terça-feira, 6 de setembro de 2011

Musicais


Assisti Nine agora, deve ser pela décima vez. É impressionante o efeito que os musicais têm sobre mim, principalmente naqueles com mulheres sensuais, sempre gostei. Se você tem mais de 40 anos deve lembrar de Jesus Cristo Superstar, um clássico dos anos 70, Se tem menos de 40, deve assistir. A Paixão de Cristo cantada na onda hippie. Depois tem outras maravilhas como Hair, com uma história surpreendente sobre dois caras muito diferentes que tem que encarar a convocação para a guerra do Vietnam em Nova Iorque.

Numa batida totalmente louca, mas absurdamente divertida, vem The Rocky Horror Picture Show. Uma história de horror mega-bizarra comandada por um inesquecível travesti chamado Dr Frank-N-Furter, vindo da galáxia Transsexual. O filme se transformou num cult mundial e em Porto Alegre (como no mundo todo!) nos anos 80 íamos para a sessão da meia-noite no Bristol para fazer as perguntas antes dos personagens e ouvir a resposta vinda da tela; cantar bem alto as músicas principais; gritar desesperadamente "Não! Não! Não!" quando Jane e o namorado dela resolviam pedir ajuda no castelo. Atirar pipoca (na Inglaterra eles atiravam arroz) durante o casamento, ou iluminar tudo com lanternas, além de abrir seu guarda-chuva (na Inglaterra cobriam a cabeça com jornal) eram coisas que matavam a gente de rir, gastando só uma entrada de cinema.

Depois Hollywood praticamente abandonou o estilo e passou pela fase tecnológica alavancada por Guerra nas Estrelas, Blade Runner três anos mais tarde e o que se chama popularmente de Néon Realismo. Quando os musicais voltaram, vieram com tudo. Chicago, com Catherine Zeta-Jones espetacular como Velda, e O Fantasma da Ópera, sobre o qual nem vou falar pra não ser repetitivo. Moulin Rouge e a montagem de letras de música popular contando uma história mágica de Satine, a prostituta deslumbrante no corpo de Nicole Kidman. Para mim, a versão de Roxanne (Sting) em ritmo de tango é uma obra prima. Recentemente Across the Universe com músicas dos Beatles, muito bem feito e envolvente, além de Mama Mia que não consigo gostar depois de ver o musical original, e, finalmente, Nine, motivo pelo qual comecei a escrever hoje.

Nem sei porque escrevi essa postagem. Durante muito tempo fui envolvido pelo cinema e agora tive vontade de conversar sobre isso. Acho que ando com saudade de bares, jantares, conversas com amigos. Nine me deixou melancólico, talvez seja o próprio roteiro, a sensação de que por mais que se tenha, tudo nunca é o suficiente até descobrirmos o que realmente importa. Profundo? Não, só falta do que fazer.
 

domingo, 4 de setembro de 2011

Comer, comer

A primeira vez que comi estrogonofe, não comi. Na época se escrevia strogonoff e eu devia ter uns 10 anos. Me deparei com ele pela primeira vez em Novo Hamburgo, na casa de um médico que corria rally com meu pai. Era a maior casa que eu já tinha visto, com intercomunicadores nas salas, desníveis e um quarto somente para brincar. Tive pesadelos por semanas com um Cristo que sangrava rubis e uma santa de madeira em tamanho natural. As crianças foram levadas para a cozinha, e lá nos serviram estrogonofe. Foi um impacto impressionante. Imediatamente pensei em vômito de cachorro, um assunto que eu tinha experiência de muitos cachorros. E tinha também cogumelos, que minha mãe sempre dizia que eram venenosos e não podiam ser tocados nem comidos. Lá estava eu, diante de um prato de vômito de cachorro com cogumelos venenosos.

Mas não foi aí que começou meu tormento com a comida, sempre tive problemas para comer. Aos sete anos aprendi na escola de onde vinha o ovo de galinha, e só voltei a comer ovos quando fui morar sozinho, por pura necessidade. Parei de comer macarrão com carne porque num dia que tinha essa comida lá em casa minha mãe matou um rato. Levei anos para comer lagarto (que no sul se chama “tatu”), até descobrir que era uma simples alusão ao formato. Nunca comi fígado, rins, moela ou mesmo coração de galinha em churrasco. Quando sushi não era moda, nem sequer conseguia pensar em comer peixe, que dirá cru. Camarão era nojento demais, porque estudei em biologia que tem merda na cabeça. Mexilhões, ostras, mariscos para mim são como secreção nasal, nojentos, gosmentos e escorregadios. Peças que minha imaginação fértil sempre me pregou à mesa.

