos que criam espaços, e Le Corbusier, que me deu de presente o passeio arquitetural pelo Carpenter Center para arrematar um final de semana memorável. Boston é aqui!