terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Parabéns pra você!

Em 1907 Picasso pintou Les demoiselles d'Avignon, o que seria um de seus mais famosos trabalhos em óleo sobre tela. Recém saído da Fase Azul e ainda no que os especialistas (como a Lili) chamam de protocubismo, o quadro hoje está exposto no MoMA em Nova Iorque. Fora isso, além do nascimento do arquiteto Osvaldo Bratke (pai do Carlos) que nos deixou em 1997, também nasceu Katherine Hepburn com seus inesquecíveis Uma rua chamada pecado (Um bonde chamado desejo, no original) e Adivinhe quem vem para jantar, com Sidney Poitier. Infelizmente outra maravilha feminina chamada Audrey Hepburn não era sua filha, mas seria um feito memorável se fosse verdade. Tirando isto, 1907 foi um ano chato.
Em 1907 o cinema era uma criança nascida em 1895 e proliferada em feiras e circos. Os automóveis da Ford eram do tipo calhambeque, aqueles de revista do Pato Donald, e Henry Ford somente popularizaria a linha de produção para seu famoso Ford T no ano seguinte. O presidente do Brasil (confesso que nessa tive que apelar para o Google) era Afonso Pena. Ou seja, 1907 foi um ano sem graça.
Quantos gênios seria necessário que nascessem em cada ano para que a gente pudesse dizer que foi um ano especial? Ontem não tive tempo de escrever sobre o dia de hoje (terça-feira, 15 de dezembro de 2009) e como ele é especial para nós arquitetos brasileiros, aniversário de Oscar Niemeyer, nascido em 15 de dezembro de 1907, cento e dois anos! Quando a gente coloca o nome dele no Google, lá vou eu de novo, tem mais de um milhão de citações. Quando coloco meu nome, Marcelo Seferin Pontes, são 96 citações...Acho que isso deve ter algum motivo. Quando dou palestras de arquitetura, costumo dizer que os arquitetos nunca se aposentam, em geral trabalham a vida inteira e morrem trabalhando, neste caso, trabalham a vida inteira e continuam vivendo e trabalhando e produzindo e deslumbrando. Casualmente no dia de hoje tive a oportunidade de conhecer sua mais recente construção no Brasil, a Cidade Administrativa do Governo do Estado de Minas Gerais, em Belo Horizonte, ainda em obras e com previsão de inauguração da primeira etapa para 15 de janeiro. Impressionante.
O bloco do Palácio do Governo da Cidade Administrativa tem o maior vão livre do mundo. Se você não é arquiteto ou se é e não sabe o que é vão livre, é o espaço coberto sem pilares. O prédio é uma caixa de vidro toda suspensa por tirantes. A obra, calculada por Sussekind, é de arrepiar. Estava com o Bruno, um amigo arquiteto, e ficamos pensando no desafio de Brasília, centenas de vezes maior do que este. Como avaliar as milhares de sensações que Oscar teve durante a construção de suas centenas de prédios? Como avaliar a vida de um homem que nasceu antes do comunismo se tornar um regime de governo, quando existiam no Brasil cerca de 5 times de futebol, que viu duas guerras mundiais. É difícil entender como alguém consegue varar um século e ainda entender o mundo. Pense assim: quando Oscar nasceu não havia nem idéia do refrigerador doméstico, o rádio estava engatinhando, cruzar o oceano era uma aventura, Santos Dumont havia feito um único vôo em Paris no ano anterior, a arquitetura copiava os estilos do Renascimento e da Idade Média. Hoje nós temos televisões que gravam programas e com as quais você pode interagir para escolher os programas, computadores estão ligados por todo o mundo, cruzar o oceano é cotidiano, e a arquitetura de Oscar varreu o mundo, transformando-o num dos mais importantes arquitetos da história mundial.


Acho que parte de minha imensa consideração por Oscar venha dessa inacreditável capacidade de se adaptar sem perder sua genética criativa, cada traço é uma expressão completa de sua assinatura arquitetônica, um DNA reconhecível, mas diferente. Uma numerosa família com semelhanças, mas diferente. É como se cada prédio fosse uma surpresa de alguma coisa conhecida, um velho amigo que retorna modificado, ou um antigo amor redescoberto em uma festa. A arquitetura de Oscar me faz ficar calmo, abate minhas frustrações e tranquiliza minha inquieta alma de arquiteto que mora em um coração atribulado pela ameaça da mediocridade do dia a dia, da preguiça cultural e das pessoas sem talento ou desejo. Além de parabéns pra você, queria também dizer obrigado. Oscar é dez, ou melhor, é 102!

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Resolução de Ano Novo

Eu nunca tomei resoluções de Ano Novo. Sempre me senti meio mal com isso, porque tinha a sensação que deveria mudar alguma coisa, afinal, o mundo estava mudando também. Será? Você já parou para se perguntar por que setembro (sete...) é o mês nove? Foram os romanos que alteraram o nosso calendário original, baseado em ciclos lunares. Um cara chamado Imperador Pompílio resolveu dividir o ano em 12, mesmo com o ano de 365 dias! O ano começava em março (deus Marte), abril (aprilis, de abrir as colheitas), maio (da deusa Maia, mãe de Hermes, o cara que corria para caramba), junho (da deusa Juno, com um temperamento terrível, casada com Júpiter, ciumenta como uma deusa deve ser). Depois começava a simplificação, quintillis, sextillis, setembro, outubro, novembro e dezembro. No final vinham janeiro e fevereiro. Como Pompílio errou nos cálculos, a cada dois anos precisavam colocar um mês extra de 22 ou 23 dias. Vamos combinar! Que negócio mais complicado! Imagine o cálculo de férias e décimo terceiro, recolhimento de impostos e ano escolar?

- Pai, esse ano tem quantos meses?

- Não sei filho, me perdi faz uns quatro.

Julio César resolveu a parada e no ano 46 a.C. criou o novo calendário. Esse ano ficou conhecido como "o ano da confusão" porque tinha um erro de 432 dias. Como o erro acumulado era enorme, os meses se sobrepuseram e o Ano Novo passou para Janeiro. Daí que setembro em diante saíram do lugar. Ei! Ninguém pensou em mudar os nomes? Passar setembro para novembro? Pensou. O Senado alterou o nome do mês quintillis (que agora não era o quinto, mas o sétimo) para Julius, em homenagem a Julio César, 31 dias. Quando Augusto César teve que fazer nova reforma no calendário em 8 a.C. aproveitou para colocar seu nome no mês sextillis e o chamou de Augustus (Agosto). Mas como tinha 30 dias, puxou um diazinho de fevereiro para ficar igual ao de Júlio César, fevereiro ficou com 28. E você meu amigo, que achava que empregar parente era uma sacanagem...o cara roubou um dia do calendário. Esse era profissional.

No Renascimento o Papa Gregório alterou tudo outra vez. Reduziu o ano para 365 dias e criou o ano bissexto, pois a cada quatro anos perdemos um dia (o ano tem 365 dias, 5 h 49 minutos e 12 segundos). Esse é o calendário que usamos hoje. Mesmo que 4 vezes o tempo perdido seja menos do que 24 horas...vai entender.

Agora, pense comigo. Einstein disse que o tempo não existe, é somente a maneira que tentamos explicar a vida (ou coisa parecida). A cada quatro anos recuperamos um pedaço do tempo, mas não comemoramos o Ano Novo 5 horas mais cedo no primeiro ano seguinte ao bissexto! Como disse Veríssimo (ou foi o Quintana?) contamos em anos porque é menos chato do que contar em dias. Além disso ainda teve um Calendário Positivista, do Auguste Comte (os meses tinham nomes de grandes homens da história, e cada dia tinha um homenageado. Ainda bem que não pegou: Eu nasci em Sócrates, no dia de Plutarco...), e ainda temos o Ano Judeu, o Ano Chinês, os Anos Muçulmanos. Daí que concluí que não preciso mesmo ter resoluções de Ano Novo. Vou ter resoluções pela minha própria lei, nos dias que quiser, se quiser, e contar os dias do jeito que eu achar divertido. Essa semana comecei a fazer academia. Meu Ano Novo já começou. E o seu?