Não como pato, salmão nem codorna. Nunca havia comido carneiro, até ir para Dubai e ser obrigado por legítima falta de opção. A primeira vez que fui para Paris levei uma lista de coisas nojentas que não podia ter no cardápio: foie gras, cheval, scargot. Comer não é divertido para mim, é uma perda de tempo, chato, antiecológico. Por mais que isso pareça estranho, gosto mesmo de comidas pré-processadas: hambúrgueres congelados da Sadia, batata frita e sanduíches em geral. Meu cardápio tem tão pouca salada que em 1998 quando li “Os sete hábitos das pessoas de sucesso” do Steven Covey, coloquei na minha missão pessoal no item número 8: "Devo comer mais salada".

Algumas vezes sinto inveja de quem come de tudo e tem muita fome o tempo todo. Deve ser divertido planejar ir a um restaurante e ficar com água na boca, ou ficar feliz porque o restaurante é de buffet livre. Mas, honestamente,por enquanto vou continuar com minha dieta infantil, ser magro não vai me fazer mal.

Comida não é comigo!

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Os verbos do meu cotidiano

Depois de perder o sono no domingo, comecei a pensar nos verbos que uso todo dia (deixei os verbos escatológicos fora da lista). 

Ouvir. Acordar abrir respirar descobrir sentar levantar despir lavar secar vestir aquecer colocar mexer cortar morder mastigar beber engolir comer escovar amarrar chavear chamar entrar apertar descer puxar girar dirigir olhar estacionar subir cumprimentar ligar teclar clicar assinar planejar conversar atender ouvir falar estressar acalmar negociar almoçar.

Parei com os verbos na hora do almoço e tenho certeza que esqueci muitos ainda. Achei chato, que devia conjugar verbos mais carnais e menos de ação. Mais amar, mais beijar, mais querer. Rir, carinhar, abraçar. 

Conjuguei desistir, dormir e repensar.

Terminei.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Qual é o seu signo?


- Qual é o seu signo?


Acredite ou não, esta é a frase mais perguntada nos bares norteamericanos. Segundo o estudo, é uma maneira rápida de estabelecer uma relação interpessoal e identificar similaridades. Considerando que existe um signo ideal para cada outro, as chances de haver alguma relação entre os dois signos é de 01 para 11. Além disso, ainda existe a chance de duas pessoas terem o mesmo signo, o que aumenta as probavilidades em 01 para 10. Convenhamos, uma chance em dez é um excelente argumento para se tentar transar com alguém.

Bem, em tese. Este ano tudo isso mudou. Um cara chamado Parke Kunkle resolveu ir a fundo na astrologia. Já que os mapas astrais em uso tem mais de 3000 anos, ele recalculou! Kunkle descobriu que devido ao movimento do eixo da Terra e à expansão do Universo, os signos estão sendo calculados da maneira errada. É o que se poderia chamar de Kunkle Ovo, só que a Surpresa é que você não é mais do signo que você acha que é.

Não consigo entender como isso aconteceu, o horóscopo já era para ter sido varrido da crença humana desde os anos 50 quando o sistema foi alterado, e Plutão passou a constar nos cálculos astrológicos. Depois os cientistas rebaixaram Plutão a um asteróide, depois um planeta anão, agora estão cogitando sua volta à condição de planeta outra vez. Como assim? Como explicar que um monte de cientistas não consegue dizer se Plutão é um planeta ou uma pedra? Agora pense bem, uma pedra gigante flutuando no espaço (não me pergunte como...), a bilhões de quilômetros pode influenciar meus relacionamentos? Pior, se não bastasse Plutão e sua crise de identidade, agora surgiu uma nova constelação que entra no rol das constelações usadas para desenhar o Mapa Astral: Serpentário.

Tudo culpa do Kunkle...