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Crepúsculo II

Se você caiu neste blog procurando algo sobre Crepúsuclo, a saga, vá para http://www.intrinseca.com.br/crepusculo/serie/serie.php . Senão, fique por aqui e leia.
Vou voltar para o Kafka. Quando ele era vivo, vendeu pouquíssimos livros. Chegou ao cúmulo de ter uma edição completa de seus contos vendida como papel para reciclagem. Por sorte, o cara que comprou resolveu guardar três livros, e um deles veio parar no Brasil e está exposto no Rio. Não são poucos os exemplos deste tipo. Depois do evento da livraria (leia o post Crepúsculo, abaixo deste) fiquei pensando em todos esses escritores que escreveram obras que se tornaram lendárias, e se eles teriam a mesma oportunidade nos dias de hoje. Não que eu não concorde que Stephenie Meyer tem talento. Tem. Assim como Sidney Sheldon, Ken Follet, Marion Zimmer Bradley, J.J.Benítez, Nora Roberts e muito antes Agatha Christie, Arthur Conan Doyle e Ian Fleming. O problema é que esses escritores basearam suas carreiras em uma única história contada de diferentes maneiras. Não é bem o caso da saga Crepúsculo (qualquer semelhança com Romeu e Julieta...), mas não dá para dizer que não é o caso dos demais. Sidney Sheldon tem uma mulher sofrida que enriquece e se vinga de um homem, vingando todas as mulheres do mundo em todos os homens. Ou o contrário. Agatha Christie tem um suspeito preferido que não é o culpado. E por aí vai. Em um mercado editorial de alta copetitividade, J.K.Roling que criou Harry Potter teve seus originais devolvidos sem edição 15 vezes. Fico pensando em quantas devoluções Truman Capote teria com A Sangue Frio, ou Bonequinha de Luxo (aliás, escreva Bonequinha de Luxo no Google e você vai encontrar 122 mil resultados, a maioria falando sobre o filme, como se o livro nem existisse). Pense em Goethe e Fausto, quem ia querer comprar um livro de um cara que achou um cachorro negro na rua e levou para casa? bem...este talvez funcionasse, se tivesse um labrador preto na capa, correndo na chuva com as orelhas para trás. E Tólstoi? "Todas as pessoas felizes se parecem. As infelizes, cada uma é infeliz à sua maneira". Se bem que as histórias em si já existam, cansa ler tudo de novo em outra ordem, mesmo que Madame Bovary, de Flaubert, pudesse ter sido escrito por Sidney Sheldon (perdoem-me, eu não sei o que digo), ou A mulher de trinta anos pudesse ter sido escrito por Marta Medeiros (perdoem-me muito mais), ainda asism é demais. Quando eu tinha uma locadora de video com meu irmão, as crianças adoravam alugar sempre o mesmo filme. Os adultos achavam isto estranho, mas se você parar para pensar, vai ver que as séries literárias são exatamente assim. No fundo temos medo do desconhecido. Medo de tentar e errar em uma sociedade da informação baseada na chance única e no acerto a qualquer custo, que não consegue entender que errar é uma das maneiras de descobrir como fazer certo. Assim fica mais fácil sofrer com a mocinha de Ken Follet, ou com um self-made man de Sheldon, é como ter certeza de que no fim tudo dá certo. Difícil é encarar Holly Golightly tendo uma overdose, Gregory Sansa virando inseto, Gatsby morrer de tristeza sem nada mais para conquistar ou Fausto tentar recomprar sua alma por amor à sua amada. Faz a gente pensar. Pobre Heminghway, pobre Kafka, pobre Balzac, nos dias de hoje teriam que escrever "O que aprendi com a câmara de gás", "Metamorfose - seu caminho para o sucesso", "Sou mulher! - Porque ter trinta anos não é crime". Salve a literatura universal!

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Crepúsculo

Se você caiu neste blog procurando algo sobre Crepúsuclo, a saga, vá para http://www.intrinseca.com.br/crepusculo/serie/serie.php . Senão, fique por aqui e leia.

No final de semana fui numa dessas megalivrarias comprar um livro. Isso mesmo, podia ter ido na livraria comprar um computador, um mouse, uma TV de LCD, um som, um GPS, jogos para PC ou mesmo um livro. Fui pelo livro. Não tenho nada contra super-hiper-ultra livrarias, desde que elas não percam a noção do que são em essência. Perguntei para a menina que me atendia sorridente se ela podia procurar no sistema um livro sobre a vida do Kafka, não lembrava o nome, nem o autor, nem a editora, mas sabia que tinha Kafka em uma das palavras do nome. Ela me olhou apreensiva e hesitante tentou teclar no computador.

CA...

- Não, interrompi. É Kafka com K.

Mais uma tentativa. KAC...

Achei que não estávamos indo bem. Algumas pessoas em Brasília costumam não entender meu sotaque, por isso até parei de falar três e dez e agora digo trêis e déis. Tentei ser mais claro, carregando no sotaque fabricado.

- Kafka, como o escritor, com dois Kas.

Achei que assim, numa livraria daquele tamanho, vendendo livros, seria mais fácil ela entender. Kafka, o escritor.Sabe?
KAFIC...

- Não, não! eu ficando impaciente. Com K e depois K de novo, escritor da Metamorfose, O Processo, sabe?

A menina, coitadinha, nervosa diante do teclado, com medo de errar mais uma vez e até com medo de mim, contratada para as festas de final de ano, sem a menor idéia de quem era o tal de K-sei-lá ou do que escrever, me olhando de lado, arrisca outra vez. KKAFI... Eu desisiti.

- Olha, deixa que eu digito prá você... de saco cheio e louco para ler o livro, mas sem nenhuma esperança. Enter.
- Não tem.
- Hum...eu, ironicamente...Mas Crepúsculo tem né?
Ela abriu o sorrisão...
- Tem!Todos!
Crepúsculo, da saga Crepúsculo (Twilight) de Stephenie Meyer ela conhecia bem e tinha. Uma pilha na entrada da loja, com bonequinhos de plástico do Edward e da Bella. Me ofereceu os outros também, Lua Nova, Eclipse e Amanhecer e com uma alegria contagiante de quem ia vender todos para aquele cara que tinha um sotaque estranho e procurava um livro que ninguém conhecia.
- Obrigado, não vou querer, não.
- Mas são ótimos.
- Sei...ouvi falar.

*** Esta postagem continua em Crepúsculo II, aí em cima. Antes disso, não pense que eu não gosto da série, não tenho nada contra, não me xingue. Nem quero ser intelectual ou intelectualóide, é só uma constatação. Ah, e eu também leio livros de grande popularidade, uma vez só, é verdade, mas leio. ***

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Álvaro Siza em Porto Alegre - Fundação Iberê Camargo




Álvaro Siza é considerado o mais importante arquiteto português da atualidade, com uma obra cuja principal característica são os volumes limpos e ângulos acentuados. Quando eu era Conselheiro da Câmara de Arquitetura do CreaRS, fui um dos caras que defendeu a emissão de licença para o Álvaro Siza projetar a sede da Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre. Passados muitos anos, visitei a obra. Eu estava certo.
O prédio da Fundação é realmente uma obra de arquitetura de qualidade. Por fora, é praticamente um monobloco de concreto branco, com linhas super-retas e pontes que projetam sombras sobre a própria estrutura, em um desenho que se altera permanentemente nas paredes, movido pelo sol. Engastado em uma ribanceira, aproveita o recorte da via para se encaixar e desaparecer. Internamente, um espaço grandioso e amplo, com um percurso de circulação vertical propositalmente projetado para explorar as visuais nos momentos em que não se tem contato com as obras.