Se o pessoal de Escorpião se achava o máximo, agora vamos ter os Serpentários. Foi o signo de Escorpião que sofreu o maior baque de todos, rebaixado a meros 9 dias do ano, em tese, 66% dos escorpianos agora são outra coisa. Nada bom para quem se acha o crème de la crème do horóscopo.

Fiquei pensando em como dar esta notícia para pessoas que procuraram seus parceiros baseados na astrologia, seria um diálogo como “...desculpe, tenho uma péssima notícia, sua alma gêmea que era de Áries, agora é de Peixes, lamento, mas Áries é seu inferno astral. Acho que vocês vão ter que se separar...”. Ou pior, o cara tatuou o signo nas costas, teria que fazer outra tatoo: PS. meu signo atual é Capricórnio. Desde sempre nós humanos tivemos essa mania de criar amigos imaginários que possam ser responsáveis por nossas atitudes. Extraterrestres, planetas, deuses, mitos. É mais fácil ser mal humorado de manhã porque seu signo é Gêmeos ou ser sistemático e chato porque é virginiano. Difícil é se consertar. Ser menos teimoso, quando se é taurino, mais rebelde quando se é de Libra.

Algumas vezes vendo essas coisas me lembro de Carl Seagan, complementado por Jorge Luis Borges, parece que vivemos em um mundo assombrado por demônios, todos imaginários. Cada dia os cientistas descobrem mais astros flutuando no Éter, e mais provas sobre nossa existência efêmera e vulgar. Somos tentados a ignorar os fatos e nos atemos ao irracional. No fundo acho que somente quando o gen do medo for isolado e puder ser destruído, vamos viver mais e melhor, livres de assombrações e amigos imaginários que ditam persitentes nosso destino.

Até lá, eu não sou mais de Gêmeos!

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Ensaio sobre para onde vai a paciência quando ficamos mais velhos

Depois de certo tempo, acho que a gente cansa de algumas coisas. Parece que o mundo andou em uma direção, levando junto com ele todas as pessoas do planeta: as novas, as velhas, as recém nascidas. Todo mundo mudou, mas alguns continuam vivendo num mundo passado, um lugar que não existe mais, com hábitos e convicções que todos sabem que não dão, nem vão dar certo. Quando encontro com uma pessoa dessas, tenho a sensação de déjà vu, parce que sei o que ela vai dizer, ou como ela vive a vida, sem nem mesmo precisar aprofundar um relacionamento social.

Pode até parecer preconceito ou pretensão, achar que pode entender uma pessoa por um ou dois atos, duas ou três declarações, mas garanto que com o tempo a gente fica mais observador, antecipa mais as coisas e percebe mais rápido onde tudo vai parar. Acho que é o que chamam de experiência, ou velhice, tanto faz.

Não tenho mais paciência nem tolerância para gente que fura fila. Nem para motoristas de trânsito que entram pelo ladinho se metendo no meio dos outros que educadamente esperam sua vez. Não suporto gente que anda pelo acostamento ou buzina assim que o sinal abre. Gente que diz que pobre é vagabundo. Tenho dificuldade para entender como alguém joga lixo pela janela do carro, ou joga lixo no chão na rua, ou pega o carrinho dos outros no supermercado. Desconfio de gente que me chama de amigão sem nem me conhecer direito, ou pessoas que dizem eu me amo (eu sei, muita gente diz isso). Também não gosto de homem de cabelo comprido (se bem que não gosto de homem de jeito nenhum...), nem careca que usa o cabelo todo de um lado e puxa para o outro. Perdi a paciência para pessoas que querem me converter para sua religião, e gente que reclama de dor e diz que não gosta de tomar remédio. Atores vestidos de dentista em propaganda de pasta de dente, teste de brancura do Omo, loto, telesena, quina, fraude em licitação, bandido com celular em presídio. Não tenho mais tempo para pedreiros, marcineiros, encanadores, eletricistas e todos os demais prestadores de serviço que marcam e não vem. Para o cara da máquina de lavar roupa que sempre quer trocar tudo. Nem para o cara que conserta o micro que sempre quer formatar meu note como se as coisas que tenho nele não tivessem importância nenhuma. Cansei de repetir para a faxineira que as roupas escuras são lavadas separadas das claras. Economistas que dizem que devo comprar tudo à vista e não ter dívidas, artistas da Globo sendo elogiados pelo Faustão ("..o cara é gente da melhor qualidade, um dos maiores talentos da TV brasileira...), novela em que o cara malvado passa um ano metendo terror e leva um tapa na cara no último capítulo, livros para "Mulheres que sabem o que querem terem relacionamentos duradouros", matérias sobre o ano novo ao redor do mundo, reportagem de baleias transando ou tartarugas nascendo, revista prometendo barriga de tanquinho, modelo e atriz, gente sem talento tentando me convencer que é artista, gente sem desejo ou vontade. Pode ser que seja só cansaço ou estresse, mas relendo essa lista, tenho quase certeza de que não sou só eu quem cansou.