Ao estilo do Guggenheim de NY, o prédio de Porto Alegre está estruturado por rampas. Mas diferente da crítica que FLW recebeu, no de Siza as rampas são somente percurso para circulação. Aí que começa o espaço fluído e interessante. O arquiteto nos convida a entrar no Museu e seguir até o último andar em um elevador para depois descer apreciando cada ala de exposição e a edificação. De largada, o grande vão central impressiona. Como é possível ser tão grande por dentro e tão pequeno visto de fora? Não é possível. O truque está na qualidade da volumetria e na proporcionalidade que o arquiteto persegue, o que faz o prédio parecer pequeno na relação com a cidade, enquanto - na verdade - é muito grande.
A mistura de madeira clara e branco é insuperável, e a própria caixa interna do elevador nos prepara para a surpresa da mudança de material logo na descida do último andar. A partir daí são surpresas e surpresas.


No percurso das rampas há um estreitamento e depois uma abertura de visuais, bem como aprendemos nos livros de Kevin Lynch. Surpresas. Inconstâncias. Qualidade. De quando em quando, no descer da rampa, uma única abertura para o exterior emoldura as melhores visuais da cidade se alongando sobre o Rio Guaíba. No teto das circulações surgem clarabóias circulares, através delas vislumbramos os detalhes construtivos mais interessantes, especialmente pensados por Siza. Há um contraponto impressionante entre o natural (representado pelas janelas voltadas para o Rio) e o construído (as clarabóias voltadas para a edificação).

Os espaços de exposição também são excelentes, praticamente iluminados por iluminação natural de forma difusa (e se estou enganado e não é luz natural, então a iluminação é ainda mais perfeita). Para arrematar, uma espécie de moldura nos deixa ver de dentro do museu um pedaço da ribanceira lá fora, muito verde e viva, contrastando fortemente com o branco luminoso do interior, numa composição que me lembrou muito o pátio do Moma em Nova Iorque (Phillip Johnson), quando se está na fila da cafeteria.











No geral, a obra mantém a assinatura de Siza, o grande volume de cor clara, imponente e encaixado, coisa que o mestre sabe fazer como ninguém, veja-se o exemplo de Santiago de Compostela (Centro Galego de Arte Contemporânea), ou a exploração da horizontalidade como na Expo98 em Lisboa, duas de suas obras mais emblemáticas.
No final, vale lembrar do interesse pelo detalhe de cada visualização, cada ponto por onde vai passar o usuário, o interesse essencial na construção equilibrada, na linha reta contracenando com a linha curva, na surpresa. Que pena que a arquitetura, na esteira da falta de fundamento, vai perdendo aos poucos aquilo que de melhor sempre tivemos, a inventividade consistente, a beleza plástica e o encantamento. Tive oportunidade de visitar a Fundação com três pessoas leigas e me encantei em perceber que elas reagiram à obra exatamente como Siza deve ter imaginado, com interjeições nos momentos certos, parando para fotografar os grandes quadros naturais recortados no concreto, se impressionando pelo vão enorme e reconhecendo, outra vez no lado de fora, a perfeição do prédio encaixado no morro. Arquitetura é assim, simples assim, feita para ver, usar, sentir, vivenciar. Porto Alegre agora é do mundo. Siza é nosso!

PS. Desculpem-me se não falei da obra de Iberê, mas sou leigo demais no assunto. Só o que sei são das séries de carretéis e bicicletas, aprendido como resultado de parte do trabalho de graduação da Aline, que sempre tem paciência em tolerar minha permanente ignorância em artes plásticas contemporâneas.

sábado, 24 de outubro de 2009

O buraco negro lá em casa

Isaac Newton formulou a Lei da Gravidade. Basicamente disse que uma coisa muito grande atrai outras coisas menores. Mas foi Einstein quem me explicou que o Universo é como um colchão macio. Se você colocar bolas pesadas em cima dele e depois largar bolinhas menores, as menores vão rolar na direção das maiores. As coisas que vemos são resultado da luz que reflete nelas e volta para nossos olhos. Um Buraco Negro é uma coisa que existe no Universo e é tão grande que atrai todas as outras coisas que existem ao seu redor, inclusive a luz, e por isso não conseguimos ver eles (mais ou menos...porque o Hubble é meio como o Google e 'tudo vê'). Lá em casa tem um Buraco Negro.
Não que isso seja um privilégio meu, toda casa que se preze tem o seu. É aquele lugar que atrai todas as coisas que não tem utilidade nenhuma, mas que sempre guardamos. Quando eu comecei a trabalhar recebíamos documentos das operações de câmbio fechadas com importadores e exportadores. De vez em quando chegava um papel que ninguém sabia o que era e colocávamos ele numa gaveta que apelidamos de 'bota fora mas não rasga'. Foi meu primeiro Buraco Negro profissional. Muitos outros vieram em seguida, mas o lá de casa continua sendo o mais bem elaborado de todos.

Nesse fenômeno da vida doméstica cotidiana é possível encontrar de tudo. Ali tem uma caneta que não escreve, incenso, cartões de visita, baralho, fio dental, contas pagas no débito automático, cartões de embarque, um extrator de grampos, uma caixa de balas de goma que comprei na ONU. Tem negativos de fotografia, duas cartelas de Neosaldina, um crachá de congresso, oitenta centavos de Euro, um cubo de acrílico com Jesus dentro (?), um rolo de filme para máquina fotográfica, agenda telefônica de bolso, mais contas pagas. Um pacote de lenços de papel inutilizados pelo cheiro do incenso, duas pilhas, fita crepe, uma máscara contra gripe, carregador de celular para carro, quatro chaves de fenda muito pequenas. Tem também sobras de algum evento como lembrancinha do primeiro aniversário de não-sei-quem, um adaptador de tomada, um pedaço de fita de presente, CD gravado e a carteira de vacinação do meu cachorro Frank. Moedas, lápis, caixinha vazia. Lindo, um pequeno universo em formação. Se Tom Hanks tivesse ficado preso na ilha do Náufrago com meu Buraco Negro, ia viver muito melhor.
Agora comecei meu projeto pessoal individual de Buraco Negro em uma pequena gavetinha de minha escrivaninha na sala. Por enquanto está apenas começando, mas antevejo que em breve terá vida própria, meu pequeno buraquinho se tornando um terrível sugador de coisas sem utilidade. Mal posso esperar. O Universo também é aqui!

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Bruce Gomlevsky é Renato Russo

"Bom, eu sou o Renato, eu escrevo as letras, eu canto. Nasci no dia 27 de março de 1960...que que eu posso falar de mim...gosto de comida tailandesa, gosto de arroz, feijão, bife, batata frita como todo mundo. Gosto de tangerina, morango, maracujá. Sou batizado pela igreja Ca´tólica Apostólica romana, não pratico, mas tento. Acredito muito na espiritualidade das pessoas. Não gosto de dentista, música de elevador, fila de espera nem de gente falsa ou sem criatividade. Gosto muito de cinema. Adoro cinema! Atualmente ando preocupado com uns boatos de que a terceira guerra mundial pode começar ...Tem gente que acha que eu sou inteligente. Tem gente que acha que eu escrevo bem. Tem gente que acha que eu sou um rebelde. Tem gente que acha que eu sou uma farsa. Não se pode agradar a todos."
Assim começa a peça Renato Russo. Daí para a frente Bruce Gomlevsky (ator da peça) começa a cantar Perfeição, do Legião Urbana (lembra? Vamos celebrar a estupidez humana...). A primeira sensação é um misto de espanto com tristeza, parece que aquele cara ali em cima é mesmo o Renato Russo! e a gente começa a se dar conta de que não pode ser porque o cara está morto, uma coisa que nem sempre se percebe quando um cara de grande expressão morre, pois o trabalho e o nome dele estão sempre presentes na mídia. Mas com o andar da peça a gente percebe as diferenças de timbre e movimentos e entende que Bruce está mesmo interpretando um personagem. E se essa era a intenção, comigo deu muito certo.

Gostei muito da peça. Um monólogo ilustrado com músicas que retratam cada momento de sua vida. Mescla cenas superfortes e emocionantes com trechos de entrevistas cômicos ou ultraintelectuais. Tudo com base em uma profunda pesquisa faz a gente acompanhar a trajetória de Renato. Para completar, a banda Arte Profana (5 músicos que antes eram uma banda cover)preenche os melhores momentos tocando perfeitamente as músicas do Legião. A banda fica parcialmente escondida por um telão semitransparente onde imagens vão sendo projetadas durante as músicas e monólogos. Uma montagem muito legal sobre um cara que tinha uma banda que me embalou nas noites de Taj Mahal em Porto Alegre nos anos 80 e 90.