Enfim, virei um chato (ou será que sempre fui?). Mas sou divertido.

sábado, 9 de julho de 2011

Beijar, verbo transitivo.


Beijar é um verbo transitivo, requer complemento. Ninguém consegue beijar mais do que poucas partes de seu próprio corpo. Mas o beijo próprio não tem graça, porque beijar é um ato coletivo. O beijo foi feito para dois: nem um, nem três. É o beijo quem encontra. É o beijo quem despacha. No braço, o beijo da mãe tem efeito curativo; na mão do pai, o beijo abençoa. Na face, o beijo recebe e despede. Na boca, o beijo ensurdece; no corpo, enlouquece.

 
Pode ser um simples movimento dos lábios quando as faces estão coladas, como a respirar a alma do outro, ou pode ser um longo silêncio, como a respirar a boca do outro. O beijo pode ser mortal, pode ser de traição, pode ser um beijinho doce que foi ela quem trouxe de longe prá mim, ou o doce pode ser Beijinho. Pode ser abreviado e virtual — bjo —, ou muito longo para ser real. Jesus foi traído com um beijo, mas o beijo também perdoa. O beijo de amigos reencontra, e durante um beijo na boca, a gente se perde. O beijo bom estala, é molhado, quente, mordido, apimentado, atropelado, necessário. É roubado.

 
O beijo é o carinho da boca.

A boca pode ferir quando fala, mas pode perdoar quando beija. O beijo une os separados, sempre dois, sempre une, sempre é bom. E já que o beijo despacha, com um beijo despacho também este texto.

Na primeira linha da foto: Uma linda mulher, Crepúsculo, ...E o vento levou, Mr e Mrs Smith, Cidade dos anjos, Encontro marcado.
Na linha de baixo: Orgulho e preconceito, Bonequinha de luxo, Escrito nas estrelas, Ghost, Um lugar chamado Nothing Hill e Titanic.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Reencarnação e a segunda-feira da eternidade

Eu não acredito em reencarnação.
Até estava a fim de começar a estudar a Cabala. Achei legal, moderno. Mas depois que descobri nas primeiras páginas que a gente podia reencarnar em bichos, seres vegetais ou coisas inanimadas...bom, ficou difícil eu me imaginar um pé de mato no meio do nada, ou mesmo uma mesa de centro tendo que acompanhar várias gerações de dentistas. No meu pesadelo particular, o filho do dentista virou dentista também, e assim por várias gerações, sendo eu a mesa de centro do consultório que nunca era reformado. Uma espécie de dívida carmática por eu ter sido arquiteto e sempre querer reformar tudo o que eu via, exceto as coisas feitas pelo Oscar.

Depois, nunca me explicaram (mas eu sei que deve ter uma explicação) como o planeta está ficando mega lotado: se as almas ficam indo e voltando, de onde vem as novas? Sei que Deus tem uma sala que se chama Guf de onde saem as almas novas que vêm para a Terra carregadas por pardais (vi isso no filme A sétima Profecia com a Demi Moore espetacularmente linda, mesmo grávida). Mas...helloooo....isso é literatura. O fato é que ando pensando em qual motivo nos faz achar que na próxima vida seremos melhores do que nesta, e porque diabos deixamos isso para depois (acho que diabos não é uma boa expressão neste tipo de post).

Pense assim, talvez viver seja só uma etapa, e ser melhor seja somente a segunda-feira da eternidade. Eu explico: é como prometer que segunda-feira você vai começar o regime, ou ir na academia, ou parar de se meter na vida dos seus irmãos. Só que na dimensão da eternidade, a segunda-feira começa depois que a gente morre. Então, ah...vamos deixar para a outra vida, temos a eternidade para melhorar, para que tanta pressa,? Afinal, a eternidade é um monte de tempo. Por que não melhoramos agora?