Bruce Gomlevsky é ator e já trabalhou em filmes e programas de TV brasileiros. Na vida real é um cara louro e de olhos azuis, bem diferente de Renato, mas sobre o palco, com as roupas, óculos, o cabelo pintado de preto e os gestos (veja na foto ele natural e caracterizado), acaba nos fazendo acreditar que o outro está ali. Se você tiver a oportunidade não perca, é muito bom, e olha que eu sou um cara muito chique, acostumado com a Broadway. Aqui, Bruce é Renato!

Para ver mais, visite http://www.youtube.com/watch?v=idZJ52-GP6I o audio não está tudo isso, mas vale.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Gripe suína, meningite e o buffet onde eu almoço

Vamos combinar que é mesmo nojento. Digam o que quiserem, mas comer em buffet é nojento. Estou numa daquelas fases em que tudo me dá nojo e fico tentando pensar em outra coisa quando estou na fila da comida, mas não consigo. Quando o Fantástico tinha aquele quadro do Doutor Bactéria, eu saía da sala para eu não assitir. Se visse, passava uma semana comendo quase nada e lavando as mãos histericamente o tempo todo e olhando a parte de baixo dos pratos do restaurante, copos contra a luz (aliás, jamais faça isto se você não quiser ter más impressões).

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Com a gripe suína foi o que me deixou um pouco mais tranquilo. No primeiro resfriado que tive durante a gripe suína, achei que estava contaminado. Mas á noite, no jornal, falaram de um surto de meningite em Brasília, e comecei a sentir o pescoço endurecer, deixando a gripe de lado. Foi até bom para mim. Com o tempo me acostumei com a idéia da gripe e como até a OMS desistiu de contar os casos, desisti de me preocupar. Eu sou assim, li que a origem da palavra hipocondríaco está relacionada com uma pessoa que tem cuidado com ela mesma, o que é um sinônimo de sabedoria. Mas confesso que buffet é uma cisma antiga.

Hoje na fila do lugar onde eu almoço quase todos os dias, uma menina espremendo espinhas no braço do namorado. Tenha a Santa Paciência! Já li que isto é uma aflição feminina por não ter pênis e precisar arrancar partes dos homens para compensar, mas não vou aprofundar este tema para não desestabilizar antigas amizades. Mas tirar espinha na fila do buffet? Outra começou a passar a mão no cabelo comprido que ela lava com xampu sei-lá-o-quê, e os cabelos quebradiços dissolvidos deviam estar se espalhando pelas saladas. Um cara três pessoas na minha frente tinha caspa. Deus que me perdõe. Mas faz duzentos anos que existe Denorex e o cara tem caspa... e vai almoçar no mesmo lugar que eu. A partir daí vi de tudo, era como se estivesse em um trem fantasma de buffet, uma montanha russa de nojeiras imperceptíveis na falta de atenção do dia a dia. Até um cara coçando o saco por dentro do bolso da calça de tergal eu vi. Primeiro: coçar o saco por dentro da calça todo mundo vê, e só quem coça acha que está enganando todo mundo. Segundo: depois ele ia pegar a colher do arroz com aquela mesma mão. Além disto tudo, ainda tem as pessoas falando por cima da comida, e aquelas que se debruçam para se servir do prato lá de trás. Sem contar o que acontece na cozinha, longe dos olhos, longe do coração. Acho que eu precisava compartilhar esta postagem como uma terapia de grupo. Amanhã tem mais, deliciosas refeições em comunidade. Que venham as bactérias!

sábado, 3 de outubro de 2009

Vou bem, obrigado.

Quando eu era criança lá em Porto Alegre, a gente chamava bergamota de vergamota. Quem falava bergamota era gente metida. Também chamava Fusca de Fuca, e depois de um certo tempo, falar Fuca virou coisa de mendigo e favelado. Não podia comer melancia com uva, melancia com coca-cola e nem pêssego com leite. Considerando que melancia e uva tinham a colheita na mesma época, a gente tinha que escolher. Cada vez que meu pai chegava na casa de praia com uma bacia de uvas colhidas na parreira do meu avô era um Deus nos acuda...aquele cuidado extra para não morrer, com o perigo de misturar uma fatia de melancia gelada (colocada para boiar no tanque desde de manhã ) e um cacho de uva. Sem falar em manga, que na época só quem tinha experimentado era quem ia para o nordeste, de avião. Avião, aliás, era uma barbaridade. Uma passagem custava muito caro, e eu mesmo só fui andar de avião com 24 anos. No avião serviam uma refeição de verdade, e tinha gente que adorava voar a trabalho para comer no avião. Hoje eles atiram na gente quatro biscoitos recheados, um copo de guaraná e duas balas Sete Belo. Quando a gente tinha que fazer um trabalho escolar (que se chamava de "fazer o tema") precisava de uma enciclopédia. Barsa, Mirador, Conhecer ou Delta-Larrousse custavam carísssimo e eram sonho de consumo. Quem não tinha enciclopédia em casa precisava ir na biblioteca do colégio (que hoje chamam de "escola") e consultar lá. Copiava os textos em folhas de papel almaço pautadas...pense bem. Se a criatura errava uma palavra tinha que riscar por cima e escrever de novo (o que era abominado pelos professores), ou tentar apagar com uma borracha Mercur metade vermelha e metade azul, depois de cuidadosamente molhar com a língua um pedaço da parte azul (para apagar caneta). Quando o papel não furava por conta do atrito, tudo certo. Depois ainda tinha que tirar xerox (que hoje chamam "fotocópia") de uma foto da enciclopédia, recortar, colorir (que hoje chamam "pintar")com lápis de cor ou hidrocor (que hoje chamam "canetinha") e colar com cola Tenaz, nem tinha cola em bastão ainda. Aprendíamos que o Brasil era um país do Terceiro Mundo, "deitado eternamente em berço esplêndido". Hoje o Brasil é a maior economia da América Latina, uma das 10 maiores do mundo, suas dívidas com o FMI podem ser pagas pelas suas reservas, tem uma das mais respeitadas forças de paz do mundo, é sustentável em termos de petróleo e tem as maiores reservas naturais de floresta e água do planeta. Nos últimos 8 anos resgatou mais de 30 milhões de pessoas que viviam abaixo da linha da pobreza e alavancou 21 milhões de pessoas pobres para ingressar na classe média, intermediou conflitous na América do Sul, Central e no Oriente Médio. Além de tudo, os jogos olímpicos de 2016, uma espécie de pacto social para a reconstrução do futuro do Rio de Janeiro. Meu Presidente vai bem, obrigado. O Brasil é aqui!

Foto: esportes.terra.com.br/galerias/0,,OI109157-EI1137-FI1332988,00.html

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Já é Natal! (15 de setembro de 2009)

Ontem vi na televisão o primeiro comercial de Natal. Sério. Nem bem terminamos o 7 de setembro, já entrou uma propaganda de Natal. Ei! Esperem, ainda tem o Dia das Crianças! Que nada, os caras não querem nem saber, é um tal de Papai Noel Apressado. Coitado do Papai Noel, nem bem teve tempo de terminar os brinquedos e entrou nessa roubada de aparecer em um comercial em setembro. Nos anos anteriores, passava um pouquinho do 12 de outubro e as lojas começavam a artilharia de Natal, mas este ano, com crise internacional e aquecimento global, o negócio é mandar bala desde já e começar a correria do fim do ano quatro meses antes. Quanto antes melhor. Mais tempo para me convencerem de que se eu não der presentes que eu não posso pagar para pessoas que não querem ganhar presentes de mim, eu não sou um cara legal. Depois ninguém sabe porque parece que o tempo passa mais rápido hoje em dia.
Nessa nova forma de viver, quase não percebemos o momento atual. Em Excalibur, o Mago Merlin falou para o Rei Artur que o futuro era como um doce, e só se pode saber o gosto dele depois de provar, só que aí, pode ser tarde demais. Artur não quis nem saber, pegou o bafo-do-dragão de Merlin e seduziu a Morgana, depois pagou caro, porque o filho deles se voltou contra ele e quase destruiu o mundo. Se Merlin vivesse nos dias de hoje ia dizer que o futuro é um doce meio comido. Sabe como é? Aquele mil folhas que a gente come metade porque é doce demais e parece que os dentes vão cair, corta um pedaço e mete o resto na geladeira para outra hora? Bem assim.

Não conseguimos mais viver no dia de hoje. Nossos compromissos são marcados com antecedência cada vez maior, então a vida passa de expectativa para expectativa, sempre pensando no próximo momento, no próximo aniversário, nas próximas férias, no próximo feriado, na roupa de amanhã, no que fazer com o próximo salário. E quando o próximo chega, já virou história. O presente acabou.

Viajo toda semana de Brasília para Belo Horizonte e volto. Mais ou menos uma hora de voo. Se eu fosse uma criança de uns seis anos ia pensar que o aeroporto de BH é dentro de Brasília, um cilindro mágico onde eu entro e quando saio o mundo mudou. O resto desaparece. Na esteira da velocidade e do deslocamento, tudo o que existe ao redor vira nada. Não há cidades, não há pessoas, não há atração. Só duas capitais que se encontram por intermédio e um cilindro com asas. Quando entro no aeroporto, espero o embarque, quando embarco, a decolagem. Quando voo, a aterrisagem, e assim por diante. Sempre olhando para a frente e adiante, como no dia a dia com nossos compromissos, e os momentos vão passando por nós numa velocidade assustadora. O mundo não quer mais o agora, quer o amanhã, e amanhã, vai querer o depois. Agora mesmo, que comecei a encerrar este post, já estou pensando na próxima postagem. O futuro foi aqui!
foto: alfredoonline.blogger.com.br - Alessandra Ambrósio

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O comprimido na minha quadra

Eu conheço uma pessoa que adora pessoas fantasiadas.
Não uma fantasia comum, mas dessas fantasias em que a pessoa fica enorme e tenta simular uma criatura de desenho animado, um bicho ou um cachorro quente, uma garrafa ou uma televisão. Toda vez que estou com ela e ela vê alguém fantasiado ela tem que ir até a pessoa para dar a mão, ou tenho que dar a volta para ela voltar e ver de novo. E lá vamos nós, tudo para uma abanadinha para o fantasiado.

Outro dia saí de casa e caminhando na quadra dei de cara com um comprimido. Não um comprimido no chão, mas um cara vestido de comprimido. E lá vou eu, buscar pão as nove da manhã de sábado, e lá vem ele, o comprimido. Foi uma situação constrangedora. Primeiro porque não existe um motivo lógico para alguém se fantasiar de comprimido; segundo, porque estávamos só nós dois, em direções opostas, na mesma calçada de três metros de largura.Se caminhar em direção a outra pessoa em uma rua onde você não tem para onde olhar, as vezes é constrangedor, imagine caminhar em direção ao comprimido.

Andar fantasiado pressupõe algumas qualidades, você deve estar disposto a ouvir piadinhas, a ser simpático com todos, então, o mínimo que eu poderia esperar do comprimido era um pouco de profissionalismo, que fosse simpático e me cumprimentasse. Ele era vermelho, da cintura para cima, com calça leg azul e pés enormes almofadados. E eu. Se você não sabe, sou um cara muito envergonhado. No começo fingi que não estava vendo, mas não tem como não ver uma almofada redonda em forma de comprimido com um metro e meio de diâmetro a vinte metros de você. Depois, assumi um ar cool, de cara descolado que já viu tudo na vida, e comecei a ignorar a fantasia. Também não deu certo, porque me senti um lunático que não diferencia o que é real do que é uma alucinação. E então tive um breve surto que durou alguns segundos, diante da possibilidade de estar realmente ficando maluco ou mesmo de ainda estar dormindo e tudo ser um sonho estúpido. Quando cruzei pelo comprimido já estava disposto a acenar um sorrisinho básico do tipo "ok, você está ridículo, mas afinal, isto é somente um trabalho", quando o comprimido abaixou a cabeça e começou a ler um panfleto. Não era possível. O comprimido estava me ignorando!

Continuei caminhando, nos cruzamos, e dei uma olhada para trás. Ele não lia mais. Parei na calçada, nada. Eu não existi para ele. Talvez no universo dos comprimidos eu fosse uma coisa estranha fantasiada de pessoa, andando de manhã cedo pelo meio da rua.

Voltei para casa peguei o carro para ir a algum lugar. Claro, acabei dirigindo ao redor da quadra porque queria ver o comprimido de novo, mas nada. Do jeito que o mundo é estranho, ele deve ter sido engolido por alguém fantasiado de ogro.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Teoria Universal da Perversidade dos Materiais

Em algum lugar fica alguém que decide como as coisas vão acontecer. Chame de Deus, destino, acaso ou o que quiser, mas essa coisa tem mesmo esse poder todo. Não fosse assim, quando eu comprei o edrédon porque fazia um frio desgraçado em BH, o frio teria durado pelo menos mais de três dias, o que não aconteceu. Quando eu comprei um guarda-chuva, parou de chover. Mudei para um apartamento no décimo andar, sem ninguém em cima para perturbar, e tem uma zona do outro lado da avenida perpendicular à minha rua e o barulho vem todo parar na minha sala (no bairro mais nobre de BH), a gente compra passagem para o último vôo e atrasa, compra para o primeiro e não tem teto. Alguém, alguma coisa, em algum lugar decidiu que nessa hora, nesse dia ou nesse ano, você iria se dar mal. Isso já aconteceu com todo mundo, chame de azar, falta de sorte, coincidência, mas eu tenho certeza que é proposital. A máquina de lavar que funciona quando chega o técnico, a TV que volta ao ar quando chega o cara do cabo, sua caneta que não escreve quando você precisa anotar o telefone, a bateria do celular bipando, a fila no trânsito que não anda, o papel higiênico que desapareceu, a roupa perfeita para o evento que está suja, o gás que acaba, o tomate que falta para o molho, a farinha do churrasco com bichinhos dentro ou o ovo para o omelete. Isso não pode ser coincidência, faz parte de um grande plano universal para tornar a vida das pessoas mais selvagem, um plano chamado Teoria Universal da Perversidade dos Materiais. É ele quem faz desaparecer sua chave dentro da bolsa, a caneta de cima da mesa, sua carteira quando você sai de casa atrasado, o congestionamento porque um cara esqueceu de colocar gasolina, o elevador estragado, o grampo do grampeador que acaba, o papel do xerox que entope, o computador que trava, os táxis que desaparecerem, a chuva que para, a chuva que começa. Tenho certeza de que existe um exército organizado e impetuoso por detrás disso tudo, elaborando, articulando, projetando, planejando para tornar pequenos eventos cotidianos em infernos permanentes. Mas de tudo, nos resta aceitar, procurar as chaves, sair em busca do gás, desistir do omelete, encaixotar o edrédon. O universo é aqui.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Ressonância Mórfica