Essa é a questão principal. Acho que devemos reencarnar constantemente. Eu não sou mais o mesmo que era antes, e serei diferente depois. A todo momento nos reinventamos, reeducamos, reformulamos. As coisas que antes não nos diziam respeito, agora nos fazem agir. Mesmo quando não quero mudar, os outros ao meu redor mudam e obrigam a minha mudança. No fundo de mim mesmo, tenho certeza que não sou mais aquele que fui. E assim vamos avançando, achando que na próxima vez seremos melhores, mas não percebemos que já somos melhores, agora.  Talvez a ideia da vida eterna nos faça perder grandes oportunidades de mudança, sabemos que teremos outras chances, e procrastinamos. Acho que está na hora de mudarmos, perceber mais nossa mudança. Chega de esperar, chega de próximas vidas, chega de destinos escritos. Vamos nos rebelar e mudar agora. Uma nova revolução do agir! Mudar tudo, mudar todos!
Bom, mas vamos fazer isso outra hora, e enquanto isso não chega, vou tomar banho e dormir, prometo que segunda-feira vou começar essa revolução. Sem falta.

Sempre que escrevo posts que envolvem religião, me sinto meio culpado. Se você acredita em alguma dessas coisas, não fique chateado comigo, não faço por mal. Aqui eu só reciclo ideias.

domingo, 3 de julho de 2011

Lendas urbanas

Na minha infância, o mundo era assombrado por lendas urbanas. Vivíamos em um estado permanente de tensão causado por suposições não muito bem fundamentadas sobre a vida cotidiana. Se você é da geração Y, talvez não entenda como alguém pode imaginar que leite faz mal com pêssego. Basta ir no Google e resolver a questão. Mas para nós da geração X, não havia outra fonte de consulta diferente de uma enciclopédia impressa. Desse modo era fácil uma simples suposição se espalhar como um vírus, sempre embasada em fatos não documentados, pois como disse o poeta Lulu, assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade.

Talvez a pior época fosse o verão no Rio Grande do Sul. Nesse tempo ainda não tínhamos uma distribuição de frutas e verduras o ano todo como hoje em dia, então para comer melancia e uva tinha que ser verão. Nessa época do ano eu, meu irmão e meus primos estávamos sempre alertas para que nenhum de nós morresse desavisadamente por ter comido um cacho de uvas depois de uma fatia de melancia. O risco era tão grande que quando meu pai chegava com uvas vindas da parreira do meu avô, as melancias iam para o lixo.

Mas não parava por aí. Minha mãe e suas irmãs juravam que meu avô tinha colocado um pedaço de melancia dentro de um copo de coca-cola, e a melancia tinha virado pedra. Mesmo que a gente repetisse a experiência diversas vezes todos os verões, nunca conseguimos o mesmo resultado, o que me faz imaginar que talvez meu avô Valdomiro fosse uma espécie de alquimista, como o cigano de “Cem dias de solidão”. A gente também não podia cortar cabelo, nem tomar banho depois de comer porque dava congestão. Não podia apontar para estrelas que nascia verruga, especialmente as Três Marias, que muito tempo depois descobri que fazem parte do cinturão de Órion. Não podia tomar café quente no vento porque a boca ficava torta. Não podia usar Havaianas porque separava os dedos. Não podia comer bolo quente porque dava dor de barriga, e nunca entendi a diferença entre a quentura do arroz e a do bolo, mas por certo a lógica não era o forte nas lendas urbanas.

No campo dos apavoramentos sociais tínhamos o “velho do saco”, pessoas que colocavam drogas nas balas e malucos que colocavam gilete em escorregador. Ou seja, não aceite nada de estranhos, não brinque sozinho no parquinho, não se aproxime de mendigos. Hoje as lendas que rondam a internet são mais pesadas: gatos criados dentro de garrafas, roubo de órgãos em festas, amostra de perfume com éter, coisas assim. Em compensação, é muito fácil desmascarar uma lenda urbana, basta ir ao site www.quatrocantos.com.br ou mesmo no Google e está tudo lá, desmistificado.