OK. Eu também não entendo.
Parado na sinaleira (dentro do táxi, porque não tenho carro em BH), um argentino com o rosto pintado de branco e uma roupa preta desbotada joga fogo pela boca. Não seria estranho se fosse pelo fato de ele ser argentino, mas é estranho pelo fato de ser em BH. Em um outro sinal, meninos tentam lavar o párabrisa do táxi com aquela mistura de água e sabão. Em Nova Iorque, vi um mendigo que fazia malabarismo com calotas de carro...ou será que foi no Rio?
"Eu podia estar roubando, matando. Mas estou pedindo". Ouvi isso no metrô no Rio, ou será que foi na Rodoviária em Macapá? Não lembro mais. A globalização tomou conta dos miseráveis espalhados pelo país e pelo mundo. O que me impressiona mesmo é que estas pessoas muito pobres têm pouca mobilidade geográfica. Um menino de rua em Porto Alegre vai viver lá para sempre, exceto os argentinos e bolivianos, que adoram vir para o Brasil cuspir fogo ou tocar flauta, o restante são pessoas que não se movem. Daí a pergunta, se não se conhecem, como que reproduzem exatamente as mesmas técnicas de cidade para cidade ao redor do mundo? A resposta, Ressonância Mórfica.
Mórfica vem de forma, formato. Ressonância, de ressonância mesmo. Existe uma corrente científica que acredita que formas vivas semelhantes tendem a reproduzir comportamentos semelhantes em qualquer lugar que estejam, simplesmente porque são semelhantes. A base da teoria está no desenvolvimento da raça humana, em diversos continentes ao mesmo tempo, com pouquíssimas variações, quando nossos antepassados não se conheciam. A teoria também seria a explicação para o fato de adolescentes serem insuportáveis em Bangladesch e Pirituba, Muzambinho ou Paris. Além disto, seria o motivo pelo qual as crianças de hoje são mais sabidas do que nós fomos quando éramos crianças, quanto mais um daquela forma aprende, mais fácil fica para as outras formas semelhantes aprenderem, as formas puxam o desenvolvimento coletivo numa espécie de memória coletiva. Isso explicaria também porque animais selvagens (separados em continentes diferentes) têm os mesmos hábitos de vida. Não dá para dizer que a teoria da Ressonância Mórfica não seja interessante, estudos feitos na Inglaterra mostram que as pessoas que tentam responder as palavras cruzadas de jornal no dia seguinte (sem terem visto a resposta) resolvem os enigmas até 20% mais rápido do que quem fez no dia anterior. Isto porque a memória coletiva do puzzle já estava ressonando pelo planeta.
Não sei se isso funciona assim, mas parece divertido, e explica porque os meninos de rua, mendigos e pedintes agem da mesma forma no mundo todo. è uma pena que a teoria não explique o que fazer para acabar com a pobreza no mundo todo. A ressonância é assim.



foto: olharesnoser.blogspot.com

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O mundo é Lá

Arquivo. Imprimir. Imprimir. Pronto, lá vai o texto para a impressora. Ela bufa, geme, apita, ronca.
Nada de texto.
Jamais.

Todo mundo sabe que temos informações pessoais guardadas em algum e muitos lugares. Nós guardamos fotos no Picasa; frases no Twitter; Emails com textos enormes e powerpoints no Hotmail e no Gmail; músicas retiradas da internet pelo SoulSeek; filmes pelo Emule. Quando precisamos de alguma dessas coisas, não precisamos entrar em pânico, elas sempre estão lá. Mas onde é Lá? Confesso que essa frase roubei de Tom Vanderbilt, escritor do New York Times, num encantador e espetacular artigo chamado Datatecture (algo como Dadostetura, ou os lugares que chamamos de Lá em nosso mundo de informações guardadas a distância). No dia em que alguém recebeu em sua caixa de entrada meia foto que eu mandei pelo Hotmail, fiquei algum tempo pensando em onde vão parar as coisas que temos, ou pior, aquelas que desaparecem entre o computador e a impressora, ou entre meu teclado e a caixa de entrada de outra pessoa, ou mesmo as que simplesmente salvamos clicando sobre um botão laranja (como este post). Quem já passou pela estranha experiência de perder virtualmente uma página de texto entre o computador e a impressora (ou milhares) sabe do que estou falando. Uma antiga amiga costumava dizer que o inferno deve ser um lugar onde a gente está sempre atrasado para entregar um relatório e passa o dia inteiro tentando imprimir em uma impressora conectada em rede. Descobrir onde é Lá passou a ser o meu desafio esses dias.

Meia foto.No nosso novo mundo de virtualidades, Dali seria infantil.

Aprendi num livro que Virtual é o que não está presente, assim, concluí que Lá é um lugar virtual. Lá também é um lugar desconhecido, infinitamente distante, mas paradoxalmente acessível de qualquer lugar. Longe de tudo e permanentemente próximo. Lá eu posso esconder tudo, mas corro o risco de que tudo se torne público, ou posso publicar tudo e jamais ter algo visto por todos. Posso ser conhecido por qualquer um que eu não conheça, ou uma celebridade anônima. Seja onde for Lá, Lá tem que existir, porque no final das contas sempre há uma outra realidade independente por detrás do mundo real, Platão já sabia disso, e por isso acreditava no Mundo das Idéias. Em uma análise superficial, talvez o problema esteja entre o Lá e o Cá, o caminho que liga esses mundos esteja ainda em construção, e tantas mensagens se percam nessa via esburacada, ou fiquem enredadas sem saída na Larga Rede Mundial (World Wide Web).
A Terra era redonda, nos ensinou Galileu. Thomas Friedman escreveu "O mundo é plano", sobre um mundo linear, globalizado e previsível, mas agora começo a suspeitar que "O mundo é Lá".
foto: New York Times

domingo, 9 de agosto de 2009

Highline Park - Manhattan

Em Manhattan as pessoas cultivam uma espécie de "ode ao ócio". Ficar sem ter o que fazer na cidade mais agitada do mundo é praticamente um luxo. Não ter o que fazer, uma dádiva. Poder ficar sentado olhando para o vazio ou para o céu, ler um livro ou simplesmente caminhar com um amigo na velocidade que se quer sem ser atropelado por indianos, chineses, brasileiros, portoriquenhos, judeus hassídicos, católicos ortodoxos, cubanos, sikhs, jamaicanos ou qualquer outra pessoa ou coisa, praticamente uma benção. Por outro lado, um dos desafios do governo da cidade é manter espaços públicos compatíveis com a necessidade dos cidadãos e ao mesmo tempo revitalizar a cidade para cada nova onda de turistas movimentarem a ainda maior economia do mundo. Pensando nisso, surgiu o Highline Park.

Highline significa "linha elevada", uma antiga linha de trem desativada situada aos arredores do Meatpacking District onde ficavam (e ficam) os armazéns de atacadistas de carne. O Meat vem sendo revitalizado, com a nova loja da Apple, muitos bares e restaurantes, e a fuga das empresas de moda do SoHo em busca de aluguéis mais baixos em prédios praticamente destruídos (que já começam a valer milhões de dólares). No Meatpacking acontece a cena final do longa Sex & The City de 2008.

O Highline é uma amostra espetacular de urbanismo contemporâneo de qualidade, recuperando áreas degradadas e reintegrando-as ao uso coletivo, uma aula. As linhas de ferro suspensas foram mantidas e a vegetação, embora tenha sido totalmente projetada para o espaço, dá a sensação de que estamos em meio a um mato crescido entre os trilhos. Em alguns espaços é como se a vegetação estivesse invadindo a área de piso, composta por peças prémoldadas em concreto. As peças do mobiliário urbano mantém a mesma linguagem de desconstrução das áreas de piso, como se o piso tivesse se elevado e criado bancos, bebedouros e luminárias. Nas curvas da Highline surgem espaços para descanso, contemplação, leitura ou simplesmente para visualizar. Uma arquibancada de madeira com uma tela de vidro emoldura a 10st avenue, e todos se sentam surpresos vivenciando a metrópole se movimentar, como se estivessemos em frente a uma tela de cinema, percebendo os movimentos cotidianos de uma perspectiva alternativa. Estonteante, simples e divertido. A antiga linha havia sido demolida em determinados locais dando lugar a edifícios, agora, os edifícios são demolidos e reestruturados para que a linha passe através deles, um exemplo magnífico da capacidade de abrir mão da propriedade individual em benefício do coletivo. O Highline Park é a mais nova atração novaiorquina, urbanismo e paisagismo em perfeita sintonia com a recuperação de áreas degradadas. A arquitetura é assim!












sábado, 8 de agosto de 2009

O Brasil é aqui!

Mis "viejos" amigos Antonio y Manel, y mis "nuevos" amigos Angeles, Quique, Walter, Santiago y Santiago, Luigi, Antonia: el Brasil está ahí! Nos quedamos pronto!


No dia em que completei muitos anos de idade, tive uma festa hispano-brasileira. Meus bons amigos brasileiros Rafa e Lu; mais a Aline, o Antonio Amado e o Manel (de La Coruña) estavam comigo tomando umas caipirinhas na noite do dia 20 de junho. Amado e Manel trouxeram na bagagem outros sete novos amigos da Espanha, professores, arquitetos como eu, que me fazem acreditar ainda mais que a distância e as diferenças culturais são mero acaso, barreiras muito frágeis que podem ser vencidas com a facilidade de um sorriso cordial. Na festa com direito a "parabéns a você" bilíngue (uma rodada de cumpleaños felices num coral de espanhóis) nos conhecemos e entendemos como se fossemos antigos amigos, e tive mesmo a sensação de que um dia nossos territórios não estiveram separados pelo mar, assim como nossas crenças de uma arquitetura social, bela e justa compartilhavam o mesmo espaço. Nos dias seguintes passeamos por Brasília, nessa encantadora cidade planejada, vivenciando espaços e discutindo idéias de arquitetura e da vida, do modo como sempre achei que deveria ser a arquitetura: uma sifonia visual sobre uma pauta intencional, tocada pela vida cotidiana.
Visitamos as obras de Oscar, implantadas no enorme jardim urbano de Lúcio, e foi divertido ver arquitetos de uma formação cultural tão distinta da minha vivenciarem as mesmas sensações que sempre tenho diante das surpresas causadas pelo patrimônio brasileiro. A escala da catedral e sua luz; o espaço fluído do novo museu, com suas pequenas surpresas e as sombras da rampa externa projetadas na cúpula; a brancura da Praça dos Três Poderes; a escuridão do Memorial JK, com sua luz vermelha incandescente, a sombra aconchegante das superquadras, as visuais infinitas onde quase se percebe a geodésica onde chão e céu se encontram. Foi legal perceber o espanto nos artifícios arquitetônicos de Oscar, forçando as perspectivas mais bonitas, derretendo elementos rígidos em curvas sedutoras, trocando cores e aplicando tecidos brilhantes onde deveria haver mármore, granito ou concreto, como na Sala de Jantar do Palácio Itamaraty.

Da varanda do meu apartamento vi um urbanista incorporar o sentido da circulação planejada da cidade; em frente ao Congresso em busca do melhor enquadramento para a fotografia perfeita, um arquiteto deitado na grama. "Espalhados! espalhados!". Numa grande mesa redonda à beira do lago Paranoá, 11 arquitetos trocavam idéias, enquanto Antonio rabiscava imagens de todos nós nas toalhas de papel do bar, ouvimos Manel cantar bossa-nova num sotaque brasileiro inusitado, acompanhando o músico local. Compartilhamos a energia de Angeles, a suavidade de Antonia, a cordialidade de Luis, a instrospecção dos Santiagos. A felicidade é simples. Efêmera, mas simples. Como a arquitetura - que preenche os espaços em branco de minha vida -, os momentos entre amigos são o que preenche as lacunas do que chamamos de cotidiano, um papel infindável onde esboçamos imprecisamente o que desejamos ser. Rir, beber, cantar, dançar, compartilhar. Viver, trabalhar, habitar, recrear. Não há nada melhor do que isto, pena que seja tão difícil perceber o que está ao nosso redor o tempo todo, como a excelência da arquitetura de Brasília ou a espontaneidade e o poder de encantar do povo brasileiro. O Brasil é aqui, graças a Deus!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Bingo do Caminho das Índias

Para participar do Bingo da Novela das Oito - Caminho das Índias - basta você ter paciência suficiente para assistir (como eu) e seguir as instruções abaixo:

1. Reúna a família e imprima uma cartela para cada participante;
2. Marque com um círculo cinco expressões ou situações que você acha que podem ocorrer em um mesmo capítulo;
3. Distribua um punhado de feijão cru, para cada um dos participantes (não importa a cor do feijão);
4. Escolha uma superfície plana ou relativamente plana (para os feijões não rolarem);
5. Sintonize na novela das oito da Rede Globo, Caminho das Índias, e comece a marcar;
6. Ganha quem completar as cinco opções escolhidas primeiro;
7. Mãos à obra, e boa diversão!


















Atenção: Esta atividade requer a assistência de adultos, já que a novela contém temas de:
- abandono de menor (Filhos de Maia e Duda)
- triângulos amorosos (Maia, Duda, Bahuã, Haj, Norminha, Ramiro)
- adolescente contraventor (filha da Sílvia e Zeca)
- esquizofrenia (Tarso)
- amor não correspondido (todos do triângulo amoroso)
- amores proibidos (todos do triângulo amoroso, mais um monte)
- traição marital (Ramiro, Raul, Norminha)
- falsidade ideológica (Raul e pai da Maia que rouba nos pesos da loja)
- psicopatia perigosa múltipla (Yvone)
- mal gosto para escolher roupas (Vera Fischer, por culpa do figurinista)
- estelionato (171) generalizado (advogado pai do Zeca e indiano falso que eu não sei o nome)
- exploração de menores (filha mais nova do Tony Ramos em Bolywood, triângulo amoroso entre crianças)
- violência entre jovens (Zeca)
- apostadores compulsivos (irmão da Maia)
- difamação e calúnia (professora da escola do Zeca)
- feminismo e maternidade (a outra que fez inseminação artificial e não quer o pai por perto)
- pais irresponsáveis (Pai e mãe do Zeca)
- perjúrio (a malvadinha que mora com a Maia, entre outros mentirosos de plantão)
- sequestro (Raul)
- racismo e segregação entre classes, o mais estúpido dos crimes.

Ou seja, uma novelinha leve, para você se distrair todo dia à noite, jogando seu bingozinho. A Índia é aqui!

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Viagem à Lua

Ontem fez quarenta anos que o homem foi na Lua. Quer dizer, se é que foi. Não. Não é que eu seja uma dessas pessoas que acredita que isso não aconteceu, mas é um bom assunto para escrever a respeito. Quando eu visitei o Air and Space National Museum em Washington fiquei um pouco apreensivo. Lá está exposta a cápsula do Apollo 11 que voltou da Lua, e - para ser sincero - eu não iria nem até a padaria naquela lata velha, que dirá voltar do espaço entrando na atmosfera e pegando fogo. Me lembro muito bem desse inverno de 1969, um ano triste para o Brasil, mas feliz para mim que adorava desenhar. Fiz milhares de desenhos da Apollo 11 em diversas e complexas situações; decolando com fumaça, decolando inclinada com fumaça, fumaça ao decolar, decolando com fumaça e céu azul. Praticamente o que poderia ser chamado de uma série "Apollo" se eu tivesse ficado famoso, da mesma maneira como chamaram as séries de Picasso "Os touros" ou a fase dos girassóis de Van Gogh. Desenhar a Apollo 11 indo para a Lua era realmente um desafio gigantesco para meus 6 anos recém completados, exigia que eu soubesse o que era um foguete, como ele decolava e principal, e mais difícil, o que era a Lua e onde era a Lua. Não sei se vocês lembram da infância de vez em quando, mas eu tenho certeza que só descobri a Lua quando era adolescente. Minha fonte de inspiração deve ter sido mesmo os Thunderbirds (eu era o número 2) e se você não sabe o que é isso, procure no Google. Independente de minha ignorância artística, o foguete chegou mesmo lá. No museu aeroespacial de Washington também estão os protótipos do módulo lunar que aterrisou na Lua (o original, você sabe, ficou por lá), e mais uma vez, a impressão que tive era de que tinham reformado meu antigo Jeep 66 (meu primeiro carro, mesmo sem capota), colado fita adesiva e enrolado com papel laminado e metido fogo. Uma das coisas que mais me impressionou foi a quantidade de fita adesiva, cheguei a pensar que poderia mesmo ser um truque de marketing americano, e concordar com as centenas de milhares de teorias conspiratórias sobre o tema. Mas revendo os filmes do cinema da época, concluo que não havia tecnologia de propaganda suficiente para aquela superprodução. Depois, tem os cintos de segurança. Praticamente um daqueles cintos de exército que foram moda em certo momento nos anos 80, só que muito mais largo. A roupa do astronauta então...muito vagabunda. O fato é que esqueci de um detalhe importante quando visitei o museu, o equipamento não precisava ser bonito, tinha que ser leve, simples e eficiente, e parece que deu certo. Quarenta anos depois não temos a menor idéia do que fazer com a Lua, continua sendo um pedaço de pedra flutuando (nem tente me explicar como) e influenciando as marés, as colheitas, os lobisomens e outras criaturas das trevas, a sexualidade e os cortes de cabelo. Aliás, sobre os cortes de cabelo sou um pouco cético, sempre usei o método lunar do Capiloton, mas parece que não deu muito certo. A Terra é aqui!

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Exame de trânsito

Você estaciona seu veículo em lugar proibido e é multado. Qual sua atitude em relação ao guarda que lhe aplica a multa?
a.Tenta suborná-lo, oferecendo dinheiro;
b.Tenta intimidá-lo, dizendo que ele não sabe com quem está falando;
c.Tenta se fazer de desentendido, alegando que não sabia que ali era um local de estacionamento proibido;
d.Mantém-se calmo, guarda o recibo da multa e retira seu veículo do local.
e.Não fala nada, rasgando o recibo da multa na frente do guarda de trânsito

Pergunta do simulado do Detran RS na página oficial na internet



Minha carteira de motorista venceu. Primeiro, não sei porque chamam de carteira de habilitação se todo mundo sabe que é uma carteira de motorista. Segundo, porque eu tenho que renovar se me deram a carteira na primeira vez? As leis de trânsito mudaram tanto assim? Se fosse cair algum conteúdo de internet ou sobre política internacional, como o fim do Comunismo ou a abertura da China, ainda vá. Mas vai me dizer que os sinais de trânsito mudaram? Claro que não.
Minha carteira venceu e eu estava em Nova Iorque, adoro usar isso como desculpa para o fato de estar sem uma habilitação válida, parece que não é relaxamento ou vagabundagem, mas dá um certo ar formal para a coisa.
"-...pois é, como que ele ia renovar a carteira se estava fora do país? bem razoável ficar com a carteira vencida."
Isso é o que eu imagino, mas difícil é explicar porque ela ficou vencida 13 meses, mesmo eu voltando dos EUA há 8 meses atrás. Bem, para tudo tem uma explicação. O fato é que hoje fui fazer o exame de renovação da habilitação no Detran DF. Escolhi fazer a prova, na verdade só conheço um cara que fez o curso, meu padrinho. Passei o dia estudando em uma apostila que comprei em um CHC aqui perto de casa. No final, na parte de primeiros socorros, comecei a me sentir meio apreensivo, era tanta parada cardíaca e hemorragia, estado de choque, atropelamento, queimadura, perfuração, caco de vidro e sangue, que achei que estava me preparando para ir para a guerra ou para ser plantonista da BR116 ou da Linha Amarela, e não para a prova de renovação de uma carteira de motorista que eu conquistei fazendo exames (depois de rodar duas vezes no exame de direção, é bem verdade). Mas não é só. Se você já fez a renovação deve ter percebido como tem dicas impressionantes na apostila, não posso dizer que não foi proveitoso, por exemplo:
- Não dirija com o freio de mão acionado (pág 12)...
- O carro deve ser abastecido sempre que estiver com pouco combustível;
- A água da bateria deve ser verificada uma vez por semana (! pág. 20)...
- "As tampinhas das válvulas de ar dos pneus não são simples enfeites" (pág. 19)(sic), uau!
- O motor de carro com ignição eletrônica não deve ser lavado, o que me ajudou a tolerar o fato de fazer 7 anos que não lavo o KA;

Lá fui eu para a prova, uma mistura de mecânico, ambientalista, motorista e paramédico, com minha caneta azul ou preta, capaz até de diagnosticar cistite em caso de acidente com vítimas. A prova era feita na mão mesmo, com folhas de papel, e a menina que aplicou a prova, muito simpática e bem preparada, desabafou que deveriam ser três examinadores, mas que os outros dois não haviam aparecido ainda. Fui aprovado com 26 de 30.

De qualquer modo, eu, paramédico, ambientalista, mecânico, motorista e cidadão, já estou preparado para o Vietnã do trânsito brasileiro. Posso voltar a dirigir legalmente meu Ka, quer dizer, assim que ele voltar a funcionar, se voltar.

foto: http://www.humorbabaca.com/

quinta-feira, 16 de julho de 2009

A sala mágica

Existem lugares no mundo que são mágicos, mas precisam ser operados por pessoas mágicas também. Na casa da minha mãe, em Ipanema, está um desses. Um quartinho pequeno, de três por três, metido em um corredor com um tapete-passadeira, definitivamente uma peça de decoração de casa de vó. Nesse quartinho nasceram coisas espetaculares confeccionadas com tecido, lã e qualquer outro material que fosse preciso. É dessas salas mágicas - que se escondem aleatoriamente pelo mundo - que alguém mágico pode atender a pedidos tão bizarros quanto "vó, preciso de uma fantasia de pizza", ou "amanhã tenho que entregar um trabalho no colégio sobre os Incas". Ninguém deixa de entregar trabalho escolar sobre tema algum do mundo tendo uma sala dessas ao seu alcance, com uma avó capaz de manuseá-la. Dessa sala saíram enxovais completos para recém nascidos abandonados em maternidades ou com mães em extrema pobreza, peças para filhos de reis, que me ensinaram que todas as pessoas são iguais e devem ser respeitadas assim. Dali saíram vestidos de noiva, glamourosos, brilhantes, bordados á mão para noivas em incontida felicidade. Saíram pijamas, blusões, gorros, bandeiras do Inter, mantas, de cores e tamanhos diversos, mas carimbados com o carinho de sempre. Não sou habilidoso em lidar com uma sala dessas, mas vou me esforçando para aprender. Junto de minha mãe aprendi tantas coisas, mas a manusear a sala sempre tive dificuldades. A manusear a sala e a cozinha, confesso. É difícil concorrer com alguém que é capaz de preparar um refeição simples, com 8 pratos, em 40 minutos; encher uma casa de vida em segundos, acender uma lareira instantâneamente. Acho que isso vem pela energia, uma energia tão forte que as crianças a adoram, e com seu olhar firme é capaz de acabar com qualquer baldo. Talvez seja essa energia que a mantém firme, depois de tantas quedas - fisicamente falando - já que o jeito agitado não permite tempo para pensar duas vezes, e a gravidade se torna inimiga ferrenha no piso molhado da cozinha e nas escadas.

Nos dias de inverno, chuvosos e frios do sul, o som da máquina de costura naquela salinha mágica era interrompido por instantes, e surgiam na frente da TV bolinhos de chuva, chocolate, café. Um bolo saído de sabe-se-lá-onde, ou uma cuca de laranja. Também tivemos as fases da torta de maçã e do peteleco, doces de pessêgo em calda, de abóbora e laranja. Considerando a quantidade de comida que minha mãe fez nesses anos em que morei com ela, eu deveria pesar uns 300 quilos. Apesar da praticidade, sempre foi minha parceira para filmes, por um tempo fomos fãs de terror, encolhida no sofá ou esticada na poltrona, procurando os óculos nos cinco primeiros minutos do filme, coisa que sempre me irritou e que - por motivos de DNA - eu repito sem perceber.

Mas nem tudo são flores. Há também uma personalidade forte, a qual o DNA outra vez me delegou um igual, mas um coração enorme e uma bondade avassaladora, que as vezes me irrita, porque sei que nunca conseguirei ser assim (e então o DNA me traiu). Minha mãe é um cochilo na frente da TV assistindo Friends, seu pé-ante-pé a noite para ver se estamos dormindo, um bife Argentino, um pote de vidro cheio de chocolates durante o jogo de futebol e o dinheiro escondido dentro da Bíblia. A amabilidade com meus amigos, a adoração pelos netos, a parceria no restaurante com meu irmão, o amor por meu pai. Não pensava em escrever outra vez sobre minha família (já estou me sentindo invadido) mas não posso deixar passar em branco esse dia, 19 de julho, Dia Internacional do Futebol, por um desses mistérios da vida, aniversário de minha mãe. Dona Lygia, eu também te amo. Feliz aniversário.