Não sei se nossas lendas me parecem mais ingênuas agora, mas tenho certeza que foram marcantes para toda minha geração. Algumas dessas coisas se desmascararam pela entrada em nossa família de outras famílias, que traziam suas próprias lendas diferentes das nossas. Mas o fato é que hoje eu bebo iogurte de pêssego sem medo, tomo banho depois que janto, uso Havaianas. Quanto a comer uvas e melancia, bem, sou obrigado a confessar que ainda não tenho coragem. Como dizia Sancho Pança, Yo no creo em bruxas, pero que las hay, las hay!

Já discuti alguns desses temas em outra postagem, se você quiser conhecer, vai lá.
http://ideiasrecicladas2.blogspot.com/2009/10/vou-bem-obrigado.html

terça-feira, 28 de junho de 2011

Meu amigo, Roberto Carlos

Uma professora que coordenava o curso de arquitetura quando eu dava aulas no Rio Grande do Sul era Monarquista. Entre os “excelentes” argumentos que ela tinha para uma família ter mais privilégios que todas as outras pessoas e ser sustentada pelo povo sem trabalhar, estava a idéia de que os brasileiros adoram reis. Temos o rei do futebol, o rei da soja, a rainha do volei, a rainha dos baixinhos, o rei da música. Ou seja, brasileiros são monarquistas.

Parece um argumento engraçado, mas é lamentável. Lamentável também é começar uma postagem sobre monarquia para falar do Rei, meu amigo, Roberto Carlos (leia com sotaque carioca e imagine a voz do Tremendão...se você é da geração Y, por enquanto basta saber que o Tremendão é o Erasmo Carlos. Não, ele não está morto).

Sexta fui a um show no Circo Voador no Rio, “Teresa Cristina e os Outros cantam Roberto Carlos”. Primeiro pensei que ela cantaria em ritmo de samba, sua praia, mas estava enganado. Com arranjos novos ela tocou somente músicas do Rei, e pela empolgação da galera posso dizer que me convenci (já estava convencido, mas nunca tinha parado para pensar nisso) que o cara é mesmo nosso Rei.

Apesar da obra extensa e com alguns momentos lamentáveis, Roberto Carlos cobriu praticamente toda a população brasileira: cristãos, gordinhas, caminhoneiros, taxistas, amantes, além da ampla gama de sentimentos cotidianos, ou não tão cotidianos assim. Fiquei lá pensando em uma ou outra música que eu nunca tinha ouvido, mas que muitas pessoas cantavam. O Rei falou com simplicidade e uma voz melodiosa sobre coisas do coração, as mais difíceis de entender, mais fáceis de sentir e terríveis de perder. Assim como os Beatles (me perdoem, Mirella e Gabriel) RC tem uma obra tão produtiva que possui pérolas pouco exploradas comercialmente de uma imensa variedade musical.

Também prestei atenção em algumas frases às quais nunca dei atenção, arduamente dividindo meu interesse entre as pernas magras da Teresa Cristina de minisaia rodada, e as letras que ela cantava tão bem. Em O Portão, sempre fiquei tão irritado com o "cachorro que sorriu latindo" que nunca percebi essa estrofe cheia de entrelinhas:

     Fui abrindo a porta devagar
     Mas deixei a luz entrar primeiro
     Todo meu passado iluminei
     E entrei.

E não pense que são poucos acordes, são acordes suficientes em cada música para ter uma musicalidade que, se não é Jobim, também não é Chitão. Enfim, o Rei merece todo meu respeito e o de milhões de brasileiros que correm atrás de ingressos para um show dele onde quer que seja. Achei que tinha que dizer isso aqui, já que disse tantas outras coisas, não ia mudar nada expor detalhes tão pequenos de nós dois.

O Rei é o cara!



Desculpem a qualidade do video, mas ilustra sem foco as pernas da Teresa Cristina e o ambiente energizado do show. Prometo que vou comprar um celular que faça bons filmes.

domingo, 26 de junho de 2011

Você não pode

Você pode desejar muito que faça sol amanhã, mas pode amanhecer chovendo. Pode precisar sair de casa e chegar rápido ao trabalho para fazer uma apresentação para seu chefe, e o trânsito pode estar ruim. Culpa da chuva, por isso você queria sol. Um caminhão tombou na pista escorregadia, e sua cidade está com 150 quilômetros de congestionamento. Pode comer um sanduíche no café da manhã na cantina do escritório, depois de chegar atrasado, e pingar sua camisa branca. Você vestiu branco porque lhe daria um ar mais jovial e você nem imaginava que naquele sanduíche tinha molho. Você pode querer, e não conseguir nada do que você quer. Mas não há nada a fazer pelas coisas que você não tem, você só pode decidir o que fazer em relação aos sentimentos que tem sobre as coisas que não saem como planejado, e aprender.

O Lama disse que devemos aprender uma coisa nova a cada dia, e conhecer pelo menos um novo lugar por ano. É verdade que ele também disse que a gente devia dançar como se ninguém estivesse olhando, e isso me fez parecer maluco na sexta. Mas ele está certo, acho que por isso ele é o Oceano da Sabedoria (Dalai Lama).

Alguém me falou que as coisas que acontecem não podem ser mudadas, estão fora de nosso controle. Elas são resultado de outras interações das quais não há critérios, o Fernando disse que “viver não é preciso”, e não é mesmo. Não há precisão nenhuma nas atitudes da vida. Você pode ir num show e não conhecer ninguém, e dois anos depois pode ir em outro e conhecer alguém que também estava no primeiro, ser tudo perfeito e você nem suspeitar que perdeu dois anos. Nada garante nenhuma das duas opções. O que você pode fazer, e isso é o mais difícil, é lidar com seus sentimentos. Viver o que estiver recebendo.

Como a vida é aleatória e cheia de variáveis incontroláveis, acabei descobrindo por intermédio de outros que o máximo que posso fazer é reduzir os problemas para um parâmetro um pouco mais racional. Posso nutrir o sentimento que eu quiser sobre o que me acontece (e o que acontece com os outros), e escolher entre sofrer ou ser feliz. O que me lembra da Liz Gilbert do Comer Rezar Amar, você pode escolher seus pensamentos todo dia da mesma forma que escolhe suas roupas. Por que vestir pensamentos feios e que não combinam com você? Pensamentos acabam se tornando atitudes, pensamentos positivos, atitudes positivas.

No final das contas, acho que o difícil é entender que somos limitados a coadjuvantes de uma grande trama da humanidade, onde cada peça faz do seu jeito e a seu modo, vamos tecendo nossas vidas de maneira coletiva. Da próxima vez que chover, você ficar preso no trânsito e sujar sua camisa minutos antes de uma apresentação importante, lembre disso, não havia nada no mundo que você pudesse fazer para acontecer diferente. Nem sempre a culpa pelo erro é nossa, por outro lado, somos nós os únicos responsáveis por nossa felicidade. Basta pensar. E sonhar. E viver.

Filosofia é aqui!

domingo, 19 de junho de 2011

O travesseiro de hotel

Deitei a cabeça no travesseiro do hotel.

Dois minutos e um pensamento relâmpago: Quantas cabeças já deitaram neste travesseiro? Primeiro pareceu nojento, depois oportunidade. Oportunidade para eu pensar em muitas coisas. Fiquei ali, deitado e refletindo quantas cabeças passaram por aquele travesseiro de hotel. Cabeças cheia de ideias, cabeças vazias, cabeças com problemas. Quantas soluções não foram encontradas, e quantos suspiros sufocados nas tantas fronhas que o vestiram. Quanto amor aquele travesseiro de hotel de praia tinha ouvido, e quantas juras que iriam acabar no correr do ano seguinte. Mas deve também ter ouvido juras que duraram para sempre, arfados de amor, elogios verdadeiros, lágrimas de saudade e uma voz infantil ouvida distante pelo telefone sobre a cabeceira.

Esse travesseiro viu muitas cabeças. Cabeças de vento, avoadas, divertidas. Cabeças sisudas e recatadas, cabeças sem cabelo, lindas, redondas, pesadas. Sei que passaram por ali cabeças que já não existem mais, é um hotel antigo, um travesseiro surrado. Mas sei também que passaram cabeças jovens, promissoras, que fizeram descobertas assim que deixaram o hotel. Ah, se esse travesseiro falasse, quanta coisa iria me dizer.

Ia me contar que dormiu ali um senhor muito inteligente, que descobriu uma fórmula para algum medicamento. E uma mulher linda, que encontrou seu amor na beira da praia do outro lado da rua. Ia contar que uma senhora escondeu suas jóias debaixo dele, e que um menino sem jóias dormiu com ele abraçado.Talvez esse travesseiro me ensinasse muito, com os tantos pensamentos que ele ouviu, preso naquele quarto sem saber que existe um mundo lá fora, ouviu línguas estranhas, sentiu cabelos de todas as texturas, descobriu o mundo de dentro de seu pequeno mundo naquele quarto de hotel. Quantos fossem os mundos que existiam distantes, naquele travesseiro, todos eles se encontraram.

Sorte de mim, que antes de poder conversar com o travesseiro sobre as maravilhas que ele podia dizer, adormeci. No outro dia fui embora, mas o travesseiro ficou lá, esperando o próximo sonho, a próxima lágrima, uma cabeça mais pesada, uma imaginação mais tranquila. 

Não sei se sonhei este post, mas tenho a sensação de que quem me ditou, foi ele.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Diaristas

Alguém me mandou uma mensagem de final de ano em que falava de uma tal Dona Francisca, diarista que gostava de abraçar as pessoas. Parece que a dona Francisca tinha uma tese de que um abraço por dia é o mínimo para sobreviver, três energizam e quatro fazem a pessoa prosperar. Além de achar folclórico, também achei intrigante como algumas pessoas que trabalham para a gente vivem de forma otimista em um mundo paralelo que toca o nosso em alguns momentos por semana, as vezes por dias, as vezes por anos, mas que jamais se mistura de maneira permanente.

Quando eu era criança minha família tinha uma espécie de diarista de plantão. Ela praticamente trabalhava na casa de todos os irmãos da minha mãe, primos, tios, fazendo um importante trabalho de divulgar os problemas de uns para os outros, gerar fofocas e assunto. Era uma negra gorda, enorme, que teve tantos filhos e em circusntâncias tão adversas que chegou a perder a conta de quantos morreram. Dizem que quando nós éramos crianças ela nos levava à cavalo nas costas, e que começou a frequentar a família quando minha mãe e minhas tias também eram adolescentes. Dela só lembro o sorriso largo e o jeito despreocupado rindo por detrás de uma tábua de passar roupas.

Depois tivemos outra lá em casa. Se chamava Dora. Dora quebrava tudo. Era muito bruta, adorava homens e sempre estava envolvida em algum relacionamento errado. Além disso, por uns tempos resolveu ser testemunha de Jeová e parou de cortar os cabelos, mas parou também de usar desodorante, o que dificultava muito ficar perto dela.

Na entresafra de pessoas que faziam o serviço da casa, eu e meu irmão tínhamos que ajudar minha mãe nas coisas cotidianas como limpar o banheiro, passar o aspirador de pó, secar a louça. Passamos por uma doida que gostava de sentar na soleira da porta para fumar e contar piadas, até outra que estava levando na bolsa a raquete de tênis do meu pai.

Eu, de maneira independente, não tive muitas aventuras com contratações. Tirando Dona Nerci, um clone feminino do Mr. Magoo que levou para casa um pé de maconha de um amigo meu porque estava precisando de cuidados, quase nada de interessante aconteceu em termos de diarista. Recentemente teve a Glorinha, que até engraxava meus sapatos, mas que depois passou a limpar meu apartamenteo em vinte minutos, e a Alexandra, que me xingava dizendo que a casa estava muito bagunçada todo dia em que vinha trabalhar. Cheguei ao ponto de acordar mais cedo para arrumar a casa antes dela bater na porta.

Hoje de manhã a Vera, que agora limpa aqui em casa, chegou as sete e meia. Eu estava dormindo e dormindo continuei enquanto ela animadamente cantava limpando a cozinha. Fiquei pensando no que faz uma pessoa que tem quase vinte anos a mais do que eu ter tanta boa vontade, ao me ver, um cara folgado, acordar todo dia as oito e meia para ir trabalhar. Provavelmente ela acordou as cinco, saiu de casa as seis, trocou de ônibus e chegou aqui as sete e meia. Vai trabalhar o dia todo e ganhar cinquenta reais no final. Entre outras idéias, fico realmente pensando que é o trabalho que enobrece a alma